Para que servem as Forças Armadas?, por Luís Nassif

Qual a função das Forças Armadas? Defesa nacional não é. Não há ameaça dos vizinhos, não há protagonismo algum nos embates geopolíticos

José Cruz – Agência Brasil

Uma hora haverá a necessidade de se discutir: qual é, afinal, a função das Forças Armadas? Nos longínquos anos 70, a primeira Página Amarela que consegui emplacar na Veja foi com Fábio Konder Comparato. E ele situava nessa ausência de propósito claro a tendência dos militares de se imiscuírem em todos os poros da vida nacional – e estávamos em plena ditadura.

De lá para cá, nada aconteceu. Qual a função das Forças Armadas na atual quadra da história? Defesa nacional, é que não é. Não há ameaça dos vizinhos, não há protagonismo algum nos grandes embates geopolíticos globais. E se houvesse ameaça, não haveria Forças Armadas preparadas. Não há investimentos em inovação ou tecnologia, capazes de transbordar para o setor civil. E tanques e outros instrumentos de dissuasão são utilizados apenas contra brasileira, como ficou claro na invasão do Morro do Alemão.

O Plano Nacional de Defesa, elaborado na gestão Nelson Jobim, mostrava a necessidade de uma força enxuta, tecnológica e com capacidade de mobilização. Para tal, houve investimentos vultuosos no submarino nuclear e nos caças Gripen. 

Haveria dois objetivos potenciais para serem trabalhados. Um deles, as ameaças à Amazônia, especialmente com a invasão de traficantes. Mas já está comprovado a ineficácia do uso das FFAAs contra o crime organizado.

O segundo, seria a defesa da Amazônia Azul, da costa brasileira, das plataformas da Petrobras e, especialmente, das novas fronteiras de exploração mineral, no Elevado Rio Grande.

Mas a gloriosa Marinha dos Almirantes Álvaro Alberto e Othon Luiz transformou-se em uma força contaminada pela ultradireita mais indisciplinada – bastando conferir o comportamento abusivo do Alto Comando na transição para o governo Lula.

Coube a um Almirante ligado à energia nuclear, Bento Albuquerque, permitir o maior atentado à segurança nacional, o golpe da privatização da Eletrobras. Ao que tudo indica, seu objetivo é ajudar a desenvolver – e a participar – do mercado privado de pequenas centrais.

Mesmo com participação direta nas decisões de poder, os militares permitiram a venda da Embraer à Boeing, sabendo que a empresa era a única maneira do país absorver a tecnologia do Gripen. E tudo isso no governo militar de Jair Bolsonaro. 

Dia desses, uma publicação chinesa taxou as FFAAs brasileiras como as piores do planeta. Foi um exagero retórico, mas que reflete a extraordinária perda de foco do orçamento de defesa, consumido quase que inteiramente com gastos com pessoal. E para quê?

O país tem carência de pessoal na saúde, nos órgãos ambientais, na Previdência Social. O máximo que o governo militar de Bolsonaro ousou foi alocar militares em alguns quadros, mas com superposição de vencimentos.

Nos anos 70, o governo militar de Médici e Geisel tiveram preocupação em criar instituições ligadas ao financiamento da inovação. Nos anos 2020, o governo militar de Bolsonaro permitiu o esvaziamento dos centros de pesquisa E seu único foco foi a criação de empregos para patentes inferiores e negócios para superiores.

Por falta total de objetivos, de projetos ou de conceitos, o que restou às Forças Armadas foi tentar empalmar o poder civil, sem nenhum projeto nacional consistente de desenvolvimento como álibi.

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Luis Nassif

14 Comentários

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  1. Triste. É pavoroso. Mas a sensação que restou dessa aventura dos últimos dez anos foi de que as FFAA voltaram a ser meramente de capitães-do-mato, como nos tempos coloniais. Pra pegar PPPePT. Entre a fase 1 do Golpe – as tais jornadas de junho, em 2013 – e a fase 2 eu fiquei entre a cruz e a espada. Achava que poderia ser uma estratégia inteligente para confundir o adversário, à esquerda, obviamente; mas também a direita radicalizada. De fato ainda me mantive em dúvida até fevereiro de 2020. Porém o não enfrentamento da pandemia e o atabalhoamento de quem é pago para defender o país e seu povo, demonstrou cabalmente que foi o mais infame golpe; ao nível de 1889, sem Deodoro e Floriano; logo, muito pior. Essa história ainda virá à tona, com todas as suas desgraças.

  2. Nassif faz bem em meter o dedo nessa ferida purulenta. As Forças Armadas são geopoliticamente inúteis e custam caro. Em razão da forma como os oficiais são intelectualmente adestrados as Forças Armadas representam um perigo para a democracia. Não só isso. Elas mantém o Brasil aferrado a uma estrutura fundiária e social semi feudal que impede o país de se desenvolver. No episódio da Lava Jato as Forças Armadas se mostraram simpáticas à destruição da economia do país por um bando de procuradores e juízes que se atuaram como agentes dos interesses norte-americanos no Brasil. Sob Bolsonaro elas quase se transformaram na milícia de um capitão bestial e genocida.

  3. Concordo plenamente com este artigo. Ineficiente e incompetente, desnecessária/inútil, não confiável, onerosa, corrupta e golpista. Defendo seu fim imediato com alocação de seus recursos para melhores fins tal como acabar com a saúde privada e constituir um super SUS, de alta qualidade e disponível a todos e paralelamente desenvolvendo o complexo indústrial da saúde. Estou certo que o dinheiro desperdiçados com estes mateiros e golpistas daria perfeitamente para tanto.

  4. “Dia desses, uma publicação chinesa taxou as FFAAs brasileiras como as piores do planeta. Foi um exagero retórico”.
    Não acho que tenha sido exagero. Há vários sites que classificam o poder militar e o Brasil só se dá bem no número de pessoas. O que não é tão relevante atualmente, se falta equipamento. As FFAA brasileiras são mesmo um investimento de baixíssima eficiência.

  5. Atualmente eu acredito que as Forças Armadas só serve para nos envergonhar e para administrar, com muita incompetência, as verbas que hoje, imerecidamente, recebe do governo federal. O desastroso atual comando, se apequena cada mais quando apoia, se alia e defende ex e atuais militares que estão alinhados com traidores da pátria, terroristas, subversivos e golpistas da pior espécie. O repugnante atentado terrorista e golpista de 08 de janeiro expôs todas as fragilidades do alto comando e a imensa traição que fez ao país, a população, a democracia e ao estado de direito,por deixar propositalmente de cumprir o seu impressindivel dever militar e constitucional. Como se fosse pouco, ainda impediu que a polícia fizesse o seu papel em desmobilizar o acampamento e o avanço dos subversivos que tentaram o golpe contra o governo recém empossado de Lula. A mancha que as Forças Armadas deixaram foi tão negra e imperdoável, que já foi rebaixada mundialmente,como a pior que existe no planeta. As investigações continuam e nenhum militar,seja de baixo, médio ou alto escalão deverá ficar impune, muito ao contrário todos devem ser rigidamente punidos, com o maior tempo de condenação que uma traição desse vulto possa permitir. Depois, toda a estrutura na relação presidência, como comandante chefe das forças armadas, e as instituições militares devem ser revistas e colocadas em pratos limpos, ainda que a parte militar já esteja bastante manchada.

  6. Pra que servem as ffaa? Como dizia meu velho avô ‘pra esvaziar o saco’. A sorte é que nem Guiana, nem Suriname pretendem invadir o Brasil, senão já era.

    No mais, o momento é propício para a sociedade pressionar o governo para restringir esse infindo formigame de saúvas.

    Ideal seria acabar, mas vá lá…

  7. Aguardando igual postagem sobre nosso judiciário, a bem da verdade, nossos juízes (que se acham deuses) e desembargadores (que têm certeza). Periodicamente, e não esporadicamente, saem reportagens de como utilizam de artimanhas legais (lógico) para se locupletarem. Se o executivo utilizasse iguais critérios, já estaríamos quebrados há décadas.

  8. Creio que a resposta (ou uma delas) está no livro Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro. Na passagem da monarquia para a república, o papel do exército está descrito de forma clara, da mesma forma que a participação em negociatas. O livro dá a impressão de ter sido escrito para descrever o governo Bolsonaro.

  9. A unica coisa brasileira nas forcas armadas brasileiras e o uniforme.

    Os exercitos coloniais usam o uniforme do colonizador.

    No Brasil os colonizadores nem precisam gastar com uniforme, nem pagar soldos.

    A funcao delas e defender os colonizadores desde sua origem colonial. Sejam eles quais forem, portugueses, holandeses, franceses, espanhois, ingleses ou americanos. Tanto faz.

    Ate hoje nossos comandantes nao entenderam o que foi a campanha da Italia, nem o que foram fazer la, nem quem ou o que combatiam. Eles ja mataram mais brasileiros do que soldados inimigos e nisso sao muito bons. Dai o eterno combate ao inimigo interno, aos comunistas e outros fantasmas que eles espantam para cumprir o dever de proteger os seus senhores de fato. Por isso nao respeitam nenhum presidente eleito, a menos que seja tao subserviente aos interesses estrangeiros quanto eles.

  10. Os militares brasileiros são um anacronismo, um estamento e um Estado paralelo. Seu horizonte não é a defesa da soberania do país, mas a defesa desse Estado paralelo. São um peso morto para o orçamento, sempre apertado pela fé austericida. A população brasileira está envelhecendo, e há uma bomba demográfica em contagem regressiva no país. O minoritário estamento improdutivo pesa sobre a sociedade, com mamatas, privilégios e muito pouco trabalho. Vamos ver até quando a maioria da população que produz, cujo horizonte futuro é de provável escassez (haverá previdência digna quando a maioria estiver em idade de se aposentar?), aguentará sustentar os rentistas das finanças e os improdutivos do Estado paralelo, no caso, magistrados e oficiais militares.

  11. O filho de um (bolsonarista) conhecido meu entrou para o exército, em cidade do interior de São Paulo. Está servindo em um batalhão desde o início do ano. Até agora, segundo ele, TODOS os exercícios, treinamentos, cursos, etc são voltados para “garantia da lei e da ordem”, ou seja, para controle de manifestações. NENHUM exercicio de guerra, batalha, etc.

    Ou seja, todo o treinamento é feito para o controle do “inimigo interno”.

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