Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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Economistas não são cientistas: a loucura é entregar a economia para eles comandarem, por André Motta Araújo

A economia pode se recorrer do método científico mas esse precisa ser sempre temperado pela inserção da política e da análise social em suas conclusões

Sugestão de leitura: Why economists failed as experts and how to make them matter again

Na Inglaterra, primeiro berço da moderna economia capitalista e depois berço também do neoliberalismo de mercado, há nos últimos vinte anos um movimento intelectual de revisão de certos conceitos na moda a partir do anos Thatcher, a própria biografia da “Dama de Ferro” está sob pesada revisão para baixo e nessa linha segue a contestação ao “mainstream” do “economics”. Muitos pensadores ingleses chegaram a conclusão que o estudo da economia como ciência nem deveria existir, é uma ciência precária que poderia ser mais voltada para o estudo da história econômica e não como “ciência” porque por esse caminho se construíram arbitrariamente “formulas pseudo cientificas fixas” que são as causas de muitos desastres econômicos.

Há décadas este autor pensa da mesma forma e meus livros caminham por essa trajetória. As faculdades de economia que pretendem transformar esse conhecimento em ciência deveriam se transformar em escolas de estudos da Historia econômica e social, sem apelar para a matemática, pois de ciência não se trata, a aplicação do método cientifico é aceitável até certo ponto mas sempre temperado pela observação conjunta da realidade politica do momento.

O INSTITUTE FOR NEW ECONOMIC THINKING, de Nova York, onde estão três Prêmios Nobel de Economia (Krugman, Stiglitz e Sehn) segue um caminho não exatamente igual mas em paralelo, é um “think tank” de discussão das caixas pretas do “mainstream” economics, o sistema de lições das universidades americanas (não todas, há escolas mais independentes) que se voltaram mais para a criação de ferramentas para especulação no mercado, com complicadas formulas para calcular preço de derivativos e não como visão de uma politica econômica como instrumento de prosperidade geral.

Nos EUA há hoje também muita contestação ao “mainstream”, que se desborda para a politica geral,mas no Brasil a Casa das Garças continua aferrada as “lições de casa” aprendidas nos anos 80 e 90, quando o mundo era outro, as lições hoje não servem mais, as necessidades do Brasil atual são crescimento e emprego e não estabilidade como valor exclusivo, o estável beneficia apenas quem já tem riqueza e renda mas não cria riqueza nova e nem elimina a pobreza.

Acima um artigo deste mês autorado por Martin Wolf, o jornalista de economia de maior reputação mundial, que escreve semanalmente no FINANCIAL TIMES, uma visão critica ao pensamento econômico falsamente cientifico do “mainstream economics”, aquele que no Brasil se vende como “moderno”.

A FALSA CIÊNCIA

Economia deve ser estudada como parte da politica porque não existe economia pura, ela é derivada da politica. Foram as universidades americanas que entraram pelo caminho da matematização da economia, com o foco na especulação com ações e derivativos. Modelos foram criados para determinar preços ideais, especialmente no calculo de derivativos, passou-se a tentar adivinhar curvas a partir do presente, ignorando os fatores políticos, que são mais neutros nos EUA mas são muito mais impactantes em outros países. Das universidades americanas estudantes provincianos com base intelectual pobre  como muitos brasileiros do interior, absorveram essas “formulas determinantes” e de volta a seus países passaram a aplica-las em contextos sociais, políticos e econômicos completamente diferentes daqueles que serviram de laboratório de universidades americanas. Apresentaram essas formulas como a última palavra da ciência econômica, absorvida sem filtro e sem adaptações e toda politica monetária passa a ser executada com base nessas equações, as reuniões do COPOM são a síntese dessa falsa ciência, onde se trava para sempre o crescimento da economia, por cautela é melhor a paralisia do que o crescimento.

A ECONOMIA COMO POLITICA E ARTE

Uma visão da ciência econômica como parte da politica foi o que Keynes fez  na celebre carta a Roosevelt em 31 de maio de 1933. Uma politica econômica não pode ser fixa, servindo para qualquer situação, ela deve ser ajustada às circunstancias sociais e politicas de cada ciclo. Se o problema crucial do Pais é o desemprego a politica monetária deve ser endereçada a resolver esse problema e não outro.

Keynes recomendou a Roosevelt empregar gente em obras publicas, nem que fosse “para remover pedras de um lado da estrada para o outro lado”, apenas para gerar renda. Foi essa visão a semente do NEW DEAL, um programa econômico para tirar os EUA da recessão, era uma visão revolucionaria, CONTRARIA ao pensamento econômico “mainstream” representado pela Chairman do Federal Reserve, Eugene Mayer, que achava que deveria ser deixado ao mercado resolver a crise, uma loucura mas é exatamente isso que hoje pretendem os economistas neoliberais brasileiros, esses de “formulas fixas”, com a velha cantilena, metas de inflação, reformas e privatizações, instrumentos  QUE JAMAIS TIRARÃO O BRASIL DA ESTAGNAÇÃO, metas de inflação engessam o investimento publico e o credito, reformas redistribuem a renda já produzida mas não criam renda nova, privatizações não significam criação de renda e emprego, ao contrario, esterilizam investimento em algo que já existe.

O economista André Lara Resende, um dos criadores do Real, depois de décadas com o pensamento “mainstream” por reflexão chegou à “economia das circunstãncias” propondo uma linha parecida com a de Keynes, ocupar a capacidade ociosa com expansão monetária, o que segundo ele nem sequer geraria inflação. Tudo isso parece logico e racional mas há uma “seita”, uma “igreja”, forjada nas universidades americanas, nas inglesas e francesas a musica é outra, uma “seita” de lições decoradas por mentes medíocres e intelectualmente pobres  incapazes de ajustar a “lição de casa” ao mundo real.

Albert hirschmann, outro economista brilhante na linha de Keynes, alemão de cultura francesa,  professor dos Instituto de Estudos Avançados de Princeton, lembra em suas memorias (em português AUTOSUBVERÇÃO) diz “eles usam sempre a mesma receita para doenças diferentes, não mudam nem a dosagem”, referindo-se à pobreza das formulas desses economistas de cartilhas, Hirschmann morreu com quase cem anos, tive o prazer de conhece-lo.

A economia pode se recorrer do método científico mas esse precisa ser sempre temperado pela inserção da política e da análise social em suas conclusões. Economia não é só matemática, como pretendem as universidades americanas voltadas para um mercado de referencias estáveis viciado em especulação.

A POLITICA MONETÁRIA DA CASA DAS GARÇAS

A parti do Plano Real os economistas dessa geração neoliberal criaram seu “bunker” na Casa das Garças, que deveria ser um centro de debates, um “think tank” com choque de opiniões mas nunca foi isso, é um centro de reafirmação de ideias imutáveis, escritas em chumbo. A partir do Plano Real o BANCO CENTRAL esteve sob controle operacional e ideológico de economistas neoliberais de mercado, todos vem do “mercado” e para lá voltam, mesmo nos governos do PT, esse politica monetária asfixiantes com obsessão na meta de inflação é a responsável central pela paralisia atual da economia brasileira e nem 20 reformas e 100 privatizações vão alterar esse quadro, é preciso tirar a Casa das Garças do comando do Banco Central.

O artigo de Martin Wolf faz um balanço do desastre do pensamento econômico ortodoxo responsável por tanta miséria e sofrimento.

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

6 Comentários

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  1. Uma ciência tem que ser acima de tudo imparcial. Quando uma teoria é testada em um experimento, o cientista não pode “torcer” contra nem a favor, tem que analisar friamente os resultados. Esse é o grande erro dos neoliberalistas, quando eles assistem ao desastre de seus experimentos, eles julgam que a realidade tem que mudar para se adequar a suas teorias, e não o contrário.

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  3. Sobre a mudança de Andre Lara, pra mim não foi reflexão – inteligente como é, ele sempre soube que o programa adotado desde FHC só fortuitamente gera crescimento de verdade enquanto dá dinheiro às toneladas pra turma do mercado financeiro ( da qual André deve ter feito seus milhões). A diferença é que ele sabe que esse modelo já era – e quando a bomba estourar ele vai ficar bem na foto dizendo a famosa frase ” Não te disse, não te disse”.
    André, há um tempo você disse que pretendia escrever um post sobre um dos gênios da economia do século XX. Provavelmente o único a rivalizar com Keynes, foi ele que acabou, em 23 , com um dos maiores flagelos inflacionários do século XX, a hiperinflação na Alemanha, mas sempre é mais lembrado como a economista que durante o inicio do regime nazista fez economia alemã sair dum desemprego de quase metade da população pro pleno emprego em 3 anos e esse sucesso é que fez com que o boa parte do povo alemão abraçasse a loucura de Hitler
    e seus asseclas – Hjalmar Schacht. Não encare isso como uma cobrança, mas eu ficaria muito grato quando você publicasse todo o seu conhecimento sobre ele.

  4. Arte, ciência e Keynes

    Araújo, a partir de toda a sua cultura e vivência, nos dá mais um texto extremamente instigante. Comento, e começo com uma citação de um autor caro ao próprio AA:

    “Economics is a science of thinking in terms of models joined to the art of choosing models which are relevant to the contemporary world.”

    [John Maynard Keynes. To R. F. Harrod, 4 July 1938.
    The General Theory and After, Part II, Defence and Development. Macmillan Cambridge University Press, 1973, p. 294]

    Interpretação:

    Ciência [econômica] é pensar por meio de modelos, nos diz Keynes. Segue-se: modelos não são apenas modos de exposição de nossas ideias ou preconceitos; são, primordialmente, modos de pensar, de organizar de forma coerente nossas reflexões. Antes de serem para os outros, eles, os modelos, são para nós.
    Muitas questões se colocam. Discuto apenas, e brevemente, algumas.
    Por que pensar por meio de modelos apresenta-se como traço definidor do carácter científico da disciplina? Há, é claro, a história [1] de sua constituição. Deixemos isso de lado. O que importa aqui é salientar que pensar desse modo parece um imperativo frente ao reconhecimento de nossa ignorância.

    Nós não sabemos o que é a economia real. E nunca saberemos. O que procuramos fazer (por meio de teorias, modelos, etc.) é atribuir significados os fatos econômicos [2], – as crises, os ciclos, o desenvolvimento, etc. Qualquer teoria econômica é, antes de tudo, uma atribuição de significado. A crise é isso (à luz de nosso modelo); Levy foi um desastre (à luz de nosso modelo), etc.

    Não se trata de mera opinião. São teses fortes, robustas, se resultantes de modelos, que adotamos, implícita ou explicitamente, para pensar o que vivemos. Pois é o modelo que impõe disciplina às nossas reflexões e intuições. Por isso – e apenas por isso, não pela descoberta da “verdade” – economia é “ciência”.

    Corolário: não tem sentido nenhum opor a ideias econômicas o argumento simplório “a realidade não é assim”, ou “esses economistas não olham a economia real”, etc. Se soubéssemos o que é o real (por intuição? revelação divina?), a ciência seria inútil [3].

    Mas Keynes nos diz a respeito “the art” de escolher modelos relevantes. Como interpretar isso? No contexto, “art” parece opor-se a “science”. Se, por um lado, ciência é subordinação a modelos, por outro, parece que podem coexistir, como “verdades” plausíveis, diferentes modelos. Em outros termos, parece que não há, em última instância – na opinião de Keynes nesta interpretação -, critérios puramente “científicos”, ou objetivos, para decidir a respeito de modelos alternativos, a não ser, talvez, em casos extremos [4] .

    Isso não significa que devamos nos conformar a um relativismo insuperável. Não há o experimento crucial, que nos permitiria refutar teorias, mas há a força do melhor argumento, que é, incontornavelmente, histórico.

    [1] Ricardo, do qual todos somos filhos.
    [2] Contorno a discussão do que seja “fato”.
    [3] O que não significa, é claro, que a ciência nos revela o real.
    [4] Reconheço que esta é uma interpretação muito forte do que Keynes afirma no trecho citado.

    1. Meu caro, agradeço o substancioso e lucido comentario. Keynes era um academico e professor de economia. Usava modelos como ferramentas de ensino, o que é algo perfeitamente racional. Mas Keynes como estadista de politica economica não usou modelo ao recomendar a Roosevelt as medidas para sair da Grande Depressão. Suas recomendações não eram um modelo e sim uma impulsão, ele não tinha um modelo “fechado” com começo, meio e fim, como são os modelos academicos. Keynes por intuição e conhecimento sabia que aqueles medidas de criação de renda
      pelo Estado eram um caminho mas ele não conhecia o fim, como se dá em um modelo fechado.
      É assim é na vida real. não há modelos fechados operacionais porque há muitos fatores no caminho e que não se pode prever. O erro dos dirigentes neoliberais de economia é SÓ operar com
      modelos fechados, o que não combina com a realidade politica e social.

  5. Tanto Keynesianos contemporâneos, quanto neoliberais exaltados, esquecem de levar em consideração que a aplicação de modelos no Brasil frusta os objetivos definidos pelas políticas econômicas, ao meu ver, porque as decisões que devem ser tomadas para garantir a eficácia dos modelos não são tomadas de modo racional. As distorções da política, tomadas pela senso emocional ao invés do racional, criam distorções incapazes de ser captadas em modelos. Agentes econômicos com objetivos escusos e egoístas, bem como lideranças mal intencionadas, dificultam a adoção das medidas mais eficazes que deveriam corrigir as distorções do mundo real. Quando isso ocorre o mundo real fica cada vez mais distante do que defende a ciência econômica. Portanto, o problema não está na ciência, mas na política.

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