A globalização e a divisão das sociedades entre vencedores e perdedores

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Sugerido por Assis Ribeiro

Os mercados e os direitos

Por Luiz Gonzaga Belluzzo, na CartaCapital

Na era da globalização, três tendências centrais e inter-relacionadas sacudiram a convivência dos homens e das mulheres: a mercantilização acelerada de todas as esferas da vida, inclusive daquelas até agora protegidas (amor, lazer, religião); a universalização e a intensificação da concorrência; a enorme concentração do poder econômico e político.

Na posteridade da crise financeira, a lógica maníaca da globalização não arrefeceu: as políticas econômicas dos países centrais empenham-se em solapar o sistema de direitos sociais e econômicos erigido no Pós-Guerra sob a égide do Estado do Bem-Estar.

Na periferia, os Estados Nacionais são reduzidos à impotência, diante dos frêmitos dos mercados financeiros e das proclamações e julgamentos da mídia de massas. A soberania popular verga sob a pressão dos “mercados” que falseiam a liberdade do indivíduo-cidadão para transformá-lo em um parafuso falante da infernal engrenagem econômica.

Apresentada como condição para combinar igualdade e eficiência, a competição desenfreada vem impondo aos mais fracos – Estados Nacionais e indivíduos – a concentração da renda e da riqueza. Reverte-se, assim, a inclinação a uma maior igualdade – tanto no interior das classes sociais quanto entre os países – observada no período que vai do fim da Segunda Guerra até meados dos anos 1970.

Na era do capitalismo “turbinado”, os bem-sucedidos acumulam “tempo livre” sob a forma de capital fictício – direitos sobre a riqueza e a renda –, enquanto os mais fracos são “liberados” do trabalho, sob a ameaça permanente do desemprego ou da precariedade das novas ocupações, da queda dos salários reais e da exclusão social. Em seu rastro de vitórias, a globalização vem dividindo as sociedades entre um séquito de vencedores e uma multidão de perdedores. É fácil entender quem está injetando combustível na deslegitimação da democracia e das instituições republicanas.

O conto de fadas da globalização acenava com o fim da História: as questões essenciais relativas às formas de convivência e ao regime de produção à escala mundial estariam resolvidas com a generalização da democracia liberal e da economia de mercado. Não haveria mais sentido na discussão de questões anacrônicas, como as da pertinência cívica, laica e republicana, sentimento desenvolvido a partir do nascimento do Estado-Nação e consolidado com o Estado Social.

Os arautos do livre-mercado asseguravam que a liberdade humana decorre do impulso natural do homem à troca, ao intercâmbio, à aproximação por meio do comércio etc. É de lei reconhecer que Adam Smith corretamente chamou atenção para o caráter libertador da economia mercantil capitalista e para as suas potencialidades. Marx, herdeiro e defensor das postulações do Iluminismo, da Revolução Francesa e admirador do caráter transformador do capitalismo, indagou se as relações de produção e as forças produtivas do novo modo de produção permitiriam, de fato, a realização da Liberdade e da Igualdade.

Entre tantas definições, o capitalismo pode também ser entendido como a coexistência de “duas naturezas”: 1. A enorme capacidade de criar, transformar, dominar a natureza, suscitando desejos, ambições e esperanças. 2. As limitações à sua capacidade de distribuir a renda e a riqueza, de entregar o bem-estar e a autonomia individual a todos os encantados com as suas promessas. Não se trata de perversidade, mas do seu modo de funcionamento.

O pesadelo em que se transformou o sonho do fim da História e da cidadania sem fronteiras nos coloca como vítimas prováveis do embate entre o desespero e a desesperança. A cidadania se amofina diante dos esgares dos fundamentalismos, os laicos e os religiosos, o que significa retroceder para a situação hobbesiana do bellum omnium contra omnes.

Diante da tragédia, o mais difícil é escapar do maniqueísmo. Até porque as partes envolvidas no conflito pretendem se apresentar como encarnação do bem diante das forças do mal. Por isso, a situação está mais para Hobbes do que para Clausewitz. Digo Hobbes porque ele compreendeu a capacidade destrutiva do conflito fundado sobre a exacerbação das certezas que infestam a consciência religiosa em combinação com o credo individualista. Quem invoca a consciência, afirma Hobbes, pretende a exclusividade e a guerra civil nasce desta atitude. Uma das partes afirma que é o juiz das ações boas e más, a outra que é pecado o que se faz contra a própria consciência.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

4 Comentários

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  1. Entre tantas definições, o

    Entre tantas definições, o capitalismo pode também ser entendido como a coexistência de “duas naturezas”: 1. A enorme capacidade de criar, transformar, dominar a natureza, suscitando desejos, ambições e esperanças. Até a página 2, porque daí pra frente o capitalismo apenas suscita desejos de consumo viciado e desenfreado, onde o ter é mais importante do que ser, que dissemina a lógica de quanto mais se tem mais se é, ambições desenfreadas sem nenhum pudor por impor ao outro sofrimento e dor, e a esperança que indica é a desesperança de que todos podemos chegar lá que é uma das maiores enganações já disseminadas.  2. As limitações à sua capacidade de distribuir a renda e a riqueza, de entregar o bem-estar e a autonomia individual a todos os encantados com as suas promessas. Nunca e não faz parte do projeto capitalista distribuição de renda e riqueza, seu mote é a acumulação, quanto mais melhor. Perde-se a individualidade, somos escravos do consumir, do eu,  matou a solidariedade, nós nunca só o eu, somos consumidores de mercadoria e só por isso temos um poquinho de respeito, na medida em que deixarmos de consumir seremos carta fora do baralhos, descartáveis, lixo. É a besta fera solta e destruindo a vida humana.

    1. “…não faz parte do projeto

      “…não faz parte do projeto capitalista distribuição de renda e riqueza, seu mote é a acumulação, quanto mais melhor.”

      Por outro lado faz parte da ideologia capitalista a crença de que ele é um sistema que premia a competencia, a inovação, os mais aptos a contribuirem para o progresso da humanidade enfim, graças ao mecanismo da concorrencia inter-capitalista. Os que sobrevivem a essa concorrencia teriam sido selecionados devido justamente à sua maior eficiência.

      Mas para esse mecanismo realmente funcionar, ele dependeria de outros fatores, como igualdade de oportunidades no interior do sistema, para que a concorrencia se estabelecesse entre agentes cada vez mais capacitados e eficientes, e uma distribuição de informação e conhecimento a mais homogênea possível, para que os mercados não se concentrassem em poucas mãos, matando assim o mecanismo concorrencial pela formação de monopólios, oligopólios e cartéis.

      O que aconteceu foi justamente o contrario. Ao invés de trabalhar para promover essa maior  igualdade de oportunidades entre os agentes para otimizar o mecanismo concorrencial, o capitalismo foi se alimentando das desigualdades, transformado-as em oportunidades adicionais de domínio sobre os mercados. Manter o consumidor mal informado, o concorrente enfraquecido, as tecnologias protegidas, essas as estratégias de crescimento e controle sobre os mercados adotadas pelas empresas líderes do capitalismo.

      Em seguida promoveu-se o desmonte das politicas publicas de promoção das igualdades de oportunidade, principalmente a educação pública de qualidade e o estado de bem-estar social. E o que ainda resta dessa estrutura está em processo de extinção acelerada.

      Agora nem a defesa ideológica resta, e até os defensores do capitalismo por esses motivos ideológicos perderam seus argumentos. No mínimo o capitalismo está precisando ser salvo dos próprios capitalistas, como o próprio Adam Smith advertiu que precisariamos fazer. Nos tempos de Smith talvez isso fossepossível, hoje essa tarefa parece cada vez mais duvidosa e os capitalistas estão cuidando de substituir o capitalismo por um pós-capitalismo que apenas está começando a mostrar sua face.

  2. o leviatã hobbesiano

    o leviatã hobbesiano atualmente é o mecado,

    não o estado.

    o homem é  o lobo do homem. 

    é uma guerra insana de todos contra todos.

    virem-se. é o capitalismo.

    é o que querem os neonliberais da globalização na europa, principalmente.

    e o que queriam os tucanos aqui.

    submetam-se, entreguem-se à exploração.

    é a sanha irredutível da mais-valia que enriquece

    cada vez mais os exploradores e empobrece os

    oprimidos por um sistema que lá pelo jeito quer voltar à

    barbárie com que iniciou e “legitimou-se” na inglaterra no século dezenove. 

    quem tem dinheiro curte tempo livre para buscar a felicidade..

    quem não tem dá o tempo que tem para

    que aquele consiga resultados economicos

    que atribui à meritocracia.

    é o mérito da expropriação.

    não há mais sujeitos, há coisas, objetos.

    mercadorias fetichizadas.

    tudo é fetiche.

    no enfeitiçado, não pulsa mais o coração, pulsam desejos

    do ter, nunca do ser.

    buscam a falácia do bezerro de ouro.

    maniqueísmos, fundamnetalismos.

    o ópio do povo é o dinheiro? evolução?

    o que os olhos extasiados veem nas prateleiras

    dos shoppings centers globalizados a razão não explica.

    a adoração é fundamentalista.

    o seu reverso, o ódio.

    puro maniqueísmo.

    é quase um milagre um governo progressista durante

    estes últimos doze anos  manter aqui o pleno emprego,

    ao contrário da maioria dos países europeus e inclusive dos estados unidos.

    .

    algum dia a história revelará o verdadeiro sentido desses paradoxos.

    talvez o historiadores concluam que da  trágica

    aprendizagem das ruínas tucanas emergiu um pocesso

    político transformador que mudou e mudará ainda mais a cara do brasil.

    saravá!!!

  3. Filosoficamente falando ……………..

    Interessane o artigo e também os comentários. Contudo, tantas afirmações, constatações, conceitos e discussões apenas confirma o que já se sabe, mas ninguém tem o cacife de mudar nada !!!!

    Eles, os que se locupletam do sistema, jamais o mudarão, e os que um dia pensam em se locupletarem, os ajudam em seus intentos.

    Sobre ser o capitalismo a utopia da igualdade, ele é apenas o tratamento dos iguais segundo suas desigualdades, nada mais !

    Filosoficamente falando, o sistema quando vê que seus métodos estão se esgotando, fazem apenas uma mudança de rumo, e isto chama-se o pós-capitalismo como aqui citado, ou então, a Democracia  Corporativista, que já vigora em vários paises, e será a meu ver no futuro, o sistema vigente, gostemos ou não !!!!

    Sempre haverá vencidos e vencedores, ganhadores e perdedores, e os analistas que irão escrever e filosofar sobre estes quesitos. 

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