Brasil + Argentina = Prosperidade IV, por Luiz Alberto Melchert

A imigração do fim do século XIX e primeiro quartel do XX mudou a face dos dois países pois trouxe expertise e mão de obra abundante.

Brasil + Argentina = Prosperidade IV

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Ao contrário da Argentina, cuja economia era eminentemente agrícola de subsistência, o Brasil nasceu pelas mãos da indústria, por chocante que possa parecer. É que o açúcar sempre dependeu de processamento. A cana não podia ser exportada crua para ser processada numa economia central porque, depois de doze horas após colhida, entra em fermentação e o aproveitamento do açúcar cai abruptamente. Por causa disso, só floresceram as capitanias nordestinas, em que os donatários conseguiram replicar um modelo industrial e, para a época, dependente de significativo capital. É que um engenho custava mais caro do que uma caravela e dependia de investimento em matéria-prima. O que mais caracteriza um engenho como indústria é a sujeição do Homem ao ritmo da máquina.

A economia do açúcar criou indústria intermediária, como a da caixaria, de implementos agrícolas e de material rodante para manter o funcionamento dos engenhos. Além disso, dado à sazonalidade da atividade, havia um período de ociosidade da mão de obra escravizada, que era empregada em atividades urbanas como a construção civil.

Fora do Nordeste, que incluía a Bahia, a exceção foi a Capitania de S. Vicente, cuja atividade principal era fornecer mão de obra escravizada para trabalhar na indústria do açúcar e adjacentes. Claro que não se pode deixar de citar a construção naval e a indústria da cachaça, que floresceram no Rio de Janeiro, chegando a produzir o maior galeão do mundo para o século XVII, o Padre Eterno.

Essa industrialização embrionária só não se expandiu em volume e diversidade por causa do monopólio colonial. Por conta da ascensão de Marquês de Pombal, que tentou replicar o modelo colonial inglês, impediu-se, entre outras coisas, a tecelagem de qualidade, restringindo-se aos panos destinados à vestimenta dos escravos e à sacaria. A intenção era criar, no Brasil, mercado cativo para a nascente indústria portuguesa.

Pombal também proibiu qualquer tipo de imprensa e colocou milicianos para lecionar nas escolas tomadas dos jesuítas. Isso impediu qualquer tipo de avanço tecnológico, o que redundou na estagnação da indústria pré-existente.

Enquanto isso, a Argentina continuava suprindo víveres para a exploração da prata na Bolívia e para os navios que se dirigiam à Europa, sempre a partir de Buenos Aires. Claro que ela era mercado para os produtos espanhóis, mas essa restrição consciente ao desenvolvimento da indústria local não foi tão sentida quando no Brasil. É que a população era muito pequena e estava muito distante da metrópole, quase como se os argentinos tivessem sido largados à própria sorte. Prova disso é que a espanhola Carlota Joaquina, vivendo no Brasil durante as revoltas de independência da Argentina, pretendeu mudar-se para Buenos Aires a fim de estancar a sangria, não tendo apoio de seu marido, D. João VI, muito menos de seu irmão Fernando VII, então rei de Espanha.

Foi a partir da revolução da carne, estudada anteriormente, juntamente com a aceleração da imigração, que a indústria argentina tomou corpo e desenvolveu-se muito dinamicamente, abrangendo o couro e a lã, cuja qualidade tornou-se referência mundial.

A imigração do fim do século XIX e primeiro quartel do XX mudou a face dos dois países porque trouxe expertise juntamente com a mão de obra abundante. Brasil e Argentina experimentaram uma rápida industrialização voltada a bens de consumo, favorecida pela I Guerra que os deixou sem fornecimento de bens básicos, mais notadamente material de construção, ferroviário e peças de reposição para o crescente mercado de automóveis. Mais que um crescimento paralelo, foi um crescimento antagônico. Exemplos de protecionismo argentino era o fato de, até 10 de julho de 1945, a Argentina contar com mão inglesa, o que impedia que se exportassem automóveis para o Brasil e vice-versa. Outro exemplo desse protecionismo, até exclusivismo, industrial era o fato de a frequência da rede elétrica argentina ser de 50 hz, contra os 60 hz do Brasil, resguardando para si o mercado interno de eletrodomésticos, bem como  dos países adjacentes, Bolívia, Paraguai e Uruguai.

No pós-guerra, quando a Cepal estava em alta e o argentino Raul Prebisch era candidato ao Nobel de Economia, a tônica era a substituição de importações. Deu-se um fenômeno pouco estudado. Trata-se dos acordos do que se convencionou chamar de “cabeça de ponte” para o mercado sul-americano. As multinacionais fizeram acordos dignos da era dos impérios, que antecedeu a I Guerra. Fiat, Renault, Peugeot e Citroen acordaram que  não viriam para o Brasil, enquanto Mercedes e, Toyota e VW não iriam para a Argentina. Nem mesmo a Kaiser e a Willys, que produziam os mesmos modelos aqui e lá, eram sócias de alguma forma, tanto que a Willys foi adquirida pela Ford, enquanto a Kaiser pela Renault.

As coisas só começaram a mudar na segunda metade dos anos 1970, quando a Fiat driblou as restrições governamentais. Na Itália, comprou a Alfa Romeo, que vinha de adquirir a FNM. Isso ensejou a construção da fábrica de Betim. Ao mesmo tempo, a VW passou a montar alguns modelos refrigerados à água por lá, quebrando o trato nunca documentado, mas cumprido por mais de vinte anos. Esse tipo de abertura resultou na Autolatina, mas integração de fato, só a partir dos anos 1990, com a criação do Mercosul, mas isso fica para o capítulo final.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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