“Discutir África não é coisa fácil nas escolas”, diz professora da UERJ

Da BBC
 
Ensino da cultura negra ainda sofre resistência nas escolas
 
Maurício Moraes
 
Da BBC Brasil em São Paulo
 
Atualizado em  20 de novembro, 2013 – 06:52 (Brasília) 08:52 GMT
 
Embora metade da população brasileira se identifique como preta ou parda, a história das raízes africanas do Brasil ainda é tema pouco tratado nas salas de aula. Promulgada há dez anos, a lei 10.639, que determina o ensino da cultura afro-brasileira, esbarra na falta de capacitação dos professores e até no racismo velado que permeia a sociedade, segundo apurou a reportagem da BBC Brasil. Mas há avanços.
 
Hoje com 19 anos, Michael Sodré é mais um estudante tenso com as provas do vestibular. Nos primeiros anos do colégio, no entanto, o motivo de tensão era outro. Único garoto negro em sua sala de aula, em um famoso colégio de elite na zona sul do Rio de Janeiro, o menino era alvo frequente de bullying por parte dos colegas.

 
“Chamavam ele de Bombril por causa do cabelo”, disse a mãe adotiva, Celina Sodré. Em uma conversa dura com a coordenadora da escola, o diálogo acabou em uma recomendação insólita:
 
“Ela simplesmente me disse que a solução do problema era que meu filho fosse estudar na escola pública, porque ai ele saberia onde era o seu lugar”.
 
Cenas de bullying por parte dos colegas e racismo por parte do próprio sistema se reproduzem em escolas de todo o Brasil. Mais de um século após o fim da escravidão, o país que mais recebeu trabalhadores negros ainda trata esses cidadãos como se fossem subalternos, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.
 
A lei 10.639, promulgada em 2003, foi criada justamente com o intuito de valorizar as raízes africanas do país e superar o racismo.
 
“É preciso superar a visão do negro apenas como escravo. É assim que ele geralmente aparece nos livros escolares”, conta Rafael Ferreira da Silva, Coordenador do Núcleo de Educação Étnico-Racial da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.
 
A prefeitura paulistana fez neste ano um levantamento inédito na rede de ensino da cidade para ver o alcance da aplicação da lei.
 
“O levantamento mostrou que há avanços. Mais da metade das escolas trabalham o tema. Mas na maior parte dos casos, é geralmente iniciativa isolada de um professor que gosta do tema. E também há o problema da descontinuidade. Se o professor deixa a escola, muitas vezes o assunto deixa de ser abordado”, disse.
 
Mitos aceitos e mitos ocultos
 
“Discutir África não é coisa fácil nas escolas”, diz Stela Guedes Caputo, pesquisadora do tema e professora na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
 
Além dos casos concretos de preconceito registrados em sala de aula, ela diz que quando a lei é cumprida, há casos em que “pais se reúnem com os filhos e vão à escola questionar e criticar professores que querem discutir a história da África”.
 
Stela também questiona a ausência de elementos de origem afro nos livros escolares. A questão se torna especialmente delicada quando se tratam de personagens ligados às religiões afro-brasileiras.
Nesse caso, a ocultação desse capítulo da cultura nacional não é apenas prerrogativa das escolas. Em muitos casos, as próprias crianças escondem a religiosidade para não sofrerem preconceito por parte dos colegas.
 
“Os mitos que as crianças aprendem nos terreiros de candomblé não são aceitos na escola, os itans (os mitos da cultura iorubá), as histórias africanas que conhecem, são das mais belas criações literárias humanas e elas precisam escondê-las. Seu conhecimento é negado. Porque na escola é tão comum mitos gregos, romanos e outros, e mitos africanos são demonizados?”, questiona.
 
Avanço
 
Editais do MEC exigem que livros didáticos tenham conteúdo sobre a história afro-brasileira
Professora de formação, Macaé Maria Evaristo do Santos conta que há mais de dez anos, quando ainda dava aula em um colégio de Belo Horizonte (MG), a visiblidade da cultura afro-brasileira era bem menor.
“Uma vez cheguei em uma sala do Ensino Médio e perguntei aos alunos quantos haviam lido um livro com personagens negros. Alguns levantaram a mão. Depois de mais de dez anos de escolaridade, eles citaram a Tia Nastácia, o Saci Pererê, o Negrinho do Pastoreio… Nem Zumbi dos Palmares fazia parte do repertório”, conta.
 
Macaé hoje é Secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (MEC). Uma década após a promulgação da lei, ela ainda vê desafios, mas comemora os resultados.
 
“Essa é uma temática que vai ganhando relevância. Antes só se falava nisso no Dia da Consciência Negra. Aos poucos vai se integrando no projeto pedagógico das escolas”, diz.
A secretária conta que em 2012, o curso mais solicitado pelos diretores de escolas do país na Rede Nacional de Formação Continuada do MEC foi justamente o que capacita professores para o ensino de cultura afro-brasileira.
 
Na última década, os editais para o desenvolvimento de livros didáticos financiados pelo MEC também exigem esse conteúdo.
Luis Nassif

8 Comentários

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  1. A galera nao ta aprendendo

    A galera nao ta aprendendo nem portugues e matematica que dira materias enfiadas goela abaixo para satisfazer grupos racialistas… rs

     

  2. na vida nada é muito fácil fácil…

    … aprender matemática, ciência físico-química, biodiversidade, também, não é coisa fácil

    nas escolas

    discutir então nem pensar: falta educação filosófica e proficiência na linguagem escrita e

    na leitura do mundo

  3. A coordenadora tinha razão

    “”Ela simplesmente me disse que a solução do problema era que meu filho fosse estudar na escola pública, porque ai ele saberia onde era o seu lugar”.”

    Eu entendo a indignação da mãe, mas tirei meu filho branco da escola privada e cara exatamente pelo mesmo motivo.

    A escola pública coloca todo mundo no mesmo lugar.

    Bom ou ruim, mas igual.

    O melhor jeito de defendê-la é ocupa-la.

     

     

  4. Nem Chico Xavier psicografaria Barbosa tão bem

    Do Conversa Afiada

    Publicado em 20/11/2013

    LUIZ PAULO, BARBOSA 
    E A CONSCIÊNCIA NEGRA

    “Barbosa não se perdeu em meio às armadilhas plantadas pelo racismo? Penso que sim”.

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    Luiz Paulo e Barbosa: a violação da presunção de inocência enche a cadeia de negros

     

     

     

    Por sugestão de Marcos Rezende, o Conversa Afiada publica artigo de Luiz Paulo Bastos, advogado do CEN, Coletivo de Entidades Negras:

     

    20 DE NOVEMBRO: O DIÁLOGO ENTRE JOAQUIM BARBOSA, UM JOVEM NEGRO E AS ARMADILHAS DO RACISMO

    O racismo age das formas mais cruéis que podem existir. Lembro-me quando estudante de nível médio de uma das melhores escolas da rede particular de Salvador. Negros na minha turma somavam três, em um universo de 45 alunos. Era difícil conviver com o racismo velado pela elite que compunha aquele quadro de alunos. Ouvia algumas falas que me causavam indignação, a qual eu mesmo cuidava de reprimir, em um silencio que calava e ocultava muito mais do que a minha voz; aquele silêncio abafava a minha dignidade.

    Àquela época, eu começava a perceber o quão difícil seria admitir o posicionamento político de me assumir negro dentro de uma sociedade racista. As piadas racistas me corroíam a alma com uma impiedade sem tamanho. Mas o pior não era ouvi-las, era ter que aceita-las por medo das represálias, da exclusão, do abandono, da solidão… Sim, passei muito tempo sem a coragem de assumir a minha identidade étnica, comungando com os padrões eurocêntricos que me eram impostos. Em troca da falsa aceitação de alguns camuflei muito do meu eu, escondi o descendente de pessoas escravizadas que trago em mim, ocultei as principais características demonstradas pelo povo negro ao longo da história brasileira: resistência e capacidade de reconstruir.

    Mas a negritude não se permite esconder por muito tempo. Ela grita e invade sem pedir licença. Não! Não é por falta de educação. É pela necessidade de não se adequar às realidades (im)postas pela ideologia racista que se pretende predominante.  Mas qual o porquê de remontar essa trajetória agora? Seria uma necessidade de valorização ou de piedade? Piedade nunca! Mas devo confessar que valorização talvez possa se encaixar neste relato. Sei do valor que trago em mim, assim como reconheço o valor dos meus pares. Porém, algumas ações ainda se fazem necessárias para que a sociedade brasileira passe a reconhecer e valorizar a população negra. Logo, a tentativa de valorização é cabida. 

    Contudo, a ideia deste relato foi traçar um paralelo com uma outra história. A história de uma pessoa negra, em um universo de onze indivíduos. Onze indivíduos que representam a alta cúpula do Poder Judiciário do Brasil. Onze Ministros que têm em suas mãos o poder de proferir a última decisão em processos judiciais. Onze Ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal! Falamos de Joaquim Barbosa, o primeiro Ministro negro do Supremo Tribunal Federal. Quando falamos desta forma pensamos na quebra de um paradigma, o que de fato ocorreu. Foi ele o primeiro Ministro Negro. Mas se pensarmos que o Brasil tem a sua população composta por 51% de negros e que, de maneira inversamente proporcional, possui apenas um Ministro que representa esta parcela étnica em um universo de onze começamos a observar que o racismo também está instalado naquele espaço de poder, desde a sua composição.

    Imagino que, assim como eu quando era estudante de nível médio, Barbosa tenha se rendido aos caprichos de uma elite dominante, sob o pretexto de ser aceito enquanto Ministro, de ser aquele que mostra serviço, aquele que, como ele mesmo diz, não faz “chicana”, aquele que parte significativa da população brasileira considera como herói, aquele que pune, que manda prender pela enganosa sensação de justiça das prisões. Será que, assim como eu quando adolescente, Barbosa não se perdeu em meio às armadilhas plantadas pelo racismo? Penso que sim e passo dizer os porquês.

    Quando do julgamento a Ação Penal 470, rotulada de processo do mensalão, Joaquim Barbosa esqueceu que a maioria da população carcerária do Brasil é composta por negros. E que esta realidade se apresenta como consequência de um longo, injusto e ainda atual processo de negação do povo negro. Incialmente escravizados e, quando libertos, considerados vadios, o negro sofreu um fenômeno de criminalização histórico. Prova disto é que os únicos índices que continham dados estatísticos da população negra se davam por meio dos boletins policiais, o que, somado à ausência de vontade política de construir ações voltadas para este segmento populacional, impossibilitou a construção de programas que garantissem a vida em condição de dignidade para a população negra. Mas o que o julgamento do “mensalão” tem a ver com o povo negro?

    Aliada ao processo de criminalização, ou melhor, entranhada no processo de criminalização, a violação da “presunção da inocência” se constituía e se constitui como o principal fator do grande número de negros, em sua maioria jovens, compondo a população carcerária. Para a sociedade nascemos culpados e devemos nos esforçar para provar a nossa inocência. Qualquer decisão que condene réus, ainda mais privando-os da liberdade, sem provas capazes de comprovar a veracidade das acusações fortalece o racismo entranhado na nossa sociedade, uma vez que cria precedente para que aqueles que são historicamente criminalizados sejam formalmente condenados. 

    Quando o Ministro Joaquim Barbosa, na Ação Penal 470, carrega a bandeira da condenação arbitrária, sem provas, em total desrespeito à presunção da inocência, condenando homens e mulheres, dentre eles homens que contribuíram genuinamente para a redução das desigualdades sociais e regionais deste país, ele anuncia o risco a que os negros brasileiros estão submetidos. O risco de serem condenados sem qualquer parâmetro de justiça e de razoabilidade, condenados única e exclusivamente pela lógica do racismo.

    Sei o quanto é difícil se sentir sozinho Joaquim. Ser voto dissonante não apenas entre onze Ministros, mas perante significativa parcela da população que, doutrinada na perspectiva big house, acredita na veracidade das mentiras repetidas por meio da arma de destruição em massa que camufla a sua perversidade pela sonoridade de um doce “plim plim”. Mas foi assim, por meio da dissonância, que se construíram os nossos heróis: Luiza Mahin; Zumbi; João Cândido, o Almirante Negro; e muitos outros. O poder da resistência se dava por meio da não aceitação da doutrina da elite branca, de carregar em si parte dos seus, do não se deixar levar no mar revolto de tubarões brancos.

    Não! Joaquim Barbosa não é o nosso herói. Os nossos heróis não tiveram dúvidas, não esqueceram os seus pares. Não se calaram como eu quando pressionados pela elite racista; não se renderam ao posicionamento das elites brancas direitistas. Mas Joaquim, também, não pode ser considerado o nosso algoz. A sensação da solidão muitas vezes nos trai e o racismo se utiliza destas artimanhas para fazer de nós instrumentos da nossa própria derrota. Cabe a Joaquim fugir da perspectiva da justiça universalista, que se apresenta com argumentos vazios, e que faz com o que os efeitos das decisões atinjam os segmentos mais vulnerabilizados. Mas a nós, negros, cabe o apoio aos nossos iguais para que sintam que o coração que pulsa por igualdade conta com outras milhões de batidas uníssonas pela dissonância que grita, no dia 20 de novembro, dia da consciência negra: “não ao racismo, de qualquer lado que ele se apresente”. 

    Luiz Paulo Bastos
    Advogado do Coletivo de Entidades Negras

     

  5. consciência

    Hoje com 19 anos, Michael Sodré é mais um estudante tenso com as provas do vestibular. Nos primeiros anos do colégio, no entanto, o motivo de tensão era outro. Único garoto negro em sua sala de aula, em um famoso colégio de elite na zona sul do Rio de Janeiro, o menino era alvo frequente de bullying por parte dos colegas.

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    “Chamavam ele de Bombril por causa do cabelo”, disse a mãe adotiva, Celina Sodré. Em uma conversa dura com a coordenadora da escola, o diálogo acabou em uma recomendação insólita:

    “Ela simplesmente me disse que a solução do problema era que meu filho fosse estudar na escola pública, porque ai ele saberia onde era o seu lugar”.

     

    http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/11/131118_educacao_negro_mm.shtml

  6. E há o problema da perseguiçao de alguns evangélicos

    Tenho uma grande amiga que fez um trabalho social na área de Parati, e me contou que a diretora de uma escola com que ela colaborou lhe disse que nem mesmo como conteúdo de Geografia a escola conseguia falar de África, porque os pais das crianças, evangélicos, diziam que a África era lugar do demônio. Simples assim. 

    1. Bom, a diretora deveria ser

      Bom, a diretora deveria ser afastada ou até mesmo demitida.

       

      Escola é coisa séria demais pra deixar carola influenciar. Se deixa, é incompetente.

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