Projetos de Niemeyer para a Itália

Por Paulo F.

Do Comunità Italiana

O que Niemeyer sonhou para a Itália

Por Cintia Salomão Castro   

O legado que o maior dos arquitetos brasileiros deixa ao Belpaese inclui quatro monumentos realizados e projetos que nunca saíram do papel

Uma das principais características do mais influente arquiteto brasileiro de todos os tempos era a exaltação da beleza nas construções. Para ele, ela era a própria função da forma. Certa vez, em entrevista à jornalista italiana Antonella Rita Roscilli, Oscar Niemeyer declarou que percorrer a Itália significava encontrá-la por toda a parte — justamente, a beleza — e de modo sempre surpreendente e renovado. No Belpaese, o homem que desenhou os principais monumentos de Brasília deixou quatro obras realizadas e três projetos que nunca saíram do papel, guardados com tremendo carinho por seus colegas italianos, embora sejam pouco ou nada conhecidos no Brasil. 

Os laços com o país de Andrea Palladio começaram cedo: sua primeira esposa, Annita Baldo, com quem se casou aos 21 anos e teve sua única filha, Anna Maria, era filha de um imigrante de Padova, cidade a qual, sete décadas depois, presentearia com um projeto. O Palazzo dei Congressi foi desenhado por ele em 1988 para ser inserido atrás do edifício do antigo Foro Boario, próximo ao Prato della Valle, cartão-postal da cidade. A região do Vêneto é dona de pelo menos três “sonhos” de Niemeyer. Além do centro de convenções para Padova, ele desenhou uma ponte para Veneza e, juntamente com o amigo e também arquiteto Federico Motterle, em 1978, esboçou um teatro para Vicenza.
Niemeyer dizia que em solo italiano cultivava muitas amizades. O sociólogo Domenico De Masi,  um dos principais artífices da construção do famoso teatro de Ravello, era um deles.

— Sinto uma imensa dor — confessou à ComunitàItaliana poucos dias após a morte do autor do projeto dos Cieps, escolas públicas do Rio idealizadas por Darcy Ribeiro.

Os maiores arquitetos da atualidade, como a iraquiana Zaha Hadid e o espanhol Santiago Calatrava se declaram influenciados pelas inconfundíveis curvas de Niemeyer. Para De Masi, isto é um feito que merece ser ressaltado.

— A coisa mais importante de todas é que, antes dele, toda a arquitetura era criada no primeiro mundo e imposta ao terceiro. Vejamos as casas coloridas alemãs de Blumenau, por exemplo. Niemeyer foi o primeiro a romper com isso, criou uma arquitetura e a impôs aos países do primeiro mundo. Em Paris, Londres, Turim e Madrid, em todos esses lugares está a sua marca – afirma o autor de O ócio criativo.

O modernismo futurista de Niemeyer em plena Campânia 

O anfiteatro de Ravello, conhecido como auditório de Oscar Niemeyer, é a obra mais conhecida do brasileiro em solo italiano, e também a mais recente, inaugurada em 2010. O governador da região da Campânia na época, Antonio Bassolino, quando soube da sua morte, escreveu em sua página do Twitter, “Um adeus afetuoso e um obrigado a Oscar Niemeyer. Colocou um grande amor na projetação do auditório de Ravello”. Nos anos que seguiram à sua projetação, o teatro foi alvo de polêmicas e críticas da parte dos defensores da tradição patrimonial, que não viam com bons olhos aquele imenso sinal futurista e fortemente contemporâneo em um território repleto de monumentos seculares. Inaugurado em 2010 com um formato curvilíneo, foi concebido para abrigar o Ravello Festival e chegou a receber artistas como Lucio Dalla. 

— A beleza local é medieval e colocar uma obra de arte contemporânea assim, revolucionária, exigiu seis anos de debate, discussões e autorizações — recorda o sociólogo Domenico De Masi, ex-presidente da Fundação Ravello.

As críticas italianas ao projeto estiveram entre as apreciações desfavoráveis que o ganhador do prêmio Pritzker de arquitetura de 1988 recebeu ao longo da carreira iniciada como estagiário no escritório de Lúcio Costa. Entre as principais avaliações negativas, está o desinteresse pelo que cercava seus monumentos, entre ruas, acessos a meios de transporte e cidades vizinhas, e o desprezo pela funcionalidade. O fato é que, ao declarar seu amor pelas curvas e confirmar que sua inspiração vinha das formas sinuosas e arredondadas da geografia carioca, construiu uma marca registrada tão brasileira e inconfundível a ponto de ser um dos poucos arquitetos conhecidos em todo mundo pelo público não especializado e de Darcy Ribeiro ter dito que será o autor do único testemunho de nossa civilização daqui a mil anos. O arquiteto vicentino Luca Biancoviso, estudioso de sua obra, lembra que é notório como soube sempre encontrar inspiração para os seus trabalhos na natureza e na paisagem da sua terra natal, “do arremesso curvilíneo do Pão de Açúcar e dos relevos da costa brasileira que se jogam diretamente no oceano, às linhas moles das praias apreciadas da janela do seu escritório no Rio de Janeiro, e talvez graças às belas mulheres que naquelas praias se deitam para se bronzear”.

Edifícios comerciais estão no Piemonte e na Lombardia 

O norte da península italiana reúne três obras do arquiteto que se declarava comunista até os seus últimos dias. Quis o destino que fossem sedes de grandes empresas e indústrias. O Palazzo Mondadori, da editora Mondadori, foi inaugurado em 1974 em Segrate, na província de Milão, e é considerado um dos mais representativos projetos de toda a sua obra, inspirada no Palácio do Itamaraty. O empresário Giorgio Mondadori ficou impressionado com os desenhos feitos por Niemeyer em 1968. Seis anos depois, era inaugurada a estrutura que até hoje abriga a direção, a redação e a parte administrativa de uma das mais importantes casas editoriais italianas. Os arcos cercados por espelhos d´água e lagos artificiais remetem inevitavelmente a Brasília. 

Já a sede da Burgo Group, fabricante de papéis, em San Mauro Torinese, foi realizada entre 1978 e 1981. Um ano antes de iniciado o canteiro de obras, o projeto mereceu a capa da revista Domus, em 1977. O complexo tem instalações que “parecem remeter à cidade-satélite de odisséia no espaço, uma grande roda para exaltar os momentos funcionais da sua organização interna”, comentavam os arquitetos na época. O complexo chegou a receber em 2011 uma exposição organizada pela prefeitura da cidade: Oscar Niemeyer a San Mauro, 1981-2011, trent’anni della sede Burgo. Concebida para comemorar os 30 anos da sede, virou uma homenagem ao mestre que morreria apenas um ano depois. Também datam dos anos 1970 os grandes arcos longitudinais que marcam a fachada da sede da empresa Fata Engineering, hoje Fata Group do grupo Finmeccanica, em Pianezza, na província de Torino. Foi realizada entre 1976 e 1981 em um projeto assinado em conjunto com o italiano Riccardo Morandi.

Em 2007, o autor do Museu de Arte Contemporânea de Niterói e do Memorial da América Latina chegou a receber uma homenagem oficial do Estado italiano. O presidente Giorgio Napolitano concedeu-lhe a ordem de Grande Ufficiale dell’Ordine della Stella della Solidarietà Italiana, uma Medalha de Cavalheiro da República italiana, entregue pelo então embaixador Michele Valensise, no Rio de Janeiro.   

“Preciosa herança”

Curador de cinco mostras dedicadas ao gênio brasileiro realizadas em solo italiano, o arquiteto Luca Biancoviso, de Vicenza, cidade famosa por reunir monumentos de Andrea Palladio, fala do legado deixado por Niemeyer ao Belpaese

ComunitàItaliana: Que legado Niemeyer deixa à Itália?

Luca Biancoviso: Deixa uma herança preciosíssima em território italiano: as quatro arquiteturas realizadas aqui (as sede da Mondadori, da Fata Engineering, da Burgo e o auditório de Ravello) são obras já presentes nos livros de arquitetura e constituem há décadas uma referência para a projetualidade de muitíssimos arquitetos de todo o mundo. Há outro aspecto importante: estou certo de que ele, trabalhando ao lado de vários projetistas italianos em cooperação, entre eles, o meu caro amigo Federico Motterle, tenha influenciado de um modo ou de outro os próprios colegas italianos, deixando assim inclusive uma herança cultural, impalpável, que acredito tenha ficado impressa em quem teve a sorte de colaborar com ele. Eu mesmo, como vários colegas da minha idade, sempre fui fascinado pela sua genial personalidade, não apenas pelo magistral trabalho desenvolvido no campo da arquitetura internacional, mas também pelo forte caráter extremamente coerente, expresso na sua arquitetura. Então, esse é outro lado da sua herança, a qual, todos, até hoje, devemos aprender: a generosidade, o amor incondicional pelas próprias ideias e o próprio trabalho, que não é outra coisa que um meio de expressar as ideias. 

CI: Você acredita que os projetos inéditos feitos por Niemeyer para a Itália tenham alguma chance de serem realizados?

LB: Ver tais projetos realizados seria um sonho para mim e para muitos que estimam a sua arquitetura. De qualquer forma, é muito difícil que isso possa acontecer. A mostra que curei em Padova, em 2010, tinha, devo admitir, a finalidade de reacender o conhecimento sobre um projeto que, em 1988, foi literalmente esquecido, e cuja memória então refrescamos até para contrapor aquela magnífica e exemplar arquitetura ao projeto de um banal centro comercial que o Comune de Padova intencionava realizar na mesma área (adjacente ao Prato della Valle). Ao final, o centro comercial não será construído, e gosto de pensar que isso seja um pouco mérito da nossa mostra. 

Já na minha cidade, Vicenza, foi construído, nos últimos anos, ainda que com grande atraso em relação ao projeto de Niemeyer, um Teatro Civico, que engloba a função proposta por ele em 1978. Aquele projeto, recusado na época pelo Comune de Vicenza, foi revisitado, sucessivamente, para fazer o Teatro Estadual de Araras. 

CI: E a ponte feita para Veneza?

LB: Quanto à ponte que ele desenhou para a área da Accademia di Venezia, podemos ter ainda esperanças de que seja levado em consideração se o Comune de Veneza quiser realizar uma obra definitiva, já que atualmente o que existe é uma ponte provisória de madeira. Recentemente, a cidade recebeu uma ponte nova sobre o Canal Grande, em um projeto do arquiteto espanhol Santiago Calatrava. Apesar da sua beleza, é mais lembrado pelos problemas de construção e de gestão do que pela sua arquitetura. Porém, os problemas econômicos e políticos que atravessam a administração pública italiana atualmente não facilitam a construção de um desses projetos magníficos. Nesse sentido, a realização do auditório de Ravello foi quase um milagre.

As exposições

A Itália não esperou fazer uma homenagem póstuma a Niemeyer: de Turim a Ravello, o país realizou diversas exposições sobre a sua carreira. Entre 2007 e 2008, a exposição Oscar Niemeyer: Arte, Città e Paesaggio, curada por Salvino Campos, passou por Roma (Faculdade de Arquitetura Roma Tre, Embaixada brasileira e galeria Candido Portinari), Nápoles (Palazzo Reale) e Vicenza (Stamperia Busato). Em 2008, foi a vez de Turim: o Politecnico di Torino promoveu a mostra Oscar Niemeyer Cento Anni. Um ano antes, Benevento organizou, no Palazzo Paolo V, Oscar Niemeyer – A arte de projetar. Em 2010, as autoridades padovanas promoveram a exposição Oscar Niemeyer Un Progetto per Padova (cartaz da foto). O assessor para a Cultura de Padova, Andrea Colasio, ressaltou que o foco era exibir os projetos criados para a cidade e que, para isso, trazia, pela primeira vez, esboços originais como o projeto do Palazzo dei Congressi. A cura foi do arquiteto vicentino Luca Biancoviso, presidente da associação cultural Independent Event Center, condutora de um extenso trabalho de pesquisa sobre o brasileiro que rendeu outros frutos como a retrospectiva 101% Oscar Niemeyer: l’arte di progettare, hospedada em Vicenza, Benevento e Veneza em 2009, e Oscar Niemeyer: architetture italiane, realizada especialmente para a inauguração do auditório de Ravello em 2010. 

Biancoviso conta que em agosto de 2010 propôs ao Museu Nacional de Brasília que acolhesse a mostra Oscar Niemeyer, Architetture Italiane, a mesma que passou por Ravello, mas que nunca recebeu resposta. 

— No ano passado, conheci, em São Paulo, o diretor do Instituto Italiano de Cultura e ele também se mostrou favorável à ideia de levar a mostra ao Brasil, mas isso dependia dos financiamentos italianos e não havia orçamento — conta o arquiteto de Vicenza, que ainda espera encontrar alguma instituição interessada em trazer os projetos criados por Niemeyer especialmente para a Itália.

O teatro projetado para Vicenza era destinado à área verde do centro histórico da cidade, onde ficava o Teatro Municipal, destruído pelos bombardeios das forças aliadas na Segunda Guerra Mundial. A proposta feita por Niemeyer, junto com Federico Motterle, não foi aceita sobretudo por falta de um acordo em relação à sua gestão. A área é ocupada atualmente por um estacionamento subterrâneo. O projeto espelha bem as características do vocabulário arquitetônico do brasileiro: um grande pórtico para pedestres (com lojas e escritórios) que circundava duas torres altas cilíndricas, onde haveria um centro de convenções e um hotel com serviços. A parte externa seria em cimento pintado de branco, explica o arquiteto italiano Luca Biancoviso

Luis Nassif

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