Abdicando da soberania energética, por Maria Luiza Falcão Silva

O que estamos vendo agora na Europa são empresas europeias, que foram privatizadas, sendo reestatizadas. Primeiro foi na Inglaterra, e agora na Alemanha.

Torres de energia. | Foto: Agência Brasil

Abdicando da soberania energética

por Maria Luiza Falcão Silva

O governo alemão concordou na sexta-feira, 22 de julho de 2022, com um pacote de estabilização  para a Uniper visando manter o fornecimento de energia e afastar o caos no mercado da Europa. A Uniper é uma das maiores fornecedoras de gás natural da Alemanha e estava à beira da ruína financeira. A empresa é a maior importadora do país de gás russo, usado para abastecer a indústria, gerar eletricidade e aquecer residências.

Na verdade a Uniper é, praticamente, uma subsidiária da Fortum, empresa sediada na Finlândia, que  tem o governo finlandês como acionista majoritário. O pacote de estabilização compreende um aumento de capital de cerca de 267 milhões de euros, sob a forma de Bunds (Títulos do Tesouro alemão, semelhantes aos Títulos do Tesouro americano), o que assegurará ao governo alemão uma participação de, aproximadamente, 30 por cento de ações da Uniper. Como parte do resgate, o governo ampliou o crédito concedido à empresa de 2 para 9 bilhões de euros. O resgate da Uniper é o mais recente exemplo do nível de insegurança e estresse que a guerra na Ucrânia está causando nas economias europeias vizinhas.

É fato que a Alemanha está enfrentando sua pior crise energética em décadas, depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, em fevereiro, e Moscou reduziu a quantidade de gás que envia para a Europa. O aumento nos preços da energia derrubou o modelo de negócios da Uniper, que importava mais gás natural russo do que qualquer outra empresa na Alemanha. À medida que os custos disparavam, o governo alemão começou a se preocupar que o fracasso da empresa pudesse levar ao colapso de todo o sistema. Robert Habeck, ministro da economia da Alemanha, comparou esta crise com a forma como o Lehman Brothers desencadeou a crise financeira global de 2008. Na sexta-feira, ele disse que o governo não permitiria que uma empresa como a Uniper falisse e “arriscasse a segurança do fornecimento de energia da Alemanha”. (1)

O caso alemão imediatamente acende um sinal de alerta para a irresponsabilidade da equipe de Guedes com relação ao tema das privatizações, em geral, e de empresas do setor energético, de forma especial.

Para países capitalistas desenvolvidos, como os Estados Unidos, o sistema federal elétrico é uma questão de segurança nacional. Para a China, nem se fala, predominam as empresas estatais.

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O que estamos vendo agora na Europa são empresas europeias, que foram privatizadas, sendo reestatizadas. Primeiro foi na Inglaterra, e agora na Alemanha. Parece que os governos europeus acordaram.

No Brasil do atraso, do posto Ipiranga, do ministro Paulo Guedes e de sua equipe de farfalhões, o que vemos é o trajeto inverso. Com a Medida Provisória 1.031/21, a Eletrobrás foi desestatizada. O governo deixou de ser o acionista majoritário ao promover a capitalização da empresa, em bolsas de valores, concluída no dia 14 de junho desse ano. Estamos na contramão do resto do mundo. A Eletrobras é a maior companhia do setor elétrico da América Latina. Não estava em “ruína financeira” como a Uniper. Em 2020, teve receita operacional líquida de R$ 29,08 bilhões e lucro líquido de R$ 6,34 bilhões. Em 2021, com a desaceleração motivada pela pandemia da Covid-19 houve uma pequena queda, um lucro líquido de R$ 5,7 bilhões. A Eletrobrás é absolutamente estratégica: responsável por cerca de um terço da energia elétrica do Brasil e quase metade das linhas de transmissão que cortam o território nacional. Detém, atualmente, 43% das linhas de transmissão do país, num total de 76.230 km. Entregar esse patrimônio é absolutamente inadmissível. (2)

A tática para a Petrobras é semelhante. Distribuem como dividendos grande parte do lucro auferido com o aumento do preço do petróleo no mercado internacional, e vão destruindo a empresa na medida em que investem pouco e não ampliam sua capacidade de produção. Vão matando a empresa devagar e entregando o pré-sal – considerada a maior reserva do mundo de petróleo off-shore – para estrangeiros.

Sem dúvidas há um projeto de desmonte em curso, comprometendo a soberania energética brasileira. Mais uma vez estamos abdicando do desenvolvimento autônomo, em favor da dependência externa. A vitória de Lula será decisiva para reverter esse quadro. A permanência de Bolsonaro o tornará irreversível.

Notas:

Maria Luiza Falcão Silva é economista (UFBa), MSc pela Universidade de Wisconsin – Madison; PhD pela Universidade de Heriot-Watt, Escócia. É pesquisadora nas áreas de economia internacional, economia monetária e financeira e desenvolvimento. É membro da ABED. Integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange-Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies: Recent experiences of selected developing Latin American economies, Ashgate, England/USA. 

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Redação

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  1. A Alemanha sabe que sem energia não existe economia competitiva e muito menos ainda, progresso e desenvolvimento. A oferta condizente de energia mantém o alcance de médio e longo prazos para projetos e investimentos, sobretudo nos países em desenvolvimento. A Europa paga caro pela não interferência na questão Russo/Ucraniana, ter evitado o conflito seria mais interessante. Países melhor organizados como a Alemanha carregam condições de interferência. O que acontece no setor de telefonia é exemplo do que se estabelece quando somente o interesse privado prevalece; as coisas só funcionam onde é vantajoso, sendo as operadoras campeãs de reclamações por parte dos clientes físicos e jurídicos. Ao abrir mão de certas vantagens em questões estratégias e de abrangência o País pode se arrepender, ficando em desvantagem na promoção do seu desenvolvimento. Essa paralisia em relação ao crescimento e a falta de dinamismo na economia facilita a opção de decidir privatizar. Quando o País busca um ritmo de crescimento maior, escolhas incertas tem menos facilidade de ocorrer. Baixa atividade econômica, sem ampliação da riqueza, reduz a arrecadação privada e também a pública diminuindo os investimentos, não necessariamente a necessidade deles. Esse empobrecimento da sociedade brasileira não é interessante para ninguém, a superação desse fator é urgente para o País. Colocar a imaginação para criar soluções adequadas, utilizando as capacidades que o País possui é imprescindível.

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