Brasil + Argentina = Prosperidade V, por Luiz Alberto Melchert

A integração das economias do Mercosul pode ser positiva para enfrentar os desafios da economia tradicional e na transição energética.

Brasil + Argentina = Prosperidade V

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Não existe vantagem comparativa ou competitiva que dure para sempre. A teoria da inovação, que teve Schumpeter como maior expoente, mostra que algo só se pode considerar como inovação ao se popularizar. É justamente com a massificação do emprego de um bem que ele se torna estável tecnologicamente e que a cadeia de produção se pode considerar estabelecida. Isso aconteceu com o automóvel, que é o bem mais complexo produzido em grande escala, mas pode acontecer com serviços, como é o caso da Internet, que revolucionou a forma como se divulgam e distribuem outros bens ou serviços, levando a economia a outro patamar.

A crença na perenidade das vantagens comparativas e competitivas pode quebrar negócios e até países. A agropecuária é um exemplo disso. A proliferação de institutos de pesquisas, como a brasileira Embrapa[1] e a argentina INTA[2] levou a produção agrícola para lugares inimagináveis, entre eles o Cerrado. Isso levou o Brasil aos píncaros da economia agrícola. A crença em que essa pujança vai durar para sempre pode ser também a maior ameaça aos agronegócios do país. Assim como aconteceu com a Argentina e foi estudado em capítulo anterior, aos poucos, seu poder de monopólio pode escorrer por entre os dedos de nossos empresários agrícolas, como já aconteceu com o café.

Hoje, investem-se bilhões de dólares no plantio de milho e soja no leste da África, mais notadamente no Quênia e Tanzânia, onde o clima e a morfologia são muito semelhantes ao do nosso cerrado e está a meio caminho do Oriente, que é o maior mercado consumidor, superando 30% da população mundial. Além disso, a região conta com o lago Tanganica, o mais profundo do mundo, capaz de prover milhões de hectares em irrigação. Já há um rio artificial de 1.400 km, levando água para o norte da China, além de dois outros em construção. O mesmo acontece com o Egito, onde se está construindo um rio ligando a represa de Assuã ao Mar Vermelho, outro servindo Etiópia e Somália a partir do Nilo Branco e um cruzando o Afeganistão. Na península Arábica, encontra-se um projeto saudita de 650 km até o Golfo Pérsico, além dos projetos dos Emirados Árabes Unidos e do Catar, que são viabilizados pela dessalinização do mar via usinas termelétricas a petróleo. Não nos podemos esquecer da transposição do S. Francisco no Brasil. Resumindo, existe uma corrida mundial pela internalização da produção de alimentos. Além de disseminar a nossa tecnologia mundo a fora essa corrida pode mudar a face da Terra com consequências climáticas imprevisíveis. Previsível é que a participação do Mercosul nos agronegócios mundiais tende a cair, tanto em volume quanto em preço.

Ao mesmo tempo, a região vê minguar a indústria automobilística, cuja cadeia de suprimentos é a mais diversificada e que viabiliza muitas outras, principalmente a de implementos agrícolas e tratores. Em condições normais de temperatura e pressão, a região pode produzir mais de cinco milhões de veículos ao ano, mas hoje pouco ultrapassa os três milhões, menos de 5% da produção mundial. Em parte, isso se deve à década perdida no Brasil, à instabilidade monetária na Argentina e, principalmente, ao protecionismo do país vizinho. É preciso ter em mente que, com produção semelhante a da Argentina em quantidade, a indústria de automóveis australiana foi extinta em 2016.

Todos os investimentos agrícolas em âmbito mundial são uma seriíssima ameaça para uma região que possui aproximadamente duzentos e sessenta milhões de habitantes, mais de 11 km² milhões e um PIB PPC[3] beirando os US$5,00 trilhões. A região supera o Japão em PIB, a China em área e a Indonésia em população, só que os principais jogadores do Mercosul não se dão conta disso, a ponto de, num rasgo de autodepreciação, Ricardo Semler chamar o bloco de “Unión de Los Pobrecitos”.

A integração das economias do Mercosul parece ser muito positiva para enfrentar os desafios que se nos apresentam na economia tradicional e na transição energética. A partir da insolação no Nordeste e do lítio da Argentina e da Bolívia, bem como da abundância do grafite (origem do grafeno), entre outras matérias-primas, o Mercosul pode construir uma indústria vibrante e inovadora. Alguns passos corajosos têm que ser dados, como a unificação das moedas e a extinção do protecionismo, além da fidelidade na negociação em bloco. Todos esses passos, porém, dependem de um pontapé inicial, que é o autoconhecimento. Ao mesmo tempo em que a Argentina precisa abandonar a busca pelo passado glorioso, que nunca existiu, o Brasil precisa deixar de crer que é o país do futuro.


[1] Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.

[2] Instituto Nacional de Tecnologia Agrícola.

[3] Paridade do Poder de Compra.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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