A política industrial e o ideal do Estado Liberal, por Hélio da Silveira

Do Blog dos Desenvolvimentistas

Sim, prezado Castelar!

Por Hélio da Silveira

Castelar, reclamas das 6 políticas industriais do governo, autoritárias em seu entendimento, no último decênio:

  1. Os subsídios concedidos pelos bancos públicos;

  2. Desoneração da folha salarial e tarifa reduzida de energia elétrica;

  3. Preferência pelo produto nacional em compras governamentais;

  4. Conteúdo nacional no setor de óleo e gás;

  5. A política dos campeões nacionais;

  6. As barreiras à importação.

Segundo você, nunca se avaliou os custos que, conforme dizes, foram centenas de bilhões de reais para o contribuinte. Continuando, afirmas que no decênio a produção da indústria brasileira cresceu apenas 0,15% a.a..

Para você, a indústria reclama da carga tributária, infraestrutura ruim, regulação complexa, e então este seria o lado ruim da intervenção do Estado, que gasta mal, muito e de forma autoritária.

Você também coloca que essas seis políticas industriais justificam os números ruins da Economia, esquecendo de justificar que elas foram em parte benéficas e compensatórias.

Resumindo, dizes que a indústria de transformação caiu de 17% do PIB em 2005 para possíveis 12% em 2016, conforme projeções do IBRE-FGV.  E conclui que é importante que a indústria se modernize e sugere que para isso seria necessário um Estado mais leve, ou seja, o ideal do Estado Liberal, que se preocupe apenas em prover infraestrutura e focar nas melhorias dos indicadores sociais.

Sim, prezado Castelar, o peso do Governo é alto em relação ao PIB, por conta dos juros, e o Estado é insuficiente em relação aos serviços sociais!

Entretanto, Castelar, no período que escolhestes para sua crítica: 2005/2015, não reconheces, em nenhum momento, o conjunto das políticas liberais praticadas: de juros elevados, da liberdade na entrada de capitais de curto prazo sem controle e da consequente apreciação do câmbio livre, só corrigida em 2015, e também de todos os superávits primários excetuado o de 2014 (o pequeno déficit de 0,6%).

O conjunto dessas 3 políticas liberais, conhecidas como o Tripé, garantiram, em 2008, o tão desejado grau de investimento concedido pelas agências de rating no contexto do consenso liberal que tanto aprecias. Era, então, o nosso Estado Liberal chancelado pelas agências de rating. Ironia é que as agências de rating deram o grau exatamente no ano da grande crise mundial, mostrando nenhum senso de previsão, num contexto que já se achava conturbado com a crise dos fundos de investimento do Paribas, na França, no apoio financeiro às inadimplentes Fannie Mae&Freddie Mac nos EUA. Novamente, elas rebaixaram a nota do Brasil, exatamente no âmbito das políticas recessionistas do ministro liberal da Fazenda em 2015, tidas a princípio como saneadoras no contexto liberal e que jogaram o país na pior recessão brasileira de todos os tempos!

Castelar, advogas Estado Liberal Mínimo exatamente quando iremos para o oitavo ano de políticas intervencionistas heterodoxas de Estado Forte e BC’s por todo o mundo inundando as economias com seus afrouxamentos de liquidez.

O Fed só ousou aumentar timidamente os juros, recentemente em dezembro de 2015, depois de 10 anos de congelamento, e com a conjuntura extremamente nervosa desse início de 2016 já adia a continuidade desta política para além de abril de 2016 e, mesmo assim, se houver alguma melhora na conjuntura.

Dessa forma falar em “Estado Liberal Mínimo” na atual quadratura mundial é alguma coisa que soa como “fora da curva”, meio “non sense” tal qual as notas das agências de ratings.

Sim, prezado Castelar, a exemplo do que acontece no mundo, temos que recorrer ao Estado Forte, auxiliado por seus bancos oficiais, para intervir e retirar nossa economia da recessão. Temos que reduzir os juros (para reduzir o peso do Estado no PIB), fazer políticas de controle cambial (aceitas, hoje, até pelo FMI) e (ter) um Plano Estratégico de Recuperação Social e Industrial. Bons exemplos devem ser seguidos (e) é o que fazem, hoje (e sempre fizeram), o Japão, a Coréia do Sul, a China!

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Hélio da Silveira é colaborador do Blog Desenvolvimentistas e economista aposentado do BNDES

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Em defesa da indústria

Por Armando Castelar Pinheiro | VALOR, 08/01/2016

Por que o autoritarismo econômico, à direita e à esquerda, é tão popular entre nós, enquanto o liberalismo é tratado quase como um Judas em sábado de Aleluia? Uma das razões, me parece, é a maior capacidade dos economistas autoritários tecerem narrativas atraentes, quando comparados aos liberais. E a narrativa, estou convencido, é um elemento central para construir apoio social a qualquer política. Muitas vezes, mais importante que os próprios fatos, aos quais os liberais tendem a se prender.

A política industrial, o conjunto de políticas públicas orientadas para desenvolver a indústria de transformação, é uma das áreas em que isso é mais evidente. Na narrativa autoritária, essa política visa dar ao Estado (o mocinho) meios para resgatar a indústria nacional (a mocinha indefesa) dos empresários e estrangeiros (os bandidos), que apenas visam o lucro e se lixam para a expansão da indústria nacional.

É uma história do bem contra o mal. O Estado é “100% anjo” e onisciente, enquanto o mercado faz o mal, pois não sabe o que faz, tem más intenções ou não se preocupa com o povo. Numa situação dessas, os fins justificam os meios: não é preciso ter metas, prazos, olhar custos ou considerar alternativas. É uma narrativa errada, mas clara e empolgante.

Impostos, instabilidade e a intervenção estatal são reflexos do Estado que gasta como se não houvesse amanhã

Os liberais não têm uma narrativa atraente. Eles observam que a existência de falhas de mercado implica que, em tese, a atuação do Estado pode gerar um benefício líquido para a sociedade. Mas isso teria de ser avaliado caso a caso. E não basta considerar os benefícios: há também que avaliar os custos, se não há caminhos melhores para atingir o objetivo pretendido, e considerar as limitações práticas do próprio Estado. Muito técnico, não?

No último decênio o governo brasileiro embarcou em diversas formas de política industrial autoritária. Seis delas se destacam. Primeiro, a grande alta dos subsídios concedidos pelos bancos públicos. Segundo, as políticas de redução de custos industriais, destacando-se a desoneração da folha de pagamentos e a redução do preço da energia elétrica. Terceiro, a preferência local nas compras governamentais, que obriga o governo a pagar mais por certos produtos fabricados no país do que por outros trazidos de fora. Quarto, a política de conteúdo nacional no setor de óleo e gás. Quinto, a política de campeões nacionais, que além de dar subsídios eleva o poder de mercado dos produtores locais. Sexto, o aumento das barreiras à importação.

A narrativa foi sempre a mesma: eram políticas para expandir a indústria nacional. Nunca se mencionou, porém, os custos. De um lado, para o contribuinte: foram centenas de bilhões de reais de dinheiro público gastos com subsídios creditícios e à energia elétrica, isenções tributárias e custos mais altos nas licitações públicas. De outro, para as empresas: a política de conteúdo nacional, junto com a corrupção, a incompetência e o controle de preços da gasolina, arruinou as finanças da Petrobras e gerou as crises que vivem os setores naval e de óleo e gás. E, de outro ainda, para os consumidores, obrigados a pagar mais por produtos de menor qualidade.

Você pagou e ainda vai pagar muito por essas iniciativas. Alguém lhe alertou para isso?

Mas, e o bem, foi feito? Nem isso: a mocinha, de fato, vai de mal a pior. No último decênio, a produção da indústria de transformação brasileira aumentou apenas 0,15% ao ano: ou seja, não foi a lugar nenhum. O desempenho do PIB manufatureiro foi semelhante. Também não se geraram os prometidos empregos: o número de trabalhadores caiu 8%, enquanto o de horas pagas ficou 10% menor. E, confirmadas as projeções do IBRE, a participação da indústria de transformação no PIB cairá de 17% em 2005 para 12% em 2016. Ou seja, se andou para trás.

E não se deixe iludir por quem diz que teria sido pior sem essas políticas, sem apresentar qualquer evidência (combinando benesses e custos, claro): os números são ruins demais para que isso pudesse ser verdade.

O industrial reclama, com toda razão, das péssimas condições competitivas do Brasil: carga tributária elevada, infraestrutura ruim, regulação pública complexa e instável, mão de obra pouco qualificada, etc. Mas parece não se dar conta de que isso é o outro lado da moeda de políticas públicas construídas com base na narrativa autoritária. Os impostos, a instabilidade macroeconômica, a caótica intervenção estatal são reflexos do Estado que gasta como se não houvesse amanhã e acha que sabe tudo.

Ter uma indústria moderna e competitiva é obviamente importante: por isso, é preciso estancar o processo de desindustrialização em que meteram o Brasil. Insistir no autoritarismo econômico é o caminho errado para isso. Depois do retumbante fracasso das políticas autoritárias, não seria hora de refletir se não é melhor para a indústria trabalhar com um Estado mais leve, mais impessoal, mais eficiente, e que se preocupe mais com prover uma boa infraestrutura e focar na melhoria dos indicadores sociais?

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Armando Castelar Pinheiro é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV), professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro do Conselho Superior de Economia da Fiesp. Castelar é PhD em economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley.

Redação

6 Comentários

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  1. programa industrial brasileiro

    Permitir que apareça novos industriais. Nas universidades existem muitas possibilidades.

    Mas os industriais doam altos volumes de dinheiro para os políticos!!!!

    Como resolver esta charada?

  2. queria entender pq o articulista não discutiu um argumento

    contra a política de conteúdo nacional que seria o desestímulo dos empresários nacionais de investirem, já que sabem que terão preferência produzindo menos e com menos qualidade que o estrangeiro…

     

     

    PS: será que meu comentário só será publicado 2 dias depois quando o assunto já está esquecido como tem sido de praxe deste blog??

  3. O discurso liberal perde

    O discurso liberal perde substância até mesmo quando embute um crítica adequada porque contaminado:

    a) Pelo solipsismo econômico: só é possível, só é certo, só é moralmente aceitável uma realidade regida pela leis e pela sapiência do “deus” mercado. Tudo o mais é anátema.

    b) Pela desonestidade intelectual: só vê, só pondera, só mede o que lhe interessa. Com efeito: por que só cita(a posteriori não esqueçamos) os custos e os eventuais equívocos dessas políticas “autoritárias”. Esquecem, convenientemente que toda moeda tem duas faces. Máxime a “econômica”. No caso específico do decrescimento da indústria, o que chamam pomposamente de “desindustrialização”, é um processo que deita raízes num histórico de políticas cambiais, e sim, nesse ponto estão certos, no excesso de regulamentações e outros fatores de somenos importância. Mas a fundamental foi a apreciação do câmbio que há décadas(desde o Plano Real) é usado para controlar a inflação e os preços de ativos.

     

     

  4. Impostos, instabilidade e a

    “Impostos, instabilidade e a intervenção estatal são reflexos do Estado que gasta como se não houvesse amanhã.”

    O autor, Castelar, cita a frase acima como um meio de justificar que o liberalismo é o melhor caminho, porque pensa um Estado planejado, só que não.

    O Keynesianismo pensa que o Estado deve ser o indutor, organizar o caminho para que o mercado possa seguir adiante, ele, o Estado, sabe que há algumas coisas que são para amanhã, investimentos de médio e longo prazos, mas tem também consciência de que há alguns investimentos inadiáveis, que são para hoje, que não se pode esperar gerações e gerações até que o bolo cresça para dividir.

    Já o liberalismo imagina que tudo pode ser transferido para amanhã, o bolo tem de crescer primeiro para ser dividido, e quem fará essa divisão será a mão invisível do deus mercado. O mercado tem suas prioridades, e na maioria das vezes elas não estão em harmonia com as necessidades da sociedade.
    O grande problema dessa visão do liberalismo é que esse amanhã nunca chega.

     

  5. Estado fraco, estado forte

    Vamos considerar o estado um ente que tenha por objetivo representar a sociedade como um todo. O estado se manifesta onde os assuntos de carater publico podem e DEVEM ser discutidos.

    Pois bem, a iniciativa privada que tanto endeusa o Sr. Mercado, diz que o estado deve ser minimo, não deve intrometer-se nos assuntos corporativos privados. Outros que ele nem deveria existir! Bonitinho na teoria, ineficaz na pratica. Sendo o estado um representante da sociedade, a proposta é que ele medie os diferentes interesses dos segmentos da sociedade. Afinal alguns querem aviões para trabalhar, outros desejam ir de bicicleta, ex. apenas para simplificar. O estado é o mediador destes interesses. De fato ele não deveria fazer estaradas, aeroportos, etc. A iniciativa privada sabe fazer melhor, não? Sim, sabe, mas quer fazer???

    Em uma estrada que materializa o direito de ir e vir temos uma série de interesses envolvidos. Que o diga a estrada que leva ao aeroporto de Claudio. Ela vai ser usada por bicicletas? Caminhões de 50 T? Quem vai fazer? Usuarios que a querem apenas para trabalhar? Usuarios corporativos? Ambientalistas??? Ok, nesta polemica toda, em algum momento os empresarios que se propõem construi-la terão que reunir-se para discutir o assunto (liberalismo prevalecendo). Eles organizarão um forum. Discutirão a res publica e como ela será executada pelo poder privado. Ops, descobrimos a America: para resolver o imbroglio precisamos de uma superestrutura que negocie os interesses das partes:  inventamos o estado. Oras, mas o estado já não esta ai? Está, mas ele é ultrapassado, diria o liberal. Pois para isso temos eleições, para renova-lo de tempos em tempos, representando a maioria, a democracia. Amigos, no fundo o liberalismo quer um estado onde somente os proprietarios do capital possam interferir, como se o direirto de ir e vir, educação, saúde (res publica) fossem assuntos para uma minoria esclarecida. Os pobres? Eles são um mero detalhe.

    Outra maneira de enxergar o estado: depois de discutido o assunto -estrada-  alguem terá que construi-la. QUEM entre os agentes??? Não, eu primeiro, grita um. não eu primeiro, grita outro. Depois de muita gritaria chega-se a conclusão que faremos uma coopertaiva onde todos irão doar um pouco em termos de recursos financeiros e humanos de tal maneira a que os risocs e interesses sejam diluidos por todos agentes. Bem, acabamos de criar os impostos, no fundo uma vaquinha onde todos contribuem com um pouco para a res publica ser materializada. Ah, o estado esta favorecendo um segmento. Ótimo, temos as próximas eleições e a maioria contra aquele segmento irá eleger representantes que os melhor representem . Ou seja, recicla-se o estado atraves das eleições. Amigos, estado e eleição dos representantes é um fato histórico onde a história da humanidade passou por muitas guerras e sofrimentos. Falar sobre estado mínimo, estado maximo e colocar o deus mercado (mais fictício que o verdadeiro Deus) no lugar do estado é romper com toda a história da humanidade em termos de convivencia e progresso social.

    Conclusão, amigos leitores. Devemos aprender a VOTAR, votar naqueles que realmente nos representem. Se escolho alguem que me favorecerá individualmente ás expensas dos outros, este não me representa, ele apenas representa o interesse de um grupo que quer corromper o estado pertencente á maioria, á res pública. Qualquer coisa fora deste processo é golpismo, um minoria que não deseja submeter-se á vontade do voto.

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