Gasto com juros foi quatro vezes maior do que déficit do governo, por Lauro Veiga Filho

Despesas com juros é o segundo principal item entre os gastos públicos, perdendo apenas para pagamentos a pensionistas e aposentados

Imagem: Politize

Por Lauro Veiga Filho

O terrorismo fiscal voltou a frequentar as manchetes da grande mídia corporativa, com a virulência habitual, por conta do déficit acumulado pelo governo central – União, Banco Central (BC) e Previdência – nos oito primeiros meses deste ano, na faixa de R$ 103,565 bilhões em valores atualizados até agosto último com base na variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

O pior resultado para um primeiro ano de governo desde sempre, alardearam os jornalões e canais de notícia, com destaque para alertas sobre supostos “riscos” à estabilidade na economia por conta do crescimento das despesas públicas. Claro, como não poderia deixar de ser, surgem “comentaristas” econômicos alinhados desde sempre com os mercados para despejar sobre o honorável público análises tão alarmistas quanto simplórias.

Enfadonhamente previsíveis, analistas, consultores e “comentaristas” dedicaram-se a mostrar que o desalinho entre receitas e despesas é de fato a “grande ameaça”, desconsiderando os dados disponíveis, que mostram um cenário diverso, desde que consultados com um mínimo de prudência, bom-senso e honestidade intelectual.

O time convocado recorrentemente pela grande mídia para “comentar” as contas do setor público deixou de lado, como se não tivesse a menor relevância, o crescimento ainda acelerado das despesas com juros, segundo principal item entre os gastos públicos federais, perdendo apenas para o pagamento de benefícios previdenciários a pensionistas e aposentados.

Três semanas depois de divulgadas as estatísticas oficiais, ainda desconsideram a participação proporcionalmente relevante das despesas com políticas e programas sociais na composição dos gastos, fundamentais para consolidar um sistema de bem-estar social no País, no avanço dos gastos em geral, assim como deixaram de lado a retomada do investimento na área federal.

No lado das receitas, a previsível queda dos ganhos com dividendos, participações e concessões e perdas de recursos relacionados à exploração de recursos naturais explicam em grande medida a redução das receitas ao longo deste ano.

Pressão financeira

Entre janeiro e agosto deste ano, o gasto do governo central com juros, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), atingiu nada menos do que R$ 403,157 bilhões, valor mais elevado para período desde 2015, há oito anos, portanto, crescendo 22,91% em relação ao mesmo intervalo de 2022, já descontada a inflação.

Até agosto deste ano, nas estimativas do BC, os juros consumiram algo como 5,73% do Produto Interno Bruto (PIB), praticamente quatro vezes mais do que o déficit acumulado naqueles mesmos oito meses. Para comparar, o rombo de R$ 103,565 bilhões correspondeu a 1,47% do PIB. No ano passado, entre janeiro e agosto ainda, os juros exigiram o desembolso de R$ 328,003 bilhões, perto de 5,05% do PIB.

Em outra comparação possível, o aumento nas despesas com juros, na faixa de R$ 75,154 bilhões, superou o crescimento registrado pelo total das despesas primárias (excluídos os juros). Entre o ano passado e este ano, no acumulado entre janeiro e agosto, os gastos primários totais do governo central experimentaram variação real de 4,52% ao avançarem de pouco mais de R$ 1,282 trilhão para R$ 1,340 trilhão, num acréscimo de R$ 57,958 bilhões.

Uma parcela do crescimento relativamente moderado das despesas primárias deve ser atribuída à queda vertical nos chamados créditos extraordinários, abertos na fase da pandemia para enfrentar a crise sanitária. Esse tipo de desembolso desabou de R$ 22,705 bilhões para apenas R$ 1,262 bilhão entre janeiro e agosto deste ano, num tombo de 94,44% (R$ 21,443 bilhões a menos).

Excluídos os créditos extraordinários, as despesas primárias restantes subiram de pouco menos de R$ 1,260 trilhão para R$ 1,339 trilhão, num incremento de R$ 79,401 bilhões e variação de 6,30%. Claramente, a alta nos gastos com juros ficou muito próximo do crescimento das despesas primárias, depois de desconsiderados os créditos extraordinários.

Impactos nas receitas

Mais do que os juros, as análises predominantes, sempre orientados a favor dos interesses do mercado, desconsideram alguns dos principais fatores que condicionaram o comportamento de receitas e despesas ao longo deste ano. Como já conhecido, os resultados positivos das contas do governo central no ano passado podem ser atribuídos quase que exclusivamente a receitas não recorrentes, associadas ao pagamento de dividendos, à arrecadação de tributos sobre a exploração de recursos minerais e a receitas de concessões e permissões na área federal.

Na soma daqueles três itens, o governo arrecadou em torno de R$ 209,610 bilhões entre janeiro e agosto do ano passado, valor reduzido para R$ 120,215 bilhões em idêntico intervalo deste ano, numa retração de 42,65% e perda de nada menos do que R$ 89,394 bilhões. Essa queda explica grande parcela da redução na receita bruta total, que saiu de R$ 1,630 trilhão nos oito meses iniciais de 2022 para R$ 1,536 trilhão neste ano, em baixa de 5,77% em termos reais. No total, o governo central deixou de arrecadar qualquer coisa ao redor de R$ 94,136 bilhões.

A receita líquida, descontada as transferências constitucionais, sofreu queda real de 5,49%, saindo de R$ 1,309 trilhão para R$ 1,237 trilhão, numa perda de R$ 71,907 bilhões, o que explica em torno de 55,4% da piora no resultado primário. O aumento real das despesas primárias totais responde pelos restantes 44,6%. O avanço dos gastos ficou concentrado principalmente nas despesas com a incipiente rede de proteção social construída no País nas últimas décadas.

Políticas sociais e investimento

Em conjunto, as despesas com benefícios de prestação continuada, renda mensal vitalícia, Bolsa Família, saúde, educação, assistência social e abono e seguro desemprego atingiram R$ 356,799 bilhões entre janeiro e agosto deste ano, crescendo 22,01% em relação ao mesmo período do ano passado (mais R$ 64,374 bilhões), quando haviam alcançado R$ 292,425 bilhões. Embora tenham respondido por 26,64% das despesas primárias totais, aqueles gastos tiveram participação de 81,07% no crescimento dos gastos gerais, evidentemente com a exclusão dos juros.

Depois de atingirem o fundo do poço no ano passado, os investimentos cresceram 32,80% em termos reais neste ano, subindo de R$ 28,036 bilhões no registro dos oito primeiros meses de 2022 para R$ 37,233 bilhões. Apenas em agosto, o investimento realizado de R$ 7,811 bilhões foi 160,39% maior do que no mesmo mês do ano passado (quase R$ 3,0 bilhões). Os gastos com o programa Minha Casa Minha Vida, que haviam despencado para R$ 542,043 milhões no ano passado, somaram R$ 4,703 bilhões neste ano, sempre de janeiro a agosto, num salto de 767,66% em termos reais.

Lauro Veiga Filho – Jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.

Este artigo não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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Redação

1 Comentário

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  1. De todas as engrenagens que fazem uma economia, a relacionada aos juros é de suma importância. Não se refere apenas ao montante gasto pelos governos com o pagamento e a rolagem do endividamento público, mas também aos impactos na cobrança de várias transações que implicam a utilização de juros. Quando se discute o teto de gastos e a eficácia do arcabouço fiscal proposto pelo governo não se reflete o piso estabelecido pela TAXA SELIC em relação aos juros. Não é a toa que os setores produtivos apresentam pouca competitividade e pouco crescimento. O investimento público cai e é limitado, enquanto o financiamento na rolagem da dívida pública só aumenta o comprometimento do total arrecadado, com esse compromisso. Quem vai competir com essa situação. A sociedade como um todo banca o que acontece, mas não é toda a sociedade que recebe o benefício. Ocorre pouco progresso, o País não prospera e no quesito conjunto fica estagnado. Esse é o nó que precisa ser desatado. Capitalismo é feito de riscos. No Brasil o risco foi substituído por uma rede de proteção.

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