Portugal: direita volver!, por Carlos Vianna

A nota marcante e triste da noite eleitoral foi o crescimento enorme do partido de extrema-direita, de nome CHEGA, com 18% dos votos válidos

Foto: fundador do partido – Pedro Rocha / Perfil Brasil

Portugal: direita volver!

por Carlos Vianna

Os eleitores portugueses votaram majoritariamente à direita nas eleições legislativas, que decidem quem vai governar neste país de regime parlamentarista. A nota marcante e triste da noite eleitoral foi o crescimento enorme do partido de extrema-direita, de nome CHEGA, com 18% dos votos válidos e que quadruplicou sua bancada parlamentar de 12 para 48 deputados. Ainda falta a contagem dos votos dos eleitores de fora de Portugal, que elegem 4 deputados, dos 230 que compõem a Assembleia da República unicameral.

Na campanha, o CHEGA veiculou com orgulho o apoio explícito de Bolsonaro e outros líderes extremistas europeus como o espanhol Abascal do VOX. Está tudo dito sobre qual é a matriz ideológica do CHEGA, um misto de populismo irresponsável, uma demagogia com promessas sem limites para tudo e todos e boas doses de racismo, xenofobia e segurantismo. Para não falar dos saudosos de Salazar e dos tempos do fascismo.

O vencedor PSD, centro-direita e europeísta, coligado com o CDS, na chamada AD -AçãoDemocrática, obteve à tangente o primeiro lugar, na frente do Partido Socialista apenas por dois deputados, provavelmente. A confirmar em uma semana.

Na  campanha o PSD assegurou que não fará acordo de qualquer natureza com o CHEGA, repetindo o mote feminista “NÃO É NÃO”. Com isto só poderá formar um governo sem maioria absoluta na Assembleia da República, pois só terá o apoio de mais 8 deputados da Iniciativa Liberal, os fãs do mais extremado capitalismo liberal.

Num regime parlamentarista, é difícil governar sem ter maioria absoluta na Assembleia da República, pois os demais partidos podem derrubar o governo com voto de rejeição ou ao não aprovar o Orçamento, peça central da governação. 

Em Portugal existe fidelidade partidária, isto é, os eleitores votam em partidos e não em nomes individuais e, na Assembleia,os partidos votam em bloco nas votações de leis ou outras medidas. Não é a confusão do Brasil. É tudo mais previsível e sem distribuição de benesses.

Os cenários governativos ainda estão por se acertar, mas o CHEGA insiste numa hipótese pouco provável, a de participar no governo coligado ao PSD, garantindo assim a maioria absoluta e a estabilidade governativa. Em outros países europeus como na Suécia e Holanda, tal solução ocorreu, isto é a extrema-direita participa nos governos. Na Hungria, a extrema-direita está no poder e na Polônia esteve até o ano passado.há vários anos. Mas aqui o centro-direita rejeita categoricamente unir-se ao CHEGA e aposta num governo minoritário com uma provável aliança com os liberais.

Portugal teve seis anos ininterruptos de 2 governos do Partido Socialista, de 2015 a 2019, quando foi reeleito com maioria relativa de novo. Até 2021, ainda com apoio no Parlamento, mas sem participação direta no governo, dos aliados Bloco de Esquerda- BE e Partido Comunista Português- PCP. Em 2021 esta aliança se rompeu e estes dois partidos juntaram seus votos à oposição das direitas e votaram contra a proposta de orçamento para 2022 apresentada pelo governo do Partido Socialista. Esta rejeição fez o governo cair por decisão do Presidente Marcelo Rebelo de Souza, que atua como uma espécie de árbitro quando há impasses no Legislativo. Convocadas novas eleições no início de 2022, o PS passa a ter a maioria absoluta de deputados na AR e os partidos de esquerda vêem sua representação cair a pique. O BE passa de 19 a 5 deputados e o PCP de 12 a 6. Muitos eleitores de esquerda transferiram seus votos destes partidos, mais ideológicos, para o PS, de centro-esquerda, de modo a garantir estabilidade governativa. Estabilidade é um conceito chave na política portuguesa. Nestas eleições de 2022 o CHEGA passa de 1 a 12 deputados e terá uma presença ruidosa no Parlamento e na comunicação social, um pouco ao estilo dos bolsonaristas, trumpistas e mileisistas.

Nos anos de 2022 e 2023 ocorre um conjunto de erros de governação e de “casos e casinhos” que desgastam o prestígio e a força política do PS, culminando com a renúncia abrupta do Primeiro-Ministro António Costa, ao ser incluído num inquérito de eventual favorecimento de empresas privadas pelo Estado, conduzido pela Procuradoria Geral da República. Qualquer semelhança com a interferência do Judiciário na política, como abusada no Brasil, não é mera coincidência. O chefe do governo não aceitou ver seu nome incluído num parágrafo final de muito ambígua redação, de autoria da  Sra.Procuradora-Geral. Renunciou horas depois de vindo a público tal comunicado sobre os inquéritos abertos. Dois meses depois, em fevereiro, o juiz de Instrução do processo que investiga os eventuais favorecimentos e ações de “lobbies” opina que “nada há contra António Costa. Tal como no Brasil, o Judiciário faz História. Mas o leite estava derramado e o Presidente Marcelo convoca novas eleições, apesar de o PS ter maioria no Parlamento e poder, assim, legal e legitimamente, organizar um novo governo. Assim foi proposto ao Presidente, mas este tem o poder de dissolver a Assembleia da República em qualquer momento (poder aqui chamado de “bomba atômica”). Não é alheio à sua decisão o desgaste acumulado na relação da Presidência com o governo, situação esta acirrada quando o Presidente pediu que o governo despedisse um ministro e não foi atendido. Apesar do regime ser parlamentarista, isto é o Presidente eleito por voto direto não governa, Marcelo Rebelo de Souza notabilizou-se nos seus dois mandatos por tentar interferir por diversas vezes na governação e até nos movimentos sociais. É de se assinalar que ele é de centro-direita, foi presidente do PSD e não ficaria triste se este retomasse o governo nas eleições, o que veio a verificar-se neste 10 de março passado. Ganhou por “poucochinho”, por uma “unha negra”, mas ganhou. Devido a isto, governará numa situação de instabilidade, quão instável ainda não sabemos. Muito vai depender da ação do CHEGA, o grande ganhador da noite, apesar de ter ficado em terceiro lugar. Já em novembro deste ano, o novo governo ainda em tratativas iniciais, terá que apresentar o orçamento para 2025. O PS já anunciou que votará contra e o novo governo ficará na dependência do CHEGA, que quer co-governar mas é rejeitado pelo PSD. Se votar contra, o governo cai e a instabilidade, aqui chamada de “pântano, toma conta do cenário político. Seria a quarta eleição em cinco anos e os eleitores não gostam disto, gostam de estabilidade. Por não gostar da instabilidade, castigaram duramente em 2022 os partidos de esquerda que deixaram de apoiar o Partido Socialista, na votação do orçamento, em novembro de 2021. E mantiveram este castigo em 10 de março último,Por não gostar da instabilidade, hoje há um certo consenso em Portugal que o Presidente Marcelo contribuiu negativamente nestes últimos anos, com a convocação de duas eleições não programadas. Igualmente, contribuiu com a sua verve “opiniática”, sempre a “picar” o governo e a avivar o “fogo” das disputas políticas.

Os tempos em muitos países são de crescimento das direitas, até das mais extremas. Como explicar fenômenos como Trump e Bolsonaro? Há muitos fatores como a influência das igrejas evangélicas, também presentes aqui em Portugal, a falência dos ideias socialistas, o culto ao individualismo, as novas formas de comunicação, o desgaste das fórmulas “democráticas”, que têm muito de “plutocracias” pelo poder do dinheiro e do distanciamento dos governos em relação ao cidadão comum. A dita “democracia” está em crise, é consensual.

Fica o espanto de  ver um país que eu julgava “vacinado” contra a extrema-direita, que sofreu quase 50 anos de ditadura salazarista, ideologicamente tão próxima do fascismo, a última potência colonial em África. Mas não, aí está o CHEGA com o mesmo discurso dos Orban, Le Pen e outros extremistas em vários países europeus.

Voltaremos nas próximas semanas às lições das eleições em Portugal, onde muitos brasileiros com cidadania portuguesa votaram. E onde um deputado de origem brasileira, negro, foi eleito nas listas de quem? Do CHEGA! Um imigrante ou ex-imigrante que apoia a xenofobia. Que tristeza!

Carlos Vianna – Co-fundador e ex-presidente da Casa do Brasil de Lisboa. Militante de esquerda desde 1967.

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