Urariano Mota
Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".
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A consciência de ser negro no Brasil, por Urariano Mota

Todas as vezes em que me debrucei sobre o tema do negro brasileiro, sempre encontrei obstáculos. O primeiro deles é que não existem negros no Brasil. Quero dizer, é muito mais que a sociedade fingir que os negros não sejam a maioria nacional. É mais que fingir. Na verdade, os negros não existem. Ou nem existimos como características físicas de cor escura, para ser mais preciso. Em dúvida, olhem as bancas de revistas, de jornais. Onde estão as capas com negros? Não há. Passeiem os olhos pelos canais de televisão, pelas lideranças empresariais, pelas direções de estatais, pelas universidades, pelos bairros limpos e confortáveis. Ao fim da mais leve ou refinada pesquisa, concluiremos: no Brasil, não existem negros. 

Mas apesar disso, devemos ir além das ilhas brancas do Brasil, esta grande cidade europeia. Então passemos pelos morros, favelas, prisões, faxineiros, operários, e, principalmente, pelos trabalhadores de menor salário em todas as categorias. O que ocorre? Parece que o Brasil vira negro. Apenas parece, porque não há, até mesmo aí,  uma consciência, um espelho onde o negro se veja como tal, inclusive nos lugares onde ele é majoritário. Com a devida exceção dos terreiros, quilombos e grupos de resistência, negros ainda são os outros. Se perguntássemos “aqui moram negros?”, muitos nos responderiam, incomodados, “aqui, não. Procure na favela mais distante”.

E por que isso se dá? Por que esse paradoxo de o Brasil ser uma das nações mais negras sem negros? Há um ditado popular, em sua infinita aspereza e flagra da pré-história da gente, que diz: “pobre não gosta de pobre”. Ou em uma versão adaptada: “negro não gosta de negro”.  O que isso quer dizer? Nada mais além do que pobres e negros não gostam do modo como vivem e são pintados em uma construção histórica, que até parece se transmitir no leite materno, como uma doença congênita. O que se associa à pobreza? Ignorância, fome, doenças, espancamento, sujeira, miséria e vergonha. E como é que alguém pode gostar de ser um infeliz desses? Uma vez um homem do povo me corrigiu, quando eu, desejando ter com ele uma fraternidade demagógica, lhe disse: “Nós, os pobres…”. Ele me interrompeu: “Pobre é o diabo”.

Então, no mesmo caminho da adaptação dos pobres, eu pergunto: quem é que pode gostar de ser feio, sujo, miserável, perseguido, espancado, preso, fedorento e estúpido?  Pois essas são as qualidades, o mundo imundo que aparece como o destino natural dos negros, o rosto pintado pela exploração e atraso secular do Brasil. Esse espelho não pode ser a face de um homem ou de uma mulher que honre a pessoa. Por aí já se vê o longo caminho de onde viemos e do muito ainda a ser alcançado. Um combate prático e de ideias, sem descanso ou conciliação. E que exige, por isso mesmo, o mais prolongado estudo, leitura e astucioso pensamento.

Creio que, para um começo de conversa, é necessário extrair a urtiga do mato da mistificação dos pensadores brasileiros. Mais de uma vez, pude notar um sintoma da barbárie nacional, quando vi que os melhores relatos sobre a nossa escravidão vêm de estrangeiros, como os descritos em Charles Darwin e Vauthier, o engenheiro francês que viveu no Recife. Ou de Maria Graham, a digna escritora que visitou Pernambuco em 1821. Cito as palavras da inglesa:

“Os cães já haviam começado uma tarefa abominável. Eu vi um que arrastava o braço de um negro de sob algumas polegadas de areia, que o senhor havia feito atirar sobre os seus restos. É nesta praia que a medida dos insultos dispensados aos pobres negros atinge o máximo. Quando um negro morre, seus companheiros colocam-no numa tábua, carregam-no para a praia onde, abaixo do nível da maré-cheia, espalham um pouco de areia sobre ele”.

Mas na perigosa escrita de Gilberto Freyre o mesmo quadro se conta assim:

“Foi numa praia perto de Olinda que Maria Graham, voltando a cavalo da velha cidade para o Recife, viu um cachorro profanando o corpo de um negro mal enterrado pelo dono. Isto, em 1821. Olinda pareceu à inglesa extremamente bela vista do istmo e da praia pela qual, indo do Recife, chegou até ao pé dos montes da primeira capital pernambucana”.

Vocês viram: o horror ocupa uma só linha em Gilberto Freyre, perdida na bela vista de Olinda. Quem quiser, confira, essa ocultação do real, está em sua Olinda, Guia Prático, Histórico e Sentimental de uma Cidade.

Gilberto Freyre é, seguramente, o homem que glorifica a colonização portuguesa. E nesse caso, tão brasileiro, pela dissolução da crueldade com ares de fazer graça, entre um pigarro no cachimbo e um costume bárbaro, como quem dilui a violência com uma piada. Nesse caso particular, é preciso vencer Gilberto Freyre. O poder da prosa de Gilberto Freyre, a bruxaria do que escreveu nos muitos trechos em que sacrifica a verdade para não perder o ritmo de um parágrafo, esse poder e esse feitiço têm que ser mortos. Mas antes, ele deve ser muito estudado. Contraditoriamente, antes de vencê-lo, Gilberto Freyre há que ser assimilado. Para mais adiante ser descomido, superado em uma etapa necessária rumo ao lugar onde a verdade da nossa história seja soberana. E se faça um acerto de contas com o passado escravocrata, estudado por ele a partir da casa-grande, que continua viva entre os brasileiros.

Darcy Ribeiro já observou que entre nós a solução do negro se deslocou da raça para a cor. São suas palavras, num enfrentamento com a democracia racial pintada por Gilberto Freyre, sem lhe citar o nome:

“O preconceito nosso é por natureza diferente do preconceito americano. Aqui há um conceito curioso de branquização, o negro quando vai ficando claro, a mestiçagem facilita isso sobretudo quando vai ficando rico, fica branco. Esse preconceito de branquização é um conceito bonito, não é democracia racial. É branquização, é uma possibilidade até preconceituosa de que o negro é aceito como alguém que vai deixar de ser negro, que vai transar com todas as brancas que vão clarear os filhos deles.”

Segundo o mesmo Darcy, até o ano de 1850 cerca de 6 milhões de negros haviam entrado no Brasil como escravos. No mesmo período, os imigrantes brancos não passavam de 500 mil, e os índios, de 5 milhões de pessoas. É muito estranho, para dizer o mínimo, que um país com essa composição de raças pudesse se tornar um país branco, nas relações com o mundo exterior, que não se engana. Mas o que se deu? Carregamos nas costas, como um peso vivo, que nos oprime a todos, a colonização portuguesa e a sociedade de classes. Mudam-se os tempos, mudam-se os costumes, mas a democracia não nos alcança como povo, nem como a nossa própria imagem. Há uma sobrevivência ideológica, de pensamento racista e excludente, que vai das Escolas Militares às instituições civis. Nós até admitimos que o Brasil seja produto de três raças. Mas – e esse “mas” é tudo – com a parte negra em seu devido lugar. Lá na cozinha, longe da sala de visitas. Não venha ele manchar com a sua presença a imagem do Brasil.

É preciso todos os dias acordar e arregalar bem os olhos para ver o que a névoa ideológica não deixa. Isto é, o que mais causa espanto: onde estão os generais, almirantes e brigadeiros negros? Onde estão os reitores, presidentes de senado, da câmara, governadores negros? Onde estão as nossas misses e modelos de exportação negras? Onde estão, de modo mais sério, os nossos grandes físicos e cientistas negros?

Essas não são perguntas retóricas. Entendam, porque até os mulatos que pularam a cerca e o cerco da exclusão no Brasil, em um trabalho extraordinário, heroico e colossal de autoeducação, como foi o caso de Machado de Assis, viraram  brancos. Vocês lembram, não faz muito um anúncio da Caixa Econômica Federal exibiu um Machado de Assis ariano, bem distante do queimadinho de sol. Mas não só ele atesta a nossa glória de nação europeia. Olhem, por exemplo, as imagens que viraram ícones de Carlos Gomes, de Castro Alves, ou num exemplo menos ilustre, de Roberto Marinho. Veem? Viraram todos brancos, ou quase brancos.

Haveria muito ainda a falar. Mas para o dia 20 de novembro, dia da consciência negra, que assinala a morte do grande Zumbi dos Palmares, destaco o ocorrido com o seu nome, no bairro do Zumbi no Recife. Quando pesquisei para o Dicionário Amoroso do Recife, pude ver que  na língua portuguesa o nome Zumbi significa alma que vagueia a horas mortas, ou fantasma de animal morto, ou com o sentido último de ser o título do chefe de um quilombo, zambi. Estranho, não? Ou melhor, faz um sentido histórico, porque alma de assombração ou fantasma de animal morto lembra mais uma vingança póstuma contra um herói na luta contra a escravidão.

E quanto ao bairro?  O Zumbi, no Recife, foi o Engenho de Ambrósio Machado, lugar de cultivo de cana no trabalho escravo, desde a dominação holandesa. O sociólogo e jornalista José Amaro Correia, assim me informou, lembrando o bairro onde ele morou na infância:  “Diziam para as crianças: ‘Zumbi vai te pegar’. O medo que havia nos senhores de engenho foi transferido para os explorados. O explorado repetia à sua maneira a consciência do explorador. Até os meus 14 anos de idade, para mim e para todos os meninos, Zumbi não era coisa boa. Esse nome era associado ao bairro. Para as pessoas de fora, nós dizíamos que morávamos na Madalena. Nos anos 50, ainda  falavam para as crianças que Zumbi ia voltar, como se fosse uma ameaça. Era o comentário, era o aviso na infância: ‘Zumbi vai voltar’. As mães do bairro diziam para os filhos: ‘não volte tarde, porque Zumbi pode te pegar’”.

Assim pude ver a origem histórica do bairro e do seu nome. De lugar de escravos, de terras de senhor de engenho, a lugar onde voltaria Zumbi, desta vez como uma ameaça aos proprietários, e para os descendentes dos explorados, até hoje, como uma assombração, no registro dos dicionários. Que deveria receber um novo significado, que a consciência do novo tempo nos ensina. Deixo a sugestão para atualizar o verbete nos dicionários:

Zumbi, substantivo masculino. Nome do herói brasileiro, pessoa de rara coragem, que se levantou contra a escravidão. Falecido no dia 20 de novembro, deu origem ao dia da consciência negra.

*No Vermelho http://www.vermelho.org.br/noticia/273036-35

Urariano Mota

Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".

17 Comentários

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  1. Mistificação de personagem histórico

    Transformado em bicho papão, Zumbi foi mistificado por aqueles que o mataram. Mas o autor do artigo também o mistifica. Zumbi se levantou contra a escravidão? Não há nenhuma evidência de que o líder de Palmares tivesse a intenção de abolir a escravidão em seus domínios. Aliás, nenhuma personalidade do século 17 acreditava que pudesse existir uma sociedade sem escravos. Zumbi rebelou-se contra a sua condição de escravo, não contra a escravidão como instituição.

    1. Zumbi, nunca foi escravo…

         Desculpe Mundim,

        O Francisco, educado, alfabetizado que escrevia e lia português e latim, depois mistificado como ZUMBI nasceu livre e jamais foi escravo.

         Em contraface ao que escreve aqui o grande Urariano, junto meu texto para dizer por que não queremos ser ´negros´. Queremos ser apenas brasileiros comuns, conforme dizia o saudoso prof. Milton Santos.

        Aliás, segundo o Dicionário Kimbumdu/Português, a palavra Zumbi ou Zambi, vem do termo zumbe, do idioma africano quimbundo e significa exatamente fantasma, espectro, alma de pessoa falecida. E tal nome foi exatamente escolhido por Zumbi e seus liderados, para impor o medo aos senhores coloniais que o temiam.

        Portanto, a lenda ´Zumbi´ não decorre do personagem. O próprio personagem, Francisco é que, com fins propagandista de sua invencibilidade é que incorporou a lenda. Francisco se tornou um Zumbi.

      1. Militão, fecho com suas ideias.

        Não somos.

        Somos brasileiros.

        Não tenho a pele negra. Por quê? Não interessa. Meu avô paterno tinha. Meu avô materno não tinha.

        Dane-se isso.

        Sou negra. Sou brasileira.

        1. Black Skin, White Masks (1952)

              Odonir,

              Voce, como todos nos, humanos, somente podemos ter cor da pele preta, branca, parda, marron, amarela, vermelha.

               Não existe a pele ´negra´, que foi uma atribuição do racismo. Black Skin, White Masks (1952) é o título da célebre obra de Frantz Fanon, o primeiro grande ativista contra o racismo, logo após a 2a guerra mundial.

             Como dizia seu avô paterno: somos homens e mulheres de cor.

          abç e agradeço.

  2. progressos

    O autor deixa de mencionar os progressos do Brasil no combate ao racismo, a começar por este feriado da Consciência Negra em honra de Zumbi. A legislação brasileira repudia, pune e reprime o racismo em textos tais como a Constituição Federal, o Código de Processo Penal, o Estatuto da Igualdade Racial e até a Lei da Ficha Limpa. Não sei aonde você mora, Urariano, mas aqui na praia de Copacabana a bela cara que o Brasil mostra para si mesmo e para o resto do mundo não tem coisíssima nenhuma de segregação racial.
     

    E que há negros eminentes, mesmo que minoritários, isso há. Tem até o controvertido e recente exemplo do (abominável para mim, heroico para outros) ex-ministro Joaquim Barbosa.

      1. copa

        Não acredito que você acredite que brutalidade policial contra adolescentes de subúrbio seja política de estado.

        Copacabana, de tão democrática, chega ao ponto de deixar argentinos vestindo a camisa da seleção deles jogar pelada com nossos nativos de todas as raças em plena copa do mundo de 2014. Eu vi !!! É literalmente o fim da picada, a mais completa e absoluta esculhambação do amor à pátria !!!

  3. Roberto Marinho era negro? Eu

    Roberto Marinho era negro? Eu achei uma fonte que o coloca como de origem judaica, mas mais comumente é tido como de origem italiana (Pisani). Aliás, Marinho é sobrenome italiano?

     

    Outra pergunta: em 1850, o Brasil tinha somente meio milhão de brancos como cita Darcy Ribeiro? Já se tinha então quase um século do terremoto de Lisboa que catapultou uma considerável parte da população portuguesa para o Brasil. Os alemães já haviam chegado. Já tinha a imigração açoriana. A coroa portuguesa já havia chegado e se ido do Rio, deixando uma boa parte de gente da corte na cidade. Só meio milhão de habitantes brancos no Brasil?

    Axé Urariano pra todos nós.

    1. Brancos e Roberto Marinho

      raf, Darcy Ribeiro se refere a estatística oficial de número de imigrantes brancos até 1850. Isso não quer dizer que o número de brancos no Brasil em 1850 fosse 500 mil. Nem, “claro,” que o número de pessoas negras e mulatas fosse apenas de 6 milhões.

      Quanto a Roberto Marinho, olhe http://www.interrogaes.com/2012/05/roberto-marinho-fez-globo-e-de-olhos.html#.Vk9SVb8YNpA

      (Roberto Marinho) “não se orgulhava de sua estatura, ampliada por saltos, e de sua tez mulata, na qual passava pó de arroz”.

      Axé para todos nós.

       

      1. Texto bom de ler!

        Mestre Uraniano,  parabéns pelo seu ótimo texto!

        eu que sou filho de branco com negra, que era filha de empregada negra engravidada pelo  dono da fazenda onde ela trabalhava, convivi com as cores branca e preta de peles, afetivamente (pai / mãe) desde criança. Escrevi “preta” de propósito, já que naqueles tempos preto era preto, a palavra negro ainda não constava em nosso vocabulário. A gente era pobre, mesmo que alguns de nós aparentasse a brancura na pele. Havia por lá naqueles tempos um negro poderoso, bem de vida, rico e viajado, e intelectual: o professor Mendonça, conhecido na cidade inteira. Ele era formado (como a gente denominava os graduados acadêmicos) e chefe do cartório da cidade, conhecia e se dava bem com todo mundo, tanto com a população em geral (baixa renda), quanto com o grupo de fazendeiros locais, que o convidavam sempre para suas festas e cerimoniais. 

        Portanto, acho que naquele nosso pequeno mundo a pobreza nos irmanava (expressão muito usada pelos padres do lugar), independendo das cores da pele. Evidente que a gente pobre sabíamos com perfeição qual era o “nosso” lugar, o lado de baixo da pirâmide.

        Ué, mas abri este comentário foi para dizer que não estranho nada o noticiado descontentamento de Roberto Marinho  com as próprias altura e cor de pele, fatos que até hoje vejo com certa frequência por aqui: brancos querendo ser mulatos e baixos querendo ser altos e vice-versa. Mas, o sonho sonhado  pelas multidões cá de baixo é o de um dia estar com os cofres cheios, portanto no andar de cima, e vejo isto manifestado nas longas filas para os jogos da mega-sena, como a de amanhã!

         Nos textos que li sobre os Marinho mencionam o casamento do niteroiense  Irineu com a descendente de italianos Francisca Pisani: 

        https://pt.wikipedia.org/wiki/Irineu_Marinho

        Axé!

        1. Pessoas são pretas ou brancas…

          Francisco (o nome de Zumbi),

          Os teus antepassados eram humanos de cor preta ou branca e muitos pardos, pelo relato. Voce estava descrevendo bem ao abandonar a designação de ´mãe negra´.

          Se perdeu ao se desculpar pelo acerto e voltar ao uso da linguagem racialista. Veja, por que o teu pai era um humano da cor branca e a tua mamãe uma mulher da ´raça negra´? Se ambos eram humanos, um era da cor branca e o outro da cor preta. 

          Simples assim. Retome, pois, a boa e politicamente correta linguagem de nossos avós. Eles sempre estiveram certos. Nós somos ´humanos de cor´.

          Como vc mesmo anota, naquela época, tal como agora, os pretos não gostavam de pertencer à raça ´negra´, pois, conforme o texto de Urariano, ninguém gosta de pertencer a algo ruim. E ser ´negro´, conforme o Marquez de Pombal é algo muito ruim.

           

          abç

  4. 20 de novembro e a tal da ´Consciência de ser Negro´

    20 de novembro – DIA DE ZUMBI DE PALMARES

    O Jornal de todos Brasis

      20 de novembro – DIA DE ZUMBI DE PALMARES
     J.ROBERTO MILITÃO, SEX, 20/11/2015 – 14:58

    A equivocada designação do dia da ´Consciência Negra´ retira o maior significado da data histórica hoje celebrada: a justa homenagem a ZUMBI DE PALMARES, o primeiro herói brasileiro a lutar e morrer pela independência e por liberdades contra a escravidão e contra a Coroa Portuguesa. 

    Designar 20 de novembro como da ´Consciência Negra´ é um projeto racialista, que seduz a academia e ativistas submissos aos projetos financiados pelas Fundações norte-americanas visando reforçar nos afro-brasileiros uma identidade ´racial´ que não temos, o que foi um propósito do racismo desde o século 18. Mesmo a designação do movimento da “consciência negra” é um intencional erro de tradução de cunho racista.

    A linguagem racista prefere designar os afrodescendentes como ´negros´ – uma designação racial indigna pois se refere a uma ´raça inferior´ – sonegando assim a humanidade das cores da melanina presente em todos os humanos que podem ser brancos, pretos, pardos, amarelos ou vermelhos. A designação de africanos por ´negros´ é um típico rótulo empregado pelos ideais do racismo no século 18, a fim de designar a ´raça inferior´ – raça ´negra´ – destinada à escravidão com tal designação, aviltante e degradante, conforme o art. 10 da lei de Marquez de Pombal ´Directório do Índio´ de 1755.

    Diz a lei pombalina em proteção ao Índios, até então escravizados e também designados ´negros da terra´: – “10 – Entre os lastimosos princípios, e perniciosos abusos, de que tem resultado nos Índios o abatimento ponderado, é sem dúvida um deles a injusta, e escandalosa introdução de lhes chamarem Negros; querendo talvez com a infâmia, e vileza deste nome, persuadir-lhes, que a natureza os tinha destinado para escravos dos Brancos, como regularmente se imagina a respeito dos Pretos da Costa da África. E porque, além de ser prejudicialíssimo à civilidade dos mesmos Índios este abominável abuso, seria indecoroso às Reais Leis de Sua Majestade chamar Negros a uns homens, que o mesmo Senhor foi servido nobilitar, e declarar por isentos de toda, e qualquer infâmia, habilitando-os para todo o emprego honorífico: Não consentirão os Diretores daqui por diante, que pessoa alguma chame Negros aos Índios, nem que eles mesmos usem entre si deste nome como até agora praticavam; para que compreendendo eles, que lhes não compete a vileza do mesmo nome, possam conceber aquelas nobres idéias, que naturalmente infundem nos homens a estimação, e a honra.”

    A própria designação do movimento político da ´Consciência Negra´ já significa a subversão com linguagem racialista de uma luta por dignidade dos africanos. The Black Consciousness Movement, nasceu na África do Sul nos anos 1970, anos após a prisão de Nelson Mandela.

    O jovem STEVE BIKO foi o grande fundador e lider desse movimento político que não era de ´negros´ pois era de ´black´s´ ou seja um movimento de consciência de humanos pretos. (Steve Biko co-founded the South African Students’ Organization in 1968, subsequently spearheading the nation’s Black Consciousness Movement, and co-founded the Black People’s Convention in 1972.- http://www.biography.com/people/steve-biko-38884 ).

    Tanto na África quanto nos EUA, assim como no Brasil, ainda hoje designar os pretos como ´negros´ continua sendo uma grave ofensa à dignidade humana. Conforme o IBGE, apenas 8% dos afro-brasileiros se autodefinem como ´negros´, portanto nós, pretos e pardos, majoritariamente, não nos consideramos pertencentes à ´raça negra´. Afirmar o contrário disso é violaçãoi de um princípio básico da antropologia: alterar a voz do grupo humano com a imposição de conceitos externos.

     –  https://www.facebook.com/photo.php?fbid=906631936094066&set=a.313624602061472.67544.100002418055723&type=3

    Na verdade 20 de novembro é uma das principais datas de nossa história. Essa data reverencia a dignidade e altruísmo de escravos no Brasil que lutaram e resistiram pela conquista da liberdade, a condição inata da dignidade humana: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.” consagrou os ideais iluministas que nascia na época de Zumbi.

    A luta pela liberdade e dignidade dos escravos está documentada por milhares de quilombos em todo o Brasil nas chamadas ´Terras de Pretos´, existentes até hoje. São os Remanescentes de Comunidades Quilombolas que ainda lutam pelo reconhecimento da propriedade de suas terras ocupadas nos termos do art. 68 das Disposições Transitórias da Constituição democrática de 1988.

    Hoje, 20/11 é o dia de reconhecimento e homenagem à liderança de Francisco, ´Zumbi de Palmares´, o primeiro dos grandes heróis brasileiros na luta pela liberdade e independência.

    Essa extraordinária figura história precisa ser ensinada nos bancos escolares. Ele foi o primeiro brasileiro a morrer por defender, de forma organizada, a liberdade de brasileiros em face do Império português. Muito antes de Tiradentes, foi executado em 20/11 de 1695 após anos de ataques das forças imperiais. Por ordem do Rei de Portugal foi contratado a peso de ouro, um exército de mercenários contratados e comandados por um facínora bandeirante de São Paulo, Domingos Jorge Velho.

    ZUMBI não foi um personagem qualquer. Nasceu livre em 1655, na Serra da Barriga, Capitania de Pernambuco, atual União dos Palmares, Alagoas, mas foi capturado e entregue a um missionário católico português quando tinha aproximadamente seis anos. Foi batizado ‘Francisco’, Zumbi recebeu os sacramentos, aprendeu português e latim, e ajudava diariamente na celebração da missa. Era, portanto, um intelectual com acesso a boa literatura naquela época de poucas letras mesmo entre os colonizadores, geralmente, analfabetos.

    Palmares é designada pelos historiadores como a ´República de Palmares´ pois, de 1660 a 1695, chegou a ter 30.000 habitantes, pretos, pardos, brancos e índios, com território equivalente ao tamanho de Portugal, com exército, economia e governo independentes da ordem régia vigente. Até então nenhum movimento separatista ou de independência havia surgido no Brasil. Eis a pujança da figura heroica: ele não aceitou um acordo proposto pelo governador de Pernambuco, em nome do Rei. A anistia e a alforria a todos os palmarinos desde que continuassem submissos à Coroa portuguesa.

    ZUMBI foi o último dos líderes da República de Palmares, totalmente destruída após o cerco e a longa guera de resistência: “Zumbi é considerado um dos grandes líderes de nossa história. Símbolo da resistência e luta contra a escravidão, lutou pela liberdade de culto, religião e prática da cultura africana no Brasil Colonial. O dia de sua morte, 20 de novembro, é lembrado e comemorado em todo o território nacional.”, diz o prof. Edison Carneiro o principal historiador de Palmares (Carneiro, Edison. O Quilombo dos Palmares, Ed.Civilização Brasileira, 3a ed., Rio, 1966, p. 27).

    Em 14 de março de 1696 o governador de São Paulo, Caetano de Melo de Castro escreveu ao Rei de Portugal: “Determinei que pusessem sua cabeça em um poste no lugar mais público desta praça, para satisfazer os ofendidos e justamente queixosos e atemorizar os negros que supersticiosamente julgavam Zumbi um imortal, para que entendessem que esta empresa acabava de todo com os Palmares.”.

    ZUMBI não foi um líder racial. Não foi um escravo revoltado. Foi uma liderança que conduziu seu povo a lutar por liberdade e contra o sistema colonial e escravocrata, uma pré condição para a dignidade e os direitos de humanos. Uma pré condição para a nação livre e soberana.

  5. O omo     que passaram no

    O omo     que passaram no Machado de Assis na propaganda da Caixa foi de uma baixeza sem precedentes, só comparada àquela palhaçada do nome dos mascotes da copa, amijubi, fuleco. Nosso marketing, que já viveu dias de glória, está no fundo do poço.

  6. One-Drop Blood Rule??? É isso?

    Texto bem escrito, sem dúvda,  mas ideológico, e portanto tendencioso, que visa propagar uma determinada idéia e ponto de vista, portanto não possui o rigor científico necessário, pontos dignos de nota a serem melhor estudados são o fato de classficar Castro Alves como negro, negando todo seu passado famlliar português e ameríndio, como de comum a inumeras famílias tradicionais, basta ver as fotos de sua família; Outro ponto são os dados numéricos que usa para classificar a negritude do Brasil, valando-se da disparidade na quantdade de negros, brancos e índios em sua composição nos dos de 1850.

    Ora, pode escapar ao conhecimento comum, mas é fato que a formação da população brasileira se deu com uma imensa predominância do elemento masculino europeu sobre a matriz de mulheres negras e ameríndias, sendo forçoso reconhecer que ao invés do branco brasileiro ser “negro” em sua origem, como o Movimento Negro e seus ideólogos nacionais e estrangeros querem propalar,  a maoria de negros é que tem linhagem patrilinear europeia!

    A matemática é simples, sexo e reprodução sempre foram ligados ao exercício do poder, e assim muito mais homens abastados (euro-descendentes, em sua maioria) tiveram muito mais chances reprodutivas com mulheres negras e afro-descentes do que teria sido possível a homens negros com relação à mulheres brancas, o que por si só já justifica a inversão numérica ocorrida. 

    Isso sem falar na descendencia europeia e ameríndia, que desde a segunda geração já estava incorporada na sociedade dominante de forma indelével e indstinguível, tanto que todas as famílas ditas “quatrocentenáras paulistas” tem matriarcas indígenas em sua gênese.

    É urgente lutar pelo fim do preconceito, pelo fim do desrespeito com que o negro foi e muitas vezes é tratado, mas para isso não devemos importar conceitos criados no âmago do pensamento preconceituoso norte-americano, que é  a One-Drop Blood Rule ( regra de uma gota de sangue), que é o que está por trás do pensamento desta matéria, pois isso seria crer e aceitar que o “sangue negro” é tão infecto que uma só gota traria o estigma racial sobre seu detentor, independentemente das característcas fenótipicas e genômicas do indivíduo, não se iludam, essa é a lógica  da coisa.

     

    Darcy Ribeiro, em sua excelente obra ao longo da vida, expõe como ninguém a singularidade do Homem Brasileiro e da Civilização que tem potencial para criar, um homem não mais branco europeu, índio e tão pouco negro africano, mas BRASILEIRO, herdeiro do legado paterno mediterrâneo despositado em ventre branco, ameríndo e africano.

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