A inovação e o futuro da indústria do etanol no Brasil

Do Blog Infopetro

O futuro dos biocombustíveis XVII: Competências para inovar e o futuro da indústria do etanol no Brasil

Por José Vitor Bomtempo e Flávia Chaves Alves 

O etanol tem estado em evidência nos últimos meses.  Não tanto pela presença abundante e barata nas bombas como acontecia até 2008/2009. Mas pela discussão das dificuldades recentes do setor e das medidas governamentais para recuperar, ou não, a eficiência e a produtividade aparentemente perdidas. Numa postagem recente, aqui no Blog  InfopetroThales Viegas discutiu em detalhe algumas dessas medidas.

Acompanhando os boletins do site novaCana.com pode se ter uma boa perspectiva dos debates em curso: as reivindicações da indústria, as iniciativas do governo e as opiniões de analistas. Muitas questões têm sido colocadas: qual a natureza verdadeira da crise atual do setor?Preços da gasolina? Crise de investimento em decorrência da crise financeira de 2008? Por que a queda de produtividade? Efeito da mecanização? Do regime de chuvas? São suficientes as medidas do governo? O setor perdeu a sua competitividade tão alardeada antes da crise dos últimos 3 anos? Lembre-se que estudos estimavam à época que essa competitividade situava-se em torno de um preço de petróleo a 40 dólares o barril! Para uma discussão do custo de produção e da competitividade do etanol em relação ao preço do petróleo, na perspectiva de 2007, pode-se ver o estudo de Almeida, Bomtempo e Silva, publicado pela OCDE.

A quantidade e a variedade das questões alertam para o fato de que a indústria não enfrenta desafios apenas conjunturais, mas também, e talvez principalmente, estruturais. Assim, seguindo a linha de raciocínio desta série de artigos, o foco deve estar na indústria do futuro que traz grandes oportunidades para a exploração da cana de açúcar brasileira mas, ao mesmo tempo, grandes desafios.  Nossa tese de base tem sido que a indústria do futuro será  essencialmente diferente da que hoje conhecemos como  indústria sucroalcooleira. Essa transformação já se encontra em curso e movimenta um fluxo de inovações que faz parte da construção da chamada bioeconomia.

Logo, na perspectiva do futuro dos biocombustíveis e da indústria baseada em biomassa, a pergunta pode ser bem outra: qual a capacidade de inovação da indústria no Brasil? Esta postagem procura lançar esta discussão e abrir eventualmente uma linha de pesquisa estruturada em torno do futuro da indústria e de capacidade de inovação.

Para examinar a capacidade de inovação da indústria sucroalcooleira, podemos distinguir, como é habitual nos estudos que apresentam a evolução de produtividade da indústria, a etapa agrícola e a etapa industrial propriamente dita. A primeira etapa trata da produção e colheita da cana de açúcar e a segunda da conversão da cana de açúcar em etanol, açúcar e outros produtos químicos e energéticos.

A inovação na etapa agrícola

Um trabalho recente publicado no BNDES Setorial 37 – A evolução das tecnologias agrícolas do setor sucroenergético: estagnação passageira ou crise estrutural? – dedicou-se a analisar a capacidade de inovação na etapa agrícola e trouxe conclusões muito interessantes para a perspectiva de longo prazo da indústria.

Observa-se um papel fundamental da inovação agrícola nos ganhos de produtividade ao longo da história, mas com recente estagnação tecnológica, devido a dificuldades para manter o ritmo dos resultados alcançados no passado. Em relação ao melhoramento genético da cana, técnicas modernas como a biologia sintética são necessárias, exigindo altos investimentos em P&D. Na sua conclusão o artigo aponta que :

“…o atual SPIS (Sistema de Produção e Inovação Sucroalcooleiro) conquistou consistentes ganhos de produtividade na cultura da cana, mas vem enfrentando problemas para manter o ritmo dos resultados alcançados no passado. De fato, o período mais recente pode ser considerado frustrante e, se extrapolado para o futuro, aponta para ganhos de rendimento agrícola cada vez mais reduzidos”.

Examinando desde a evolução da genética da cana até a questão da irrigação e da mecanização do cultivo e da colheita, o artigo observa o atraso atual da cana de açúcar em relação a outras culturas mais difundidas no mundo, como o milho, trigo, soja, colza e outras. Essa posição de atraso é reforçada por uma importância relativamente pequena da cana de açúcar, em termos de volume de produção, em relação a essas culturas mais difundidas no mundo. Isso cria uma situação de desvantagem para os investimentos em melhoria de produtividade da cana que acaba tendo, como aponta o artigo, uma limitação na apropriação pelos agentes privados dos ganhos dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Por isso, o esforço de produtividade na etapa agrícola da cana de açúcar tem pouca chance de ser realizado com a intensidade necessária sem uma participação consistente dos recursos públicos. E essa participação, apontam os autores, tem sido largamente insuficiente para a dimensão dos desafios de aumento de produtividade que um futuro competitivo da indústria exige.

Na etapa agrícola portanto a indústria tem enormes desafios para retomar um ciclo virtuoso de crescimento da produtividade. E essa retomada tem poucas chances de vir apenas das iniciativas do mercado, exigindo o aporte de recursos públicos e a construção de programas criativos de incentivo à pesquisa, desenvolvimento e inovação.

A etapa industrial

A natureza dos desafios na etapa industrial se apoia na base histórica do sistema de produção de etanol mas entra em competição com uma dinâmica tecnológica e de inovação envolvendo todos os agentes –startups de base tecnológica, empresas estabelecidas de diversos setores, investidores de risco, organismos de governo – que participam do processo de criação da bioindústria do futuro. Nessa situação a pergunta que pode ser dirigida aos produtores de etanol, no Brasil, é se suas competências estão desenvolvidas no patamar exigido pela dinâmica tecnológica da indústria. Uma diferença fundamental em relação à etapa agrícola é a posição dominante das empresas como locusdas inovações. As políticas e programas de apoio governamentais serão importantes, mas somente serão decisivos se forem construídas empresas inovadoras.

Mudanças importantes têm ocorrido no setor: fechamento de usinas pequenas, presença de novos produtores de perfis muito diferentes do tradicional, tais como Shell (Raizen), BP, Bunge, Dreyfuss, Petrobras, Odebrecht, Dow, GranBio  e ainda a presença de empresas de base tecnológica  interessadas na cana de açúcar para outros produtos (Solazyme e Amyryis, por exemplo). Existe portanto em formação uma nova estrutura industrial que, mais do que pela maior concentração dos produtores, se caracteriza por um novo perfil empresarial que deverá ter peso importante no desempenho da indústria nas próximas décadas. Ao lado dessas empresas de grande porte, cujos negócios principais muitas vezes não são o etanol, um bom número de empresas brasileiras de menor porte tenta se posicionar de forma competitiva na indústria do futuro.

Como examinar as competências para inovar dos produtores de etanol? Por certo, a resposta a esta pergunta exigiria uma pesquisa aprofundada junto às empresas. Mas numa primeira abordagem podemos propor que sejam vistas a partir de um quadro analítico já aplicado a outras indústrias e que poderia ser adaptado ao caso da indústria de biocombustíveis e bioprodutos. Esse quadro analítico baseia-se na identificação do grau de desenvolvimento em cada empresa de um conjunto de competências previamente listadas como componentes elementares da capacidade de inovação. Uma descrição da metodologia e sua aplicação à petroquímica brasileira pode ser vista em Competências para inovar na petroquímica brasileira, Alves, Bomtempo e Coutinho, Revista Brasileira de Inovação, 2005.

A abordagem das competências para inovar distingue em geral três grupos de competências: tecnológicas, organizacionais e relacionais. As competências tecnológicas são relacionadas à gestão da produção e das tecnologias bem como seu desenvolvimento. As competências organizacionais são as que favorecem a criação de novos conhecimentos, incluindo aquelas que dizem respeito à gestão dos recursos humanos e as relacionadas à inovação em uma dimensão transversal no interior da firma. As competências relacionais são as competências que atuam sobre os mercados (relações com o ambiente concorrencial e com a demanda) e aquelas relacionadas à capacidade da empresa de cooperar, formar alianças e se apropriar de tecnologias externas.

O ponto crítico das competências tecnológicas na indústria do etanol situa-se numa mudança crucial da natureza da trajetória tecnológica. Na indústria tradicional, que podemos assimilar à indústria do etanol de primeira geração, as tecnologias, principalmente as industriais, são provenientes dos fornecedores de equipamentos e projetos. É a típica trajetória “dominada pelos fornecedores” na qual cabe ao produtor adquirir a tecnologia adequada e explorá-la para reforçar a sua vantagem competitiva. Na indústria do futuro, as tecnologias tendem a deixar de ser provenientes dos fornecedores. São cada vez mais tecnologias proprietárias e muitas vezes com base em conhecimentos tecnológicos novos como a biologia sintética, por exemplo. A indústria passa para uma trajetória tecnológica que denominamos, em economia da inovação, “baseada em ciência”. Essa passagem representa um desafio de peso para os produtores de etanol na construção de competências tecnológicas para inovar.

Mas a capacidade de inovação das empresas não é o resultado apenas de suas competências tecnológicas. Na abordagem das competências para inovar, avaliam-se também as competências organizacionais e relacionais.

As competências organizacionais são essencialmente competências de gestão. Se a modernização das técnicas de gestão pode já estar difundida em boa parte da indústria, pode-se perguntar se os processos ligados à criação de conhecimento individual e coletivo estão devidamente presentes e desenvolvidos. Nas pesquisas já realizadas no Brasil com a abordagem das competências para inovar, tem sido observado com frequência, como no caso da indústria petroquímica, que a indústria tem muito mais dificuldade no desenvolvimento das competências organizacionais do que no das competências tecnológicas. (…) O texto continua no Blog Infopetro

Luis Nassif

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