Observatorio de Geopolitica
O Observatório de Geopolítica do GGN tem como propósito analisar, de uma perspectiva crítica, a conjuntura internacional e os principais movimentos do Sistemas Mundial Moderno. Partimos do entendimento que o Sistema Internacional passa por profundas transformações estruturais, de caráter secular. E à partir desta compreensão se direcionam nossas contribuições no campo das Relações Internacionais, da Economia Política Internacional e da Geopolítica.
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A centralidade de Taiwan nas disputas geopolíticas entre China e EUA, por André Viola

Os semicondutores, também conhecidos como “chips”, estão na base de toda tecnologia que faz o mundo atual funcionar

do Observatório de Geopolítica

A centralidade de Taiwan nas disputas geopolíticas entre China e Estados Unidos

por André Viola

Está na ordem do dia a ideia de que a China e os Estados Unidos, as duas potências que
disputam a hegemonia no cenário internacional multipolar pós-Guerra Fria, estariam vivendo
uma situação que Graham T. Allison chamou de “armadilha de Tucídides”, ou seja, uma
situação de guerra iminente quando uma potência emergente (no caso, a China) ameaça a
hegemonia de uma potência dominante (no caso, os Estados Unidos), algo que lembraria o
conflito entre Esparta e Atenas na Guerra do Peloponeso que arrasou a Grécia do século V
a.c..

No caso da disputa entre os dois gigantes do século XXI, uma peça tecnológica do
tamanho médio de 3 nanômetros e mais fina que um pelo humano está no centro das tensões.
Os semicondutores, também conhecidos como “chips”, estão na base de toda tecnologia que
faz o mundo atual funcionar da maneira que funciona: desde computadores e celulares até
equipamentos militares variados. Fica evidente a razão pela qual essas duas potências
estariam de olho nesse produto como fonte de poder, realizando investimentos pesados em P
& D para estar à frente da concorrência tendo em vista a Lei de Moore, um postulado que
defende que o número de transistores para a produção dos produtos supracitados dobraria a
cada dois anos.

Livros como “The Chip War” (2022) do estadunidense Chris Miller e “2030: Geopolitics
of Semiconductors” (2022) do japonês Yasu Ota se debruçam sobre o papel cada vez mais
decisivo da geopolítica da produção de chips para o desenvolvimento de tensões
sino-americanas e o palco geopolítico desses conflitos.

Mas qual a importância da geografia, ou mais especificamente, da geopolítica, nessa
história, além do fato de que o controle da produção desse produto estar no centro das
disputas por poder de duas potências? A maioria da produção encontra-se na região do
Pacífico, a zona geográfica palco das principais tensões entre os dois países. Isso se deu
porque, em primeiro lugar, a descoberta e a produção de chips deu-se na Califórnia, na região
que viria a ser conhecida como “Vale do Silício”, na baía de San Francisco, exatamente pelo
produto usado para a produção de semicondutores.

Nos anos 60 percebeu-se que era mais fácil continuar uma produção em larga escala se se
exportasse a produção de semicondutores para a Ásia, onde havia mão de obra mais barata do
que na Califórnia. Assim, empresas americanas transferiram a primeira zona produtora de
semicondutores para Hong Kong, iniciando um movimento de quase completa transferência
da produção de chips para o Leste. Apesar do fato de que o Japão, graças aos esforços de
Akio Morita e Hayato Ikeda, já era um polo produtor de semicondutores na Ásia, essa
transferência da produção de empresas americanas foi formando uma cadeia produtiva que
atualmente tem ao seu centro Taiwan, Coréia do Sul, Japão e os Estados Unidos.

É com Morris Chang, engenheiro nativo da China continental mas nacional americano,
que Taiwan se torna o centro indiscutível da produção de semicondutores. Após a decisão do
governo, o ex-engenheiro da Texas Instruments fundou a TSMC (Taiwan Semiconductor
Manufacturing Company), empresa que viria a ser a maior produtora de semicondutores
avançados do mundo, chegando a alcançar 92% da produção.

Aqui é importante frisar a dependência mútua que as duas potências têm com relação à
indústria taiwanesa de chips e como a própria Ilha depende dos dois países para seu
desenvolvimento econômico. Por um lado, a China é o maior parceiro comercial de Taiwan,
ao passo que os EUA ficam em segundo lugar, sendo que a cadeia de suprimentos de
semicondutores depende de uma série de empresas americanas.

Os EUA vem tomando medidas cada vez mais agressivas contra a China desde a
presidência de Trump, ao passo que a China retalia essas medidas. Taiwan tem sido o palco
dessas tensões dado o papel de elo econômico que ele exerce entre os dois países, sendo que a
China considera Taiwan parte da política de “Uma China”, chegando mesmo a passar a linha
mediana do estreito de Taiwan (algo que não havia ocorrido à muito tempo). Os EUA, por
outro lado, mantêm uma postura ambígua, uma vez que no plano internacional continuam
reconhecendo o governo da RPC como o verdadeiro governo chines, enquanto que a sua
presidente da Câmara, Nancy Pelosi, visita Taiwan como um estado soberano.

Todavia, a despeito dessas tensões, Craig Addison (2001) diz que o setor de
semicondutores da economia taiwanesa realizaria o papel de um “escudo de silicone”, devido
ao seu papel de evitar as chances de um ataque chinês, fazendo esfriar as chances de um
conflito aberto entre os dois gigantes. Vale lembrar, ainda, que na balança de poder do
Pacífico, apesar das empresas taiwanesas manterem bons termos com EUA e China, o
governo de Taiwan depende massivamente nos EUA para questões de segurança, o que faz
com que ele busque estar cada vez mais próximo do governo estadunidense, como o exemplo
do projeto Asian Silicon Valley Project (2016), o qual lançou parcerias entre o ecossistema de
startups taiwanês e empresas americanas.

De toda forma, a dependência mútua das duas potências mundiais para a sua produção e
mercado de semicondutores na Ilha de Formosa, revelando fragilidades e interdependência de
ambas as partes faz com que o controle sobre a produção de chips seja a o novo ponto central
da segurança nacional do século XXI.

André Viola – Doutorando no Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e mestre em Ciência Política pela mesma instituição.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

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