Observatorio de Geopolitica
O Observatório de Geopolítica do GGN tem como propósito analisar, de uma perspectiva crítica, a conjuntura internacional e os principais movimentos do Sistemas Mundial Moderno. Partimos do entendimento que o Sistema Internacional passa por profundas transformações estruturais, de caráter secular. E à partir desta compreensão se direcionam nossas contribuições no campo das Relações Internacionais, da Economia Política Internacional e da Geopolítica.
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A consolidação do eixo euro-asiático, por Valdir da Silva Bezerra

Para Putin assim como para Xi Jinping a promoção insidiosa de valores liberais pelos americanos e europeus ameaça a própria soberania dos Estados.

Reuters

A consolidação do eixo euro-asiático

por Valdir da Silva Bezerra

Do ponto de vista geopolítico, o século XXI será caracterizada pela consolidação do eixo Euro-Asiático (ou Eurásia) capitaneado por Moscou e Pequim de um lado e pelas tentativas espasmódicas dos Estados Unidos de impedir com que isso aconteça de outro; dado esse contexto, a Eurásia já escolheu claramente o seu caminho: o da oposição em princípio ao hegemonismo americano nas Relações Internacionais e à promoção ‘militarmente’ induzida de seu modelo de democracia liberal para outras partes do globo. Como premissa fundamental de suas relações bilaterais, China e Rússia decidiram defender a ‘pluralidade de sistemas de valores’ em oposição às agendas ideológicas Ocidentais de pretensões uniformizantes, que nada mais são do que uma manifestação clara de imperialismo cultural disfarçado de humanismo.

Para Putin assim como para Xi Jinping a promoção insidiosa de valores liberais pelos americanos e europeus ameaça a própria soberania dos Estados. No limite, tais valores são enxergados pela liderança russa e chinesa como um disfarce de ambições expansionistas, baseadas na propagação de padrões específicos de cultura e de comportamentos que contradizem as tradições e a história dos povos da Eurásia. Ao mesmo tempo, enquanto os Estados Unidos (e seus parceiros Ocidentais) continuarem a fomentar – através de suporte político e financeiro – movimentos de oposição aos governos que Washington considera como ‘indesejáveis’, China e Rússia continuarão atuando como garantes da estabilidade de regiões como a Ásia Central por exemplo, no intuito de consolidar a Eurásia como um polo de poder independente, capaz de fazer frente aos desafios impostos pela política de ‘regime change’ endossada pela Casa Branca.

Nesse sentido, não haverá Soft Power americano que seja capaz de ‘homogenizar’ condutas e atitudes políticas em torno das regiões de interesse de Rússia e China, cuja determinação em preservar suas posições como Grande Potência implicara justamente em políticas mais assertivas tanto no espaço pós-soviético como no Leste Asiático. Com efeito, a reafirmação de Moscou e de Pequim nos últimos tempos mostrou que a consolidação do eixo Euro-Asiático é uma questão não somente da sobrevivência da Eurásia como ente políptico autônomo, mas sim como da própria ‘multipolaridade’ no Sistema Internacional.  Trata-se de um levantar do ‘homem coletivo’ contra o ‘indivíduo atomizado’, das ‘tradições’ contra o esvaziamento do ‘materialismo’, da sabedoria milenar contra a presunçosa superioridade de quem possui apenas alguns poucos séculos de história.

 Isso não quer dizer que transformações sociais não venham a ocorrer na Eurásia. Elas têm lugar de ser, mas a seu tempo, no tempo de sociedades que enxergam o futuro no longo prazo e não baseadas simplesmente no ‘imediatismo’ típico dos ciclos eleitorais das democracias Ocidentais. Esse eixo Euro-Asiático representado por Rússia e China enfatizará a harmonia do indivíduo com o todo, com a sua família, com a sociedade à sua volta e por fim com o Estado.

Por fim, enquanto na Guerra Fria o principal antagonismo global se deu entre sistemas econômicos distintos, hoje esse antagonismo se baseia em diferentes proposições para o futuro das Relações Internacionais. De um lado, a tentativa de retomada do mundo unipolar encabeçada pelos americanos e contando com a ajuda dos europeus sobre sua proteção e do outro o despertar da multipolaridade representado pelas afirmações de China e Rússia como atores autônomos e independentes, cuja aproximação política promete não somente mudar o destino da própria Eurásia como também do próprio Sistema Internacional.

Valdir da Silva Bezerra – Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Estatal de São Petersburgo. Membro do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais sobre Ásia da Universidade de São Paulo (NUPRI-GEASIA). Pesquisador do Grupo de Estudos Sobre os BRICS da Universidade de São Paulo (GEBRICS-USP). Colaborador do Grupo de Estudos sobre a Rússia (PRORUS) da Universidade Federal de Santa Catarina.

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