Economistas publicam Carta de Brasília com propostas ao Novo Arcabouço Fiscal

Medidas foram debatidas nesta semana, em seminário do Conselho Federal de Economia

As questões em torno da proposta do Novo Arcabouço Fiscal (NAF), apresentada pelo Ministério da Fazendo ao Congresso Nacional no início deste mês, mobilizou um debate entre economistas, entidades e membros do próprio governo federal sobre as possibilidades e os limites do Projeto de Lei Completar. 

Como resultado do seminário promovido pelo Conselho Federal de Economia (Cofecon), no último dia 25, em Brasília, foi publicada a Carta de Brasília, em que os signatários elencaram 17 propostas sobre o tema. Leia a íntegra:

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No dia 25 de abril de 2023, no Espaço Israel Pinheiro, localizado na Praça dos Três Poderes, em Brasília, economistas, representantes de entidades de classe e da sociedade civil e membros do governo federal e de instituições públicas debateram, no seminário promovido pelo Conselho Federal de Economia (Cofecon) em parceria com diversas entidades, as possibilidades e os limites propiciados pela proposta do Novo Arcabouço Fiscal (NAF). Esta foi elaborada e enviada em abril pelo Ministério da Fazenda, na gestão de Fernando Haddad, ao Congresso Nacional na forma do Projeto de Lei Complementar– PLP nº 93/2023. Além dos posicionamentos institucionais das entidades organizadoras e apoiadoras, as mesas de debates abordaram três frentes de impactos do NAF para o país: i) no orçamento público, em relação à trajetória de receitas, aos gastos sociais e aos investimentos públicos; ii) na política monetária, dívida pública e taxa básica de juros (taxa Selic); e iii) no desenvolvimento sustentável e democrático, em termos políticos, econômicos, sociais e ambientais.

No que se refere à frente de impacto no orçamento público, o diagnóstico foi que o NAF, além de pró-cíclico, é dependente de um crescimento significativo das receitas para garantir recursos necessários para o fortalecimento das políticas públicas. Diante de um ritmo de crescimento econômico ainda fraco e instável, há a preocupação de como viabilizar um aumento de arrecadação fiscal compatível com as metas estabelecidas pelo NAF, visto que revisões de desonerações e de distorções tributárias podem ser insuficientes e possuem dificuldades políticas e jurídicas para se concretizar. Por outro lado, diante do aumento da vulnerabilidade socioeconômica e do agravamento das desigualdades ao longo dos últimos anos, combinados com um orçamento público muito comprimido que teve um alívio provisório em 2023 proporcionados pela PEC da Transição, há a preocupação com uma continuidade da atrofia de recursos para a manutenção da administração pública, para políticas sociais e para investimentos, bem como para a capacidade de implementação de medidas anticíclicas em grau adequado. Outros pontos de preocupações estão: i) nas declarações de integrantes do Ministério da Fazenda sobre a possibilidade de rever os pisos constitucionais de saúde e educação, elevando sobremaneira o risco de subfinanciamento de áreas centrais de atuação do Estado; ii) na punição da taxa de crescimento da despesa para 50% da taxa de aumento da receita em caso de descumprimento da meta de primário, sendo uma medida pró-cíclica; e iii) na previsão de não pagamento de parcela significativa das dívidas judiciais do Governo Federal, já que o NAF proposto não altera o subteto de precatórios previsto nas Emendas Constitucionais 113 e 114 aprovadas em 2021.

Em relação ao Teto de Gastos (Emenda Constitucional nº95/2016) e à Lei Complementar nº 101/2000 (LRF), houve um entendimento de que o estabelecimento de um piso de crescimento real de despesa, a adoção de bandas para as metas de primário, a exclusão da obrigatoriedade do contingenciamento e a descriminalização da política fiscal são avanços importantes. No entanto, os parâmetros definidos pelas bandas são estreitos, assim como as metas de primário inicialmente anunciadas podem ser muito restritivas, a depender do desempenho econômico até 2026.

No que se refere aos impactos do NAF na política monetária, dívida pública e taxa Selic, houve o entendimento de que as condições fiscais para uma política monetária menos restritiva já estão dadas. O Brasil, além de uma relação dívida líquida/PIB baixa, controlada e em moeda doméstica, possui elevada monta de reservas internacionais. Portanto, não há risco fiscal que justifique o elevado patamar atual da taxa Selic, em 13,75% a.a., especialmente devido ao fato de que o déficit fiscal no conceito nominal está diretamente relacionado com o vultoso custo de financiamento da dívida pública e, não com os gastos primários. Ademais, diante da evidente desaceleração da economia, da inflação controlada e de uma possível crise de crédito, houve o entendimento de que o início do ciclo de redução da taxa Selic é urgente.

Nos últimos anos, a inviabilidade do atual Teto de Gastos foi fator que contribuiu para a instabilidade política e institucional. Assim, a definição de um regime fiscal sustentável é condição necessária para um ambiente político e institucional mais estável, para promover previsibilidade e para fortalecer a democracia. As regras fiscais, além de focarem na estabilidade macroeconômica e na trajetória sustentável da dívida, devem fomentar o crescimento econômico e a geração de emprego e renda, visando a promoção de um processo de desenvolvimento com justiça social e responsabilidade ambiental. Entende-se que tal processo de desenvolvimento, para além da melhoria nas condições de vida da população, compreende o combate às diferentes dimensões de desigualdades sociais, que se refletem em inequidades tais como as raciais, regionais, de renda e de gênero. Nesse sentido, o provimento de recursos em nível adequado para o financiamento de políticas e serviços públicos é condição necessária para a garantia dos Direitos Humanos e dos direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988.

Propostas dos signatários:

  • Manter a previsão anual de crescimento mínimo e máximo do gasto em termos reais, podendo ser fixada de 4 em 4 anos nas leis orçamentárias (LDO e LOA), mas sem vinculação com o crescimento da receita. O objetivo é evitar pró-ciclicalidade e controvérsias sobre os indexadores utilizados para calcular crescimento real e correção monetária do gasto, sendo utilizada a projeção de deflator do PIB como índice de correção monetária;
  • Manter a descriminalização da política fiscal e a adoção de bandas de resultado primário, com uma ampliação do intervalo de flutuação para +/- 1 ponto percentual do PIB;
  • Em caso de descumprimento da meta de primário, assim como na política monetária (sistema de metas de inflação), o Ministro da Fazenda deve explicar ao Congresso as razões do por que a meta não foi cumprida e apresentar cronograma de ações para voltar a atingir a meta estabelecida, não tendo a obrigação de acionamento de gatilhos de ajuste de gasto;
  • O orçamento deve ser impositivo, mantendo a exclusão do contingenciamento de recursos durante a execução orçamentária;
  • A meta anual de gasto primário deve ter submeta específica para investimentos públicos, incluindo infraestrutura social (saúde, educação e segurança pública), com objetivo de garantir crescimento real de recursos e estabelecer uma tendência de recomposição da participação no PIB ao longo dos anos, assim como não implementar teto para os investimentos;
  • Não alterar os pisos constitucionais de saúde e educação. A eventual revisão dos pisos de saúde e educação só deve ser adotada em conjunto com meta constitucional de dobrar o gasto real per capita nas duas áreas em até 16 anos;
  • A programação fiscal quadrienal do gasto deve conter: i) regra para a correção real do salário mínimo; e ii) plano de gasto com servidores públicos, incluindo índice de correção dos salários, evolução do efetivo e concursos;
  • Excluir da meta de gastos: i) a capitalização de estatais, inclusive das financeiras; e ii) o gasto com as pesquisas do IBGE (censo, POF, etc), para permitir melhor monitoramento das estatísticas econômicas e sociais; iii) os recursos necessários para transferência de renda às famílias que se encontrem em situação de pobreza e extrema pobreza; iv) as despesas de capital estruturantes, conforme definido no Plano Plurianual; e v) as despesas com dívidas de precatórios;
  • Definir um plano para recomposição dos orçamentos para as políticas locais de saúde, como as indigenistas, para conter e reverter as situações graves de emergência sanitária e de proteção territorial;
  • Priorizar recursos no orçamento público para as políticas necessárias à garantia dos Direitos Humanos como dever do Estado;
  • Fortalecer o Plano Plurianual como instrumento de planejamento democrático, transparente e participativo;
  • O cenário de dívida pública deve usar o conceito de dívida líquida do Governo Geral;
  • Realizar estudos sobre:  i) redimensionamento dos componentes da dívida bruta do governo geral, tais como a carteira do Banco Central em títulos do Tesouro Nacional, as reservas internacionais e as operações compromissadas com a autoridade monetária; e ii) possibilidade de adoção de metas explícitas para taxas de juros mais longas pelo Banco Central do Brasil, como faz o Banco do Japão desde 2016. Os objetivos são de reduzir a volatilidade e os prêmios na curva de juros, viabilizando taxas mais baixas;
  • O Banco Central deve publicar relatório periódico sobre o impacto fiscal de sua política monetária e cambial, acompanhado de parecer externo, de órgãos como IPEA e TCU;
  • Não condicionar o início do ciclo de cortes da taxa Selic ao NAF;
  • Ampliar o diálogo institucional entre o Ministério da Fazenda e as entidades representativas da sociedade civil e sua diversidade, a fim de promover o entendimento sobre as propostas econômicas; e
  • Promover a ressignificação político-administrativa da noção de “responsabilidade fiscal”, contemplando a regulação do uso da política fiscal para atingir os objetivos definidos mais amplamente pela Constituição e, especificamente, pelos governos democraticamente eleitos.
Redação

1 Comentário

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  1. Os órgãos de classe dos economistas também poderiam exigir dos profissionais compromisso com a ideia de desenvolvimento econômico. Os economistas empregados do setor financeiro, que se limitam a analisar a economia apenas do ponto de vista do mercado, deveriam ser proibidos de usar o título de economista. Os acadêmicos de economia também deveriam exigir estatísticas sobre oferta e demanda para embasar a política monetária. A simples crença de que toda inflação é de demanda deveria ser tratada pelos economistas como os médicos tratam os curandeiros.

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