“The Man From Earth” Desconstrói Religião e Ciência

 

Um filme indispensável tanto para ateus, religiosos, gnósticos, agnósticos ou cientistas. O filme “The Man From Earth” é composto por uma narrativa de 90 minutos de puro ceticismo e desconstrução tanto da Religião quanto da Ciência. Um homem revela ter 14 mil anos de idade, mas tudo o que um grupo de cientistas e professores descobre é um ser com a mesma consciência de um homem comum que luta pela sobrevivência, sem qualquer lição metafísica ou teológica a oferecer.

 O que o leitor pensaria se conhecesse alguém que dissesse ter 14 mil anos. Certamente duas opções viriam à mente: ou essa pessoa teria sérios problemas mentais ao acreditar na própria mentira ou pensaria estar diante de uma criatura que deteria potencialmente todo o conhecimento humano e universal, um ser de imensa sabedoria. Quase uma divindade.

Mas o filme “The Man from Earth” (2007) não vai por nenhum desses caminhos. Em um roteiro instigante de Jerome Bixby (roteirista e escritor de episódios de séries clássicas de sci fi como “Jornada nas Estrelas” e “Além da Imaginação”), o filme surpreende ao narrar a reação de um grupo de cientistas ao se deparar com um ser imortal destituído de qualquer preocupação metafísica ou teológica sobre sua condição. Ele apenas passou 14 mil anos sobrevivendo.

Além do brilhante roteiro, o filme “The Man From Earth” ganhou fama também pela permissão pública do seu produtor para que qualquer cinéfilo fizesse download da Internet. Ou seja, o filme é uma daquelas pequenas pérolas independentes que surge na indústria do entretenimento e que rapidamente se transforma numa obra cultuada.

O filme nos apresenta a estória de John Oldman (David Lee Smith) um professor universitário que inesperadamente decide se mudar para um destino ignorado. De improviso, organiza uma despedida com outros amigos professores da universidade em sua casa de campo. O grupo é formado por um biólogo, um arqueólogo, um historiador, uma especialista em textos bíblicos, um antropólogo e um psicólogo. Uma audiência perfeita para a grande revelação de John: ele vive há milhares de anos, desde a era paleolítica, sem envelhecer e com a mesma aparência em torno dos 35 anos.

Viver a tanto tempo lhe ensinou a primeira tática de sobrevivência: mudar-se a cada dez anos para que as pessoas não percebam que ele não envelhece.

O que vemos a partir daí é uma grande discussão sobre a natureza do homem e a razão de ser da existência de um ser tão espetacular: é uma mutação biológica? Um ser que vive fora do tempo? Um louco? Ele está dizendo a verdade? Se for verdade, seria uma maldição ou uma dádiva? O que diria a religião sobre um ser que tenha vivido tanto tempo? Se ele viu o que diz que viu, sua fé ainda prevalece?

Um ser de tamanha longevidade que tivesse acompanhado toda a evolução social, política, científica e espiritual da humanidade somente poderia ter uma visão em perspectiva tão imensa que traria todas as verdadeiras respostas ou a síntese de toda a jornada humana nesse planeta.

Mas o roteiro de Bixby e a direção de Richard Schenkman não deixam as coisas assim tão óbvias para espectadores que esperam por grandes teses que especulem sobre o sentido espiritual, místico ou teológico sobre o sentido da vida ao melhor estilo de filmes com clichês de autoajuda e autoconhecimento. A narrativa desafia o espectador em um verdadeiro jogo mental.

Ceticismo e Ambiguidade

Primeiro: a narrativa cria um ambiente tão cético e ambíguo que parece que jamais saberemos se John está realmente falando a verdade ou se tudo é um jogo mental proposto por ele para atingir o orgulho intelectual de cada especialidade científica ali representada.

Ele parece ter respostas lógicas para tudo, mas o problema é que as maiorias dos fatos históricos ou dados geológicos, geográficos ou antropológicos que John descreve constam nos livros científicos. Portanto, poderia ser tudo uma farsa. Porém, e ele nos dá a primeiro resposta que, de tão lógica, é chocante para nós: embora seja um ser imortal, ele foi prisioneiro de cada época em que viveu: Democracia, Terra redonda, o sistema heliocêntrico etc., tudo ele foi descobrindo inserido em cada época, com uma percepção cognitiva fragmentada, sem conseguir acumular o conhecimento. 

E, o que é mais chocante, todos os conhecimentos e descobertas científicas criaram descontinuidade ao invés de evolução. Ao final de 14 mil anos, John é tão ignorante quanto cada uma das especialidades científicas representadas naquela sala!

John apenas aprendeu uma lição: sobrevivência. Ao longo da História John foi adorado como divindade para depois ser odiado, temido e perseguido como aberração até desenvolver táticas para manter-se anônimo como, por exemplo, tornando-se um nômade.

Pós-Moderno: a crise das Meta-Narrativas

O filme “The Man From Earth” apresenta uma visão simultaneamente pós-moderna e gnóstica da existência humana.

A desconstrução que a narrativa faz do conhecimento científico lembra bem a hipótese pós-moderna dos filósofos franceses Lyotard e Derrida: retomando o pensamento lógico de filósofos como Wittigenstein, vão reduzir o conhecimento e a noção de verdade ao jogo de linguagens, à pragmática da comunicação que firma os vínculos sociais. Para eles, perguntar se um enunciado é falso ou verdadeiro não tem mais sentido para o sujeito pós-moderno. A questão é outra: saber se o enunciado tem legitimidade pela sua operacionalidade dentro de um sistema, pela sua performance. Ou seja, o enunciado “funciona”? Se sim, então ele é “verdadeiro”. O consenso não reside mais na verdade do enunciado (seja ele ético ou moral), mas na aplicação pragmática das idéias, na sua comunicabilidade, ou se quiser, na sua credibilidade. Ou seja, para estes pesquisadores a ciência nada tem a descobrir. Ela apenas cria jogos de linguagem com ideias e conceitos desconectados do mundo empírico (veja LYOTARD, Jean-Françoise. A Condição Pós-Moderna. RJ: José Olympio, 1998 e DERRIDA, Jacques. Margens da Filosofia. Campinas: Papirus, 1991.).

A ambiguidade do argumento central do filme (o ser imortal de 14 mil anos) é criada por esse ceticismo pós-moderno radical: o discurso de John é logicamente coerente, assim como de todos os especialistas presentes na despedida. É impossível ao espectador encontrar a Verdade, mas apenas jogos de linguagem que dependem mais da credibilidade da fonte emissora do que de uma prova empírica.

 

 

Luis Nassif

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