Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Guerra Israel X Hamas: Netflix, guerra híbrida e a invenção do terrorismo islâmico, por Wilson Ferreira

Quando os acontecimentos perdem o fatalismo histórico para entrarem no campo das simulações, precisam do efeito do real da ficção

Guerra Israel X Hamas: Netflix, guerra híbrida e a invenção do terrorismo islâmico

por Wilson Ferreira

Como um típico evento terrorista do século XXI (cujo ato inaugural foi o 11 de setembro), os ataques do Hamas contra Israel mais uma vez suscitam as recorrentes questões: timming e “cui bono” (quem ganha?). Criando dúvidas justificadas: a construção do Hamas como o inimigo íntimo de Israel e a invenção do terrorismo religioso pelo atlanticismo e a doutrina dos falcões da guerra neocons dos EUA. False Flag? Inside job? Quando os acontecimentos perdem o fatalismo histórico para entrarem no campo das simulações (não-acontecimentos, pseudo-eventos etc.), precisam do efeito do real da ficção. E a Netflix torna-se a ferramenta híbrida para apagar os limites entre ficção e realidade. Tanto na guerra híbrida brasileira com as séries “House of Cards” e “O Mecanismo”; na Ucrânia, com a série “O Servo do Povo”; e agora com a série “Fauda”, o “Tropa de Elite” de Israel. 

É lugar comum se dizer que na guerra a primeira vítima é a verdade. Mas ainda não foi dada a notícia de uma outra vítima insuspeita: a própria realidade. 

Insuspeita porque toda guerra conta com um forte efeito de realidade que a torna verossímil no noticiário: mortes, sangue, explosões e corpos feridos e lacerados diante das câmeras. Essas tragédias humanas dão esse poderoso efeito de verossimilhança: se há mortos e feridos, então é verdade! É realidade!

Mas como os leitores desse Cinegnose já devem ter percebido, para esse humilde blogueiro há mais conexões e reversibilidades entre ficção e realidade do que podemos imaginar. Sejam elas sincromísticas (coincidências significativas), por imitação (efeito copycat), intencionais (engenharia de opinião) ou simulação (a hipótese gnóstica da Matrix).

A eclosão da guerra entre Israel e o grupo Hamas, tornando a Faixa de Gaza numa prisão a céu aberto à espera da conflagração de uma histórica crise humanitária, parece mais uma vez mostrar as relações reversíveis entre ficção e realidade: a utilização de narrativas ficcionais para tornar a realidade paradoxalmente mais “realista” – aquilo que este Cinegnose vem definindo como canastrice política: acontecimentos políticos que se tornam verossímeis porque emulam narrativas ficcionais.

Por exemplo, no conflito Israel/Hamas, mais uma vez surge a Netflix como uma presença recorrente em crises políticas como fosse uma espécie de soft power de guerra híbrida.

Numa rápida retrospectiva, a presença de duas produções Netflix durante a guerra híbrida brasileira que culminou com o impeachment de 2016 e a vitória eleitoral do extremismo de direita em 2018 foram significativas: House of Cards e a série brasileira O Mecanismo de José Padilha.

Ao explorar os tradicionais clichês hollywoodianos (o mito do Mr. President, o mito do Príncipe Maquiavélico, o mito do “Estado Sou Eu!” e o retrato dos jornalistas como um bando de patifes sem esperanças – sobre os mitos da série clique aqui) a série caiu como uma luva na opinião pública naquele momento – o crescimento da rejeição a política, cujo reflexo foi a vitória eleitoral do extremismo de direita com o discurso “antissistema”.

Em 2015, a grande mídia enchia a bola do vice Michel Temer atribuindo a ele a esperança de uma solução para a crise política quando assumisse o lugar da presidenta Dilma. Parecia o roteiro das primeiras temporadas de House Of Cards.

Também em 2015, numa entrevista dada à BBC Brasil, o ministro do STF Gilmar Mendes (à época um inimigo político do PT) dizia que “a corrupção e a disputa pelo poder a qualquer custo exibido na série House of Cards se repetem em Brasília”.

No ano eleitoral de 2018, a Netflix lançava a série O Mecanismo, uma dramatização da Operação Lava Jato para dar a ela a chancela ficcional da prisão do candidato favorito nas pesquisas e eleitorais daquele ano: Lula.

Zelensky e Hamas na Netflix

Em 2019, a vitória do ator e comediante Volodymir Zelensky nas eleições da Ucrânia foi o ato final da construção de um personagem que se projetou da ficção para a realidade: o protagonista da série Netflix O Servo do Povo – na ficção, ele era presidente do país desde 2015. Para depois a realidade confirmar o sucesso da série. A realidade torna-se canastrona, porque emula a ficção. Por isso, aos olhos do distinto público acostumado com o universo da plataforma de streaming, a realidade política torna-se verossímil.

Mais uma vez, com a série Fauda (considerado o “Tropa de Elite de Israel”), a Netflix reaparece com o modus operandi da ficção que cria efeitos de realidade. O ator Lior Raz, ex-agente especial infiltrado na Cisjordânia palestina, faz o protagonista da série: também um ex-agente especial aposentado que deve voltar ao batente para enfrentar novos inimigos… o HAMAS.

E com a eclosão da guerra Israel/Hamas, Lior Raz volta ao mundo real: tal qual o personagem da ficção, deve retornar ao Exército, para combater… o HAMAS!

Por que essa necessidade funcional da canastrice política, o imperativo do apagamento das fronteiras entre ficção e realidade? Precessão das imagens?

Da fatalidade histórica à simulação

A questão é que os próprios eventos reais estão abandonando o campo da fatalidade histórica para ingressar no campo simbólico simulado dos pseudo-eventos, não-acontecimentos, false flags, inside Jobs etc.

A maior evidência disso é a hegemonia do fenômeno do terrorismo no cenário político. Guerras e revoluções como estratégias para conquistas territoriais ou tomada do Poder cada vez mais desaparecem ou apenas viram nostálgicos eventos fora da curva. Em si mesmo, o terrorismo é um ato propagandístico, mas não num sentido ideológico (palavras de ordem ou doutrinação ideológica) mas, no fundo, um jogo de cena para tomar conta da agenda midiática dos acontecimentos.

(a) Todo ato terrorista não visa a derrubada de um governo ou a conquista de um Estado. É um ato propagandístico de provocação;

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(b) O terrorismo é um ato de provocação voltado para as ondas concêntricas dos meios de comunicação. Não são mais acontecimentos históricos, mas agora mediacêntricos, transpolíticos (Jean Baudrillard);

(c) Como evento mediacêntrico, consegue repercussão imediata no contínuo midiático atmosférico. Portanto, a resposta aos atentados terroristas só pode ser também terrorista – atos tão espetaculares quanto a provocação inicial.

Os analistas da mídia corporativa insistem em dizer que os ataques do Hamas em Israel com bombas e assassinatos indiscriminado de civis foi o “11 de setembro” do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. E estão corretos! Só não completam a comparação ao dizerem também que os eventos atuais também estão cercados de todas as dúvidas justificadas que cercaram os atentados de 2001: false flags? Inside job?

Hamas foi criado por Israel

Como foi possível, da faixa exígua da área de Gaza, partir um ataque em massa contra um Estado que dispõe de extraordinários recursos de detecção que compõem o chamado Domo de Ferro: o ELINT (coleta informações eletromagnéticas, como sinais de rádio, radar e infravermelho, usadas para identificar alvos, rastrear movimentos e avaliar a ameaça) e HUMINT (coleta informações humanas, como relatórios de inteligência, entrevistas e análise de mídia, usadas para entender as intenções e capacidades do adversário).

E mais: também foi noticiado que Israel ignorou os avisos da autoridade de inteligência do Egito com alertas sobre um planejamento significativo do Hamas em Gaza antes do início das ações no último sábado (dia 7).

Continue lendo no Cinegnose.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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