Do Estadão
Por Redação Link
* Por Tatiana de Mello Dias e Rafael Cabral
Entre discursos, reuniões bilaterais e possíveis acordos comerciais, um ponto da agenda da comitiva americana que acompanha Barack Obama em sua visita ao País chama atenção. O Secretário de Comércio dos EUA, Gary Locke, se reuniu na sexta-feira passada, 18, com a ministra da Cultura, Ana de Hollanda. O pedido, em forma de “visita de cortesia”, partiu do governo americano e tinha como pauta um tema quente para o Ministério no começo de 2011: propriedade intelectual.
A pauta oficial falava em Ano Interamericano da Cultura e a Convenção da Unesco para a Diversidade. Mas, no pedido da embaixada norte-americana (ao qual o Link teve acesso), fica claro: o secretário de Comércio dos EUA queria falar sobre direitos autorais. E é difícil discutir isso com Ana de Hollanda sem passar pela Reforma da Lei de Direitos Autorais. Marcia Regina Barbosa, a nova responsável pela área no Ministério (leia entrevista na pág. 2), participou do encontro e confirmou o tema: “Ele sabe que estamos passando por um processo de reformulação do projeto de lei e mencionou que se coloca à disposição para ajudar”.
DesdDesde o começo do mandato da compositora, o MinC tomou a contramão. Logo em janeiro, a ministra desvinculou o selo Creative Commons do conteúdo do site e fez elogios ao Escritório Nacional de Arrecadação (Ecad), criticado pela falta de transparência no repasse de direitos autorais de músicas e principal adversário da reforma, que criaria um órgão governamental para fiscalizá-lo. Em entrevistas, apesar de afirmar que ainda não lera o texto, Ana deixou claro que compartilhava os mesmos pontos de vista das entidades que tanto se opuseram a ele.
A equipe que tocava a reforma saiu do Ministério. A Diretoria de Direitos Intelectuais foi ocupada por Marcia Regina Barbosa, que integrou o Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA) e já escreveu um artigo com o advogado Hidelbrando Pontes, conhecido defensor do copyright e ligado ao Ecad.
“Ganhamos a guerra, pode ter absoluta certeza”, garante Roberto Mello, presidente da Associação Brasileira dos Músicos (Abramus), um opositor da política anterior do Ministério que se diz “bastante satisfeito” com a nova gestão. “Pode esquecer esses ativistas que estão protestando, eles já eram. O Ministério foi completamente desaparelhado”, afirma.
Ruptura. O que ainda se discute é o porquê de uma mudança tão radical em um governo de continuidade. “Tem sido feita muita pressão para que o Brasil adote uma linha mais amigável aos interesses dos EUA e para que siga suas recomendações em relação aos direitos autorais. A escolha de Ana de Hollanda e suas primeiras ações a esse respeito refletem isso”, afirma o sociólogo Joe Karaganis, pesquisador do Social Science Research Council que chefiou um estudo de três anos sobre a pirataria em países emergentes (leia mais sobre a pesquisa na pág. 2).
Com os norte-americanos insatisfeitos, o Brasil poderia começar a sofrer retaliações comerciais. Por isso, o novo MinC teria decidido se alinhar à cartilha dos grandes conglomerados da música e do cinema. “As pequenas ações da ministra apontam basicamente para a realização da agenda da indústria cultural”, afirma Pablo Ortellado, do Grupo de Políticas Públicas para o Acesso à Informação da USP.
O que Ana de Hollanda está fazendo – e dizendo – vai na direção do que quer a Aliança Internacional de Propriedade Intelectual (IIPA, na singla em inglês), entidade que reúne órgãos como a MPAA, associação que representa os estúdios cinematográficos, e a RIAA, representante o mercado fonográfico.
Em relatório divulgado da semana passada, a associação recomenda que o País endureça a legislação antipirataria. O Brasil foi classificado com um dos 40 países do mundo a se “prestar atenção”. A entidade diz que a flexibilização da legislação é “inconsistente com um equilíbrio viável entre proteções e exceções”, além de “desnecessária”.
O estudo poderia ser só um retrato do que são os países na visão das indústrias que combatem a troca de arquivos e cópias ilegais, mas sua importância é bem maior e tem ligação até com a visita de Gary Locke a Ana de Hollanda na última sexta-feira.
A IIPA envia as informações ao Escritório de Comércio, que as usa na elaboração do Special 301, uma lista anual dos países que não colaboram com a propriedade intelectual e que é usada como pressão em acordos comerciais bilaterais. Os EUA têm um mecanismo para ajudar países em desenvolvimento com a isenção de impostos na exportação de produtos, mas atrela o benefício justamente à maneira como eles cuidam dos direitos autorais. Quem desagradar perde o benefício.
Ortellado teme que, por medo, o governo brasileiro siga à risca as recomendações da indústria e evolua para políticas repressoras como a do “three strikes”, que permite a retirada de conteúdo ou mesmo a suspensão da conexão de usuários acusados de infrações de copyright. O cenário catastrófico ainda não se anuncia, mas o pesquisador já arrisca um ponto final ao menos para o projeto formulado no ano passado: “A ministra vai sentar em cima da reforma. A posição da indústria é não mudar a lei”.
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