Observatorio de Geopolitica
O Observatório de Geopolítica do GGN tem como propósito analisar, de uma perspectiva crítica, a conjuntura internacional e os principais movimentos do Sistemas Mundial Moderno. Partimos do entendimento que o Sistema Internacional passa por profundas transformações estruturais, de caráter secular. E à partir desta compreensão se direcionam nossas contribuições no campo das Relações Internacionais, da Economia Política Internacional e da Geopolítica.
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Brasil e China ou Lula e Xi Jinping e a economia-mundo capitalista, por Pedro Vieira

A recente visita do presidente Xi Jinping à Rússia expressa a autonomia chinesa no exercício de sua política externa

do Observatório de Geopolítica

Brasil e China ou Lula e Xi Jinping e a economia-mundo capitalista

por Pedro Vieira

A visita de Lula à China nos próximos dias nos convida a refletir sobre as condições em que nosso presidente e Xi Jinping se encontram, as quais vão, em última instância, determinar o que cada lado pode oferecer e conseguir nas negociações.  

Começaremos pela conjuntura da economia-mundo capitalista a cujo funcionamento China e Brasil estão inseparavelmente ligados. Um aspecto fundamental dessa conjuntura e que vai continuar determinando o futuro do sistema mundial nos próximos anos é o conflito EUA-China. É preciso ter em mente que se os EUA não aceitam ter concorrentes diretos nas dimensões políticas, econômicas, militares e tecnológicas, por seu lado a China não admite ser impedida de perseguir seus objetivos, que podem ser assim resumidos: continuar avançando para se equiparar aos países do centro da economia-mundo nas mesmas quatro áreas que os EUA querem continuar comandando e para tanto precisam, e estão decididos, a conter a China. Dado que os dois lados não devem mudar suas posições, sob várias formas (políticas, econômicas, tecnológicas e mesmo militares) o embate continuará e se constituirá no principal elemento definidor da geopolítica mundial nas décadas vindouras. As divergências dos dois países frente à guerra Rússia-Ucrânia é mais uma expressão desse “confronto estratégico”.  

A recente visita do presidente Xi Jinping à Rússia expressa a autonomia chinesa no exercício de sua política externa, autonomia que, além de ser um traço absolutamente essencial do Estado instituído a partir de 1949 pelo Partido Comunista Chinês (PCC), está amparada em uma economia que é a segunda do mundo e na liderança do PCC, a qual parece ter se consolidado com os avanços econômicos e tecnológicos conseguidos desde os anos 1980, quando o Partido decidiu que a China aproveitaria todas as oportunidades que a economia-mundo capitalista oferecia para desenvolver a economia chinesa. Os resultados todos conhecemos. De um dos países mais pobres do mundo, a China se transformou na segunda maior economia do globo e hoje é um polo de desenvolvimento científico e tecnológico que disputa com o Ocidente a liderança em vários segmentos, como trens de alta velocidade, inteligência artificial e telecomunicações, entre outros.  E Xi Jinping, que já está em seu terceiro mandato, de fato representa e fala em nome desse enorme poderio econômico-tecnológico-militar. 

E o Brasil e Lula nessa conjuntura? Em primeiro lugar, desde a década de 1980 – quando a China enveredou por uma trajetória de desenvolvimento econômico jamais vista, o Brasil abandonou o nacional desenvolvimentismo que o fez subir da periferia para semiperiferia e submeteu-se ao receituário liberal que demoniza o Estado e qualquer forma de nacionalismo. Desde então, as elites políticas e econômicas não conseguem definir uma estratégia de desenvolvimento que continue elevando a renda per capita e que diminua as vergonhosas desigualdades econômicas e sociais. A falta de rumo se expressa no fato de que governos liberais (Collor, FHC, Temer, Bolsonaro) e mais estatistas/desenvolvimentistas (Lula/Dilma/Lula) venham se intercalando desde os anos 1990 e a descontinuidade decorrente tem como consequências: 1) o Brasil, ao contrário da China, vem perdendo espaço na hierarquia mundial da riqueza e de poder; 2) o Estado brasileiro encontra-se politicamente dividido, financeiramente debilitado; 3) a economia brasileira se desindustrializa e depende muito da exportação de commodities agrícolas e minerais, porque não tem sido capaz de se articular às cadeias produtivas mundiais mais dinâmicas que giram em torno da microeletrônica; 4) carências econômico-sociais que demandam respostas imediatas do Estado.

Para enfrentar minimamente os desafios da realidade acima descrita, Lula precisa, em primeiro lugar, superar as adversidades que a conjuntura político-econômica brasileira iniciada com o golpe parlamentar de 2016 e magnificadas nos quatros anos de Bolsonaro criaram para as bandeiras políticas e econômicas da coalisão que o elegeu: desenvolvimento econômico com protagonismo do Estado e proteção social. Atualmente essas adversidades ou obstáculos são criados por um congresso majoritariamente conservador nos costumes e partidário de medidas político-econômicas liberais, no que é apoiado pela mídia corporativa (rádios, tvs, jornais) e pelas forças capitalistas pró-mercado e contrárias ao estado desenvolvimentista.

Esse conjunto de forças de oposição que historicamente sempre foi pró-EUA tende a desconfiar da China e a dificultar qualquer coisa parecida com a política externa ativa e altiva dos dois governos anteriores de Lula (2003-2010). As possibilidades (recursos abundantes proporcionados pelo boom das commodities que também redundaram em apoio político interno) de tal política e do protagonismo brasileiro na política mundial ficaram para trás e em apenas 3 meses na cadeira presencial Lula não teve tempo e nem condições para delinear sua política para com a China.

Portanto, o Lula que vai encontrar Xi Jinping é um presidente ainda inseguro, que não tem uma política para a China que conte com amplo apoio interno, e que não pode mobilizar os (minguados) recursos e o poder do Estado brasileiro para negociar questões mais estratégicas, como transferência de tecnologias de ponta e grandes projetos de infraestrutura, que exigem um planejamento de longo prazo e que dependeriam de contrapartidas brasileiras para além dos quatro anos de seu governo.

Os argumentos apresentados acima nos conduzem à seguinte conclusão: Lula e o Brasil não dispõem das condições para aproveitar o que Xi Jinping e o Estado Chinês têm a oferecer, até porque laços mais estreitos com a China, que está muito interessada em ampliar e aprofundar sua presença na América Latina, inevitavelmente seriam interpretados como apoio a ela no conflito com os EUA.


Pedro Vieira – Professor da Pós-Graduação em Relações Internacionais da UFSC e coordenador do Grupo de Pesquisa em Economia Política dos Sistemas-Mundo – GPEPSM (ufsc.br)

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