Notas sobre uma democracia mitigada, por Cesar Cardoso

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Notas sobre uma democracia mitigada, por Cesar Cardoso

Comentário ao post Xadrez dos novos tempos, da democracia em risco

Prólogo

1. Democracias mitigadas (democracias relativizadas, democracias de poucos ou democracias em que a única alternância no poder envolve pessoas e não ideias) não são novidade, aliás se olharmos historicamente são a regra. A democracia de massas com ampla disputa eleitoral é uma inovação do século XX, como uma resposta ao avanço do comunismo, da necessidade de trazer para o jogo político da democracia liberal amplos espectros que, de outra maneira, estariam envolvidos em partidos revolucionários à esquerda.

2. A democracia de massas funcionou muito bem num mundo em que os partidos majoritários mais ou menos concordavam em um mínimo. Mundo, este, que não existe mais.

3. O movimento de volta à democracia mitigada surge como resposta ao fato de que, num mundo com a renda cada vez mais concentrada, os eleitores estão votando em partidos dos extremos do espectro político e em partidos que se colocam de fora dos “grandes acordos”.

4. O movimento de refluxo da democracia de massas não é exclusivo do Brasil; este post do MetaFiltertraz gritos de conservadores contra o plebiscito do Brexit e o Trumpismo (“não podemos deixar tanto poder na mão da plebe ignara”) e respostas à esquerda.

(Sim, eu sei que no item 4 tem muita da questão da volta do nacionalismo e do Estado-Nação como contraponto à globalização, mas enfim)

A democracia mitigada brasileira do século XXI

Quem leu alguns dos últimos xadrezes do Nassif já entendeu de um dos vetores da democracia mitigada; a “elite do Estado”, as carreiras que, sem controle social algum, se consideram portadoras de uma excepcionalidade advinda da meritocracia (hahaha) como derivada da admissão dos concursos públicos (hahahahaha). Com um braço político ativo, o PSDB, esta casta tenta criar uma democracia em que, além de seu poder não ser questionado, mantenha as disputas políticas em temas irrelevantes, sem que ninguém toque na base da opinião econômica deles, de que o brasileiro é corrupto e que para qualquer coisa além de fazer 2+2 devemos receber ordens de um amer…er…estrangeiro.

Por outro lado, há a tentativa do Centrão, da “camarilha dos 6”, de também criarem uma democracia mitigada; no caso, para garantir que não só poderão continuar a fazer o que sempre fizeram, mas também de que não serão incomodados. E de que qualquer um que queira empreender no Brasil deverá passar pelo pedágio deles.

Estes dois grupos já estão em luta. Se a delação da Odebrecht é a bomba de nêutrons da “elite do Estado”, podemos ter certeza que a “camarilha dos 6” está preparando alguma resposta nuclear – na surdina, como eles sempre atuam.

O fiel da balança? Sim, eles mesmos, os militares.

A repressão aos de fora

A democracia mitigada, para funcionar, conta com algum tipo de repressão aos que estão de fora/não aceitam este tipo de arranjo; logo, a repressão à liberdade de expressão, aos movimentos sociais, à liberdade na internet se torna inevitável.

Olho em um item: a desculpa universal para qualquer repressão e perda de direitos no Ocidente, o “fantasma do terrorismo”. A primeira trombeta foi tocada com os tais 500 mil suspeitos de terrorismo anunciadas com pompa pelo ministro da Defesa.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  1. A propósito do “fantasma do terrorismo”

    É absolutamente óbvio que os golpistas têm um plano B (golpe propriamente dito) caso venham a fracassar em seu plano A (o golpe institucional ora em curso).

    Calendário:

    A votação final do impeachment no Senado está prevista para a última semana de agosto.

    As olimpíadas acabam no dia 21 de agosto.

    Lá por meados de agosto, se os golpistas avaliarem que possam perder no Senado, serão grandes as chances de um atentado terrorista “false flag” (plantado) atingindo espectadores dos jogos. Que servirá como álibi para justificar a ruptura definitiva com o regime democrático.

     

  2. Notas sobre uma democracia mitigada

    Acho que é por aí mesmo.

    O encaixe das peças é perfeito para a formação do quadro.

    Talvez a inserção da “globalização” a reunir pontos esparsos numa só narrativa pudesse ser feita.

    1. O fiel da balança

      Então cabe uma dúvida, quase shakespearena.

      O que seria para o Brasil a sua democracia em formação, ou deformação ?

      – uma nova ditadura militar, nacionalista e desenvolvimentista, se assim for a hipótese, ou

      – um governo conservador e entreguista visando colocar um Brasil reduzido a reboque de potência estrangeira ? Isso é uma certeza com os “ministros” e seu “presidente”.

      O militares falam em garantir a Constituição. Seria uma questão semântica o golpe, nesse caso ou não vem ao caso ?

      A volta de Dilma seria possível nesse “garantir a Constituição” ?

      Dúvidas, tudo dúvidas.

      O futuro é opaco mas espero verde e amarelo após a opacidade.

  3. Quando todos os partidos há

    Quando todos os partidos há muito tempo são corruptos, uns mais outros menos, infelizmente a valvula de escape é o terrorismo, de todo lado.

  4. O entrave desse século.

    O grande problema, que aliás é recorrente, é denunciar que o modelo que conhecemos por democrático já não se encaixa na fluidez capitalista e nos interesses das corporações transnacionais.

    Por mais assustador que pareça, o único grito anticapitalista que surge como antagonista a hegemonia de ideias são atos terroristas.

    Como renunciar a um modelo que não mais encaixa a disputa pelo poder, sem abrir espaço para a violência autoritária?

    Seja na Inglaterra do Brexit, nas “riots” dos EUA, na “queda da Bastilha de Nice”, na “limpeza síria”, ou no etnocídio brasileiro praticado sob o silêncio cúmplice da mesma classe mé(r)dia e mídia embala o golpe, tudo parece uma permanente corrida do cão atrás do rabo.

    E o pior é que boa parte da concepção da esquerda sobre si mesma repousa nessa noção de Democracia que não mais a aceita como parte do jogo, ainda que essa esquerda aceite jogar pelas regras estabelecidas.

    Quanto pior…pior…

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