Aviação: a diferença entre a assistência ao passageiro aqui e nos EUA

Sugerido por evandro condé de lima

Da Folha

A diferença entre a assistência ao passageiro no Brasil e nos EUA
 
POR RICARDO GALLO
 
Na semana passada, escrevi para o caderno Mundo, da Folha, um artigo sobre a diferença de regras de assistência a passageiros nos EUA e aqui no Brasil.
 
Essa diferença afeta diretamente quem estiver em território americano, mesmo brasileiros, em situações como a de nevascas que fecham aeroportos.
 
O principal é que, nos EUA, as empresas aéreas só são obrigadas a prestar assistência quando causam o problema; no Brasil, não.
 
Veja:
 
***
 
Os passageiros brasileiros que estão presos em aeroportos dos Estados Unidos em razão da forte nevasca pouco têm a fazer além de esperar o (mau) tempo passar.
 
Isso porque as regras de assistência ao passageiro lá são bem diferentes das daqui.

 
Se um voo é cancelado por razões climáticas, as empresas aéreas que atuam em solo americano são obrigadas a remarcar o voo sem custos.
 
E só.
 
Daí aquela imagem bem frequente de passageiros deitados no chão em aeroportos dos EUA em épocas assim.
 
Normalmente, as companhias informam os passageiros com antecedência sobre o mau tempo, de modo que evitem ir ao aeroporto.
 
Mas, para quem já está no terminal, resta pouco a fazer.
 
A premissa por lá é que, se o problema acontece por razões que excedam a abrangência das companhias aéreas, como a nevasca ou o mau tempo, não lhes cabe arcar com assistência.
 
Aqui, não é assim.
 
Num exercício de imaginação, se houvesse uma nevasca em território brasileiro, as companhias aéreas locais ou internacionais seriam obrigadas a pagar alimentação e transporte aos passageiros e, a depender do tempo de espera, hospedagem.
 
Vale para qualquer interrupção em um voo, seja um atraso por culpa da empresa ou se o aeroporto parar porque um sujeito decide subir em uma torre –o que, a propósito, aconteceu em Congonhas em agosto de 2012.
 
A norma brasileira, de 2010, pressupõe que complicações na prestação do serviço, de qualquer ordem, fazem parte do “risco do negócio”.
 
É um entendimento incorporado do Código de Defesa do Consumidor –e que tem prevalecido em sentenças da Justiça em ações de passageiros contra as empresas.
 
As companhias aéreas sustentam ao Judiciário que não têm poder sobre o mau tempo –em geral, perdem.
 
Não é difícil supor brasileiros nos balcões de check-in das companhias nos EUA clamando por direitos iguais aos que teriam aqui.
 
Certo ou não, o esforço será em vão.
Redação

19 Comentários

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  1. É um dos motivos

    para as passagens aqui serem mais caras, por conta de uma legislação que cria direitos (sic) com o chapéu alheio.

    Enquanto isso, os direitos básicos da população são negligenciados.

    País esquizofrênico.

  2.   Estariam as odiadas

      Estariam as odiadas companhias aéreas certas nesse caso?

     

      Algumas vezes penso que “quem nunca comeu melado, quando come se lambuza”: o brasileiro médio nunca teve direito a nada, mas modernamente quer ter direito a tudo – isso quando não descamba para a defesa pura e simples do privilégio, do “meu”. De modo geral, nossa sociedade ainda não é uma sociedade, mas um amontoado de individualidades.

    1. Que se lambuzem!

      Talvez seja verdade que quem nunca comeu melado, quando come se lambuza. Faz sentido. A carencia extrema, continuada e prolongada gera demandas tambem extremadas.

      Mas sabe qual o problema? E’ que melado e’ superfluo. Quem usa esse ditado acaba (sem querer, imagino) dando a impressao que toda essa euforia e’ por algo desnecessario, um luxo, um prazer.

      Se o melado a que vc se refere sao os direitos basicos que toda pessoas supostamente deveria ter garantidos ao nascer, e que foram negados nos seculos de historia do Brasil, e que causaram as desgracas coletivas que ja conhecemos, na educacao, na nutricao, na saude, na seguranca…

      Bom, se o “melado” sao esses direitos, que agora estao sendo minimamente reconhecidos: que se lambuzem o quanto possam e que aprendam a nunca mais aceitar que lhes tirem esse melado!

      1.   Mas de jeito nenhum.
         

          Mas de jeito nenhum.

          Minha contraposição é justamente quanto aos extremos. Antes – e mesmo hoje em dia para muita coisa, é só ver o post sobre a ANATEL – não tínhamos quase todos nenhum direito, no máximo o de dizer “sim senhor”.

          A questão do extremo contrário toca até à atividade legislativa, desde a instituição do dia disso ou daquilo (“dia do ovo”, etc) ou de direitos que chegam ao absurdo. Oras, faz todo o sentido, no caso das empresas aéreas, entregar outra passagem se o problema é causado por fatores externos à companhia, mas daí sempre tem um gênio que joga tudo nas costas da empresa. Acaba ficando essa jaboticaba da “lei que não pega”, cujo efeito pedagógico é até negativo ao próprio consumidor, porque fica tudo de mentirinha. Até daí essa continuidade da “permissividade” nacional, que continua nos dias de hoje, seja para empresários, seja para a D. Joana, que chega mancando no INSS para receber um benefício a que não tem direito e sai pulando de alegria.

          Enfim, o “melado” são os exageros, não a educação, cidadania, etc etc.

        1. OK

          Entendo seu ponto, mas a realidade e’ que essa interpretacao e’ anterior ao periodo de quem nunca comeu melado. Certo ou errado, durante muito tempo os poucos que podiam viajar de aviao ja comiam esse melado de nao ter que arcar com os custos de problemas meteorologicos. Agora que alguns novos estao se lambuzando, agora e’ que estamos questionando esse ponto…

          De toda forma, quanto ao assunto diretamente, acho a legislacao brasileira melhor. Protege mais a parte mais fraca. O custo esta embutido na passagem? Sim, sem duvida.

          Mas se nao fosse assim, o custo deixaria de existir? Claro que nao, apenas seria responsabilidade exclusiva dos passageiros afetados. 

          Pode-se preferir um ou outro modelo, mas a questao nao e’ de “justica”. Nao existe justica absoluta em casos de problemas meteorologicos. A coisa desaba e alguem tem que pagar a conta por algo que nao e’ sua responsabilidade exclusiva.

          Assim, a discussao apenas e’: o que e’ mais equilibrado, embutir um seguro em todas as passagens e garantir que ninguem seja sorteado a pagar a conta, que e’ cara, ou deixar todo mundo a merce da sorte e quem tiver azar que se vire?

           

          1. Antigamente pouco podiam

            Antigamente pouco podiam andar de avião porque, além da renda média ser mais baixa, os preços eram tabelados pelo governos. Excesso de proteção ao consumidor, reforçado por políticas governamentais de defesa do consumidor, é a maneira do governo de dar satisfação para o cidadão (/aquele que consome, e que tem aumentado em número), ante à incapacidade de prestar contrapartidas públicas à altura. Se tivessémos projetado aeroportos decentes há 20 anos certamente a necessida de prestação de assistência aos passageiros seria bem menor.

          2. Talvez

            Talvez vc tenha razao no seu ponto geral. Mas como e’ que aeroportos melhores iriam evitar mau tempo e’ algo que desafia a minha imaginacao.

            Isso nao e’ excesso de protecao ao consumidor, e’ so’ a decisao de quem paga uma conta que, a priori, nao e’ culpa de ninguem (ate onde eu sei, nem a empresa nem o passageiro sao responsaveis pelo mau tempo).

  3. A diferença essencial é que

    A diferença essencial é que no Brasil adota-se para as relações de consumo a Teoria do Risco (não apenas o CDC faz isso, mas também o CC em alguns casos: art. 927 par. único), enquanto nos EUA a Responsabilidade Subjetiva, admitindo excludentes de responsabilidade de caso fortuito e força maior.

    No entanto, no Direito Internacional Privado há elementos de conexão que determinam qual a lei aplicável em cada ramo do direito. Especificamente, no direito do consumidor entende-se que deve ser aplicada a legislação mais favorável. Ainda, no mínimo, é importante atentar o que diz a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:

    Art. 9º. Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.

    § 2o  A obrigação resultante do contrato reputa-se constituida no lugar em que residir o proponente.

    O acessório segue o principal (o contrato de transporte aéreo). Se a passagem aérea foi comprada no Brasil, junto a uma filial brasileira da empresa, aplica-se o CDC pátrio. Isso é inequívoco sobretudo em relação às companhias aéreas brasileiras, ainda que a passagem seja internacional.

    Pode ser que as empresas não aceitem as reclamações lá nos EUA (e o passageiro não poderá fazer nada), mas basta guardar os comprovantes das despesas e depois ingressar em um juizado especial cível no Brasil.

     

  4. Com o amadorismo das nossas

    Com o amadorismo das nossas companhias, é até bom que as leis sejam diferentes.

    Elas só não prestam assistência, como não apresentam qualquer estrutura funcional (sempre trabalhando no limite do enxugamento, visando maximizar os lucros). Não conseguem dar sequer fornecer aos passageiros a informação que os voos foram cancelados devido ao mau tempo. E quando fazem, sem sempre o fazem adequadamente. Não foi uma única vez que fui informado que um voo estava cancelado, porque as condições climáticas no aeroporto de destino não encontravam-se adequadas para o pouso e no entanto, descobria  depois, que até voos saindo do mesmo aeroporto, para o mesmo destino, em horários próximos, decolavam e pousavam normalmente.

    Reforça o acerto da legislação brasileira (embora siga não sendo cumprida) o caos gerado na malha da Gol recentemente, no qual a empresa levou incríveis três dias para normalizar a malha, por conta de mau tempo em um aeroporto. 

    Ao contrário do propagado pela grande imprensa, avião no Brasil é um negócio extremamente lucrativo, a partir da subdivisão dos grupos empresariais. A empresa responsável pelo transporte de passageiros é a que via de regra dá prejuízo, para despertar a piedade do governo e justificar o trabalho com equipes reduzidas. Já as empresas de milhagem, cargas e manutenção não costumam ter quaisquer problemas financeiros.

    Assim, recebemos um serviço low cost, mas pagamos um preço elevado nas tarifas. E haja grita contra o absurdo dos impostos do governo (sempre direcionados ao federal, mesmo que o principal imposto seja o estadual), contra a estrutura dos aeroportos e contra tudo que exime as companhias de cumprirem suas obrigações. E há quem faça coro, para defender nossos ‘pobres’ empresários.

  5. Essa legislação que obriga as

    Essa legislação que obriga as empresas areas a dar assistencia em caso de mau tempo é um absurdo. Não tenha dúvida que o custo desse risco é totalmente embutido nos preços das passagens. Já imaginaram, comida e hotel para passageiros todas as vezes que tiverem problema com são pedro? não há empresa que aguente.

    Alguem sabe como é tratado esse problema na europa?

    1. Atenir, boa

      Atenir, boa pergunta.

      Comparar somente com o modelo que se quer implantar é má fé.

       

      Veja o seguinte:

      Cancelamentos:

      “No entanto, até mesmo nestas circunstâncias [mau tempo, greve] a compania aérea deve ainda oferecer cuidado e assistência.”

      In addition,you may be entitled to monetary compensation of €125 -€600,depending on when the airline informed you of the cancellation,the distance of the flight and the time you arrive at your destination.Financial compensation is not payable if the air carrier can prove thatthe cancellation was caused by extraordinary circumstances which couldnot have been avoided even if all reasonable measures had been taken(e.g.bad weather, strike). However, even in such instances the airlinemust still offer care and assistance. The EU and Consumers http://www.citizensinformationboard.ie/publications/downloads/2013_EU_consumers.pdf   For cancellation due to extraordinary circumstances you may not have the right to compensation, the carrier must still offer you either: – a ticket refund (in full or just the part you have not used)- alternative transport to your final destination at the earliest opportunity or- rebooking at a later date of your choice (subject to seat availability). Even in extraordinary circumstances, airlines must provide assistance when necessary, while you are waiting for alternative transport. http://europa.eu/youreurope/citizens/travel/passenger-rights/air/index_en.htm    No seguinte documento afirmam que, em caso de mau tempo, se seu voo:  – atrasar mais de 2 horas, você tem direito a refeição e telefonemas;- atrasar mais de 5 horas, reembolso total;- atrasar por toda a noite, acomodação. Citizens Information Boardhttp://www.citizensinformationboard.ie/publications/downloads/2013_EU_consumers.pdf   Veja também abaixo que afirmam que a Air Canada paga $ 40 por dia para gastos com refeição.  “Airline passengers in dark about rights, advocate says Weather delaysLukacs said that both in Europe and in Canada airlines do not have to compensate passengers for long delays or cancellations due to extraordinary circumstances such as bad weather.[…]Fitzpatrick also pointed out Air Canada offers $40 compensation per day for meals, although Tonus was initially reimbursed only $30 for himself and his family’s meals while waiting for their flight.  ” http://www.cbc.ca/m/touch/canada/story/1.2489336   

  6. Aquí Mídia e passageiros enchem o saco quandotempo tem mau

    tempo. Nos EUA não ví ninguém subir no balcão por causa de neve ou vulção!

     

    1. Nao precisa subir no balcao

      Se nao viu, e’ porque eles nao precisam. Os sistemas de protecao ao consumidor geralmente funcionam, entao o cara ao inves de fazer show, sabe esperar e brigar nos lugares certos. No Brasil, o subir no balcao e’ um ato extremo, de quem nao conhece ou efetivamente nao tem outras formas de fazer valer seus direitos. Mesmo quem e’ de classe media ou alta, mas nao e’ ricaco, celebridade ou politico, tem uma dificuldade quase intransponivel nessas horas.

      E, ao contrario do que voce diz, SIM, a midia norte-americana desceu o pau nas empresas aereas e nas administracoes dos aeroportos pela forma como administraram o mau tempo. Tem materia sobre isso saindo nos jornais ate hoje, quase um mes depois dos piores momentos. A diferenca e’ que, agora que passou o pior, ja estao abrindo investigacoes para ver o que deu errado e corrigir para a proxima.

      Enquanto isso, ao sul do Equador…

       

  7. Como eu tinha postado: por

    Como eu tinha postado: por que o mesmo não se aplica ao tansporte rodoviário? Ou se aplica e o povo é que não sabe? Caiu barreira, tome hotel e jantar; estrada intransitável, enchente, etc.

    1. Não é verdade

      Esse argumento não é verdade.

      Veja matéria de capa d’O Globo de hoje que mostra os valores pagos em multas à ANAC, por exemplo. Se as assistências não fossem prestadas, mesmo quando não deveriam ser devidas – o que é justamente o aspecto apontado pela matéria da Folha – o valor total devido em multas seria ainda maior. Aqui brasileiro é mimado, mas lá fora, onde se deslumbra com tudo, age como qualquer outros cidadão sensato.

  8. Os americanos não são

    Os americanos não são paternalistas, as empresas não viram pais e mães dos coitadinhos dos passageiros após comprada a passagem.

    Talvez por isso os EUA sejam os EUA, e as coisa tão baratas por lá.

     

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