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Fundos soberanos brasileiros e os desafios para a construção de um horizonte em comum, por Nayara Andrade Maia

Das promessas de campanha à legitimação de grandes projetos, desenvolvimento talvez seja o tema mais presente no debate público

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Fundos soberanos brasileiros e os desafios para a construção de um horizonte em comum

por Nayara Andrade Maia

Estados e municípios brasileiros que contam com rendas advindas de compensações financeiras como os royalties do petróleo são constantemente confrontados pela urgência de gerir adequadamente essa riqueza, seja pela natureza finita dos recursos explorados, seja pela excessiva dependência orçamentária que comumente causam.

Inseridos no contexto de um federalismo constantemente desafiado pelos diferentes níveis de capacidades estatais  e imersos em uma cultura política pouco afeita ao planejamento de longo prazo, esses estados e municípios se veem cada vez mais compelidos a repensar o uso dos royalties e outras compensações financeiras. Tal circunstância, se bem aproveitada, pode servir para conduzir o debate e as políticas de modo que questões como a diversificação produtiva e o desenvolvimento local possam ser contempladas.

Na esteira dessa discussão, os chamados Fundos Soberanos de Riqueza – instrumentos financeiros de poupança intergeracional voltados para a aplicação de parte da receita proveniente da exploração de recursos finitos como petróleo, gás natural e minérios – se destacam como estratégia viável e segura para reduzir os efeitos da variação das receitas e o caráter esgotável de suas fontes, bem como para garantir às gerações futuras o usufruto da riqueza gerada pela exploração de recursos que não são renováveis.

No Brasil, ainda que com duas iniciativas de abrangência nacional – o Fundo Soberano Brasileiro (FSB), já extinto, e o Fundo Social do Pré-Sal (FSPS) que, embora ainda em operação, não tem bem definidas a gestão e a destinação dos recursos – é no nível subnacional que se encontram as experiências mais consolidadas de Fundos Soberanos. Atualmente, cinco estão em operação: os dos municípios de Maricá, Niterói e Ilhabela, e os dos estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. Há, no entanto, outros em processo de instituição e regulamentação pelo país, com recursos oriundos da atividade petrolífera e da mineração.

 Diferentes capacidades, desafios em comum

Se, por um lado, esses instrumentos financeiros possuem características que os assemelham, por outro, também guardam entre si diferenças em termos de estruturas, capacidades e objetivos. Nesse sentido, o que se pretende nesta breve reflexão é pontuar algumas dessas diferenças, como elas se impõem como desafios e pensar a possível construção de um horizonte em comum quanto às práticas e a concepção de desenvolvimento que as conduzem.

Atualmente, os cinco fundos chegam, juntos, à casa dos R$ 6 bilhões em ativos, com o Rio de Janeiro tendo valor atual em cerca de R$ 2 bilhões, seguido por Maricá (R$ 1,5 bi.), Espírito Santo (R$ 1,2 bi.), Niterói (R$ 866 mi.) e Ilhabela (R$ 580 mi.). Em geral, estão inseridos na estrutura do executivo, subordinados às secretarias de fazenda ou de desenvolvimento econômico, e operados por conselhos gestores que concentram, entre outras atribuições, a responsabilidade de elaborar as políticas de investimento, definir diretrizes e representar o fundo perante instituições financeiras e órgãos de controle. Há, porém, particularidades, como Niterói que incluiu em sua estrutura um comitê de investimentos com perfil mais técnico, e o caso de Ilhabela que possui conselho de fiscalização formado por representantes da sociedade civil, um elemento interessante que chama à atenção a importância de se ampliar mecanismos de controle social sobre a gestão pública dos recursos financeiros.

Quando tratamos das capacidades estatais – aqui entendidas como as condições administrativas, técnicas, institucionais e políticas de um ente federativo para desempenhar suas funções no planejamento e implementação das políticas locais – estados e municípios estão em patamares obviamente distintos. Com a descentralização e autonomia conferida pelo modelo federalista brasileiro, os municípios costumam enfrentar maiores dificuldades para consolidar bases institucionais, políticas, de expertise e de burocracia qualificada para projetos mais robustos. Os estados, por sua vez, possuem capacidade e estruturas de maior escala disponíveis, como é o caso do Espírito Santo, que conta com a atuação de dois bancos públicos estaduais (o banco comercial, Banestes, e o banco de desenvolvimento, Bandes) na operação do fundo soberano, o que possibilita explorar múltiplas estratégias de investimento.

Entre os objetivos definidos, é possível identificar que a estabilização das receitas, a formação de poupança pública intergeracional e a garantia da sustentabilidade fiscal são pontos comuns. É nas menções ao desenvolvimento local que os intentos se tornam mais difusos, com planos que preveem desde investimentos em empresas locais, fomento de “projetos estratégicos” até o uso dos recursos para ações de modernização e universalização tecnológica em áreas como saúde, educação, ciência e tecnologia, meio ambiente e segurança pública, este último sendo o caso do Rio de Janeiro.

Fortalecer as capacidades de gestão, executar e fomentar práticas consequentes e alinhar de maneira clara objetivos e estratégias são desafios postos para esses estados e municípios. Além disso, a manutenção desse tipo de iniciativa depende muito de sua legitimidade diante da população. Faz-se necessário um esforço no sentido de construir tal legitimidade, pelos mecanismos de comunicação e de transparência, para que a decisão pelo uso desses recursos em uma perspectiva de longo prazo não seja restrita ao fazer da administração pública, mas também inclua a sociedade, dando maior proteção a essas ações diante das mudanças de lideranças políticas e governantes.

O enfrentamento dessas questões pode se dar por meio da cooperação interfederativa e da associação entre entes subnacionais, via consórcios e outras organizações. A colaboração permite a superação de lacunas nas capacidades estatais, o compartilhamento de ideias e práticas de gestão e governança bem-sucedidas, além de contribuir para a promoção de um debate mais amplo não apenas sobre a gestão da riqueza oriunda da exploração de recursos finitos, mas para a própria discussão da ideia de desenvolvimento que a guiará.

Qual desenvolvimento?

Das promessas de campanha à legitimação de grandes projetos, talvez nenhuma outra questão seja tão onipresente no debate público quanto a do desenvolvimento. No caso dos fundos soberanos, não poderia ser diferente. A concepção dessas iniciativas já carrega em si um esforço de pensar o desenvolvimento em bases que sejam sustentáveis no longo prazo. Nesse aspecto, os fundos soberanos brasileiros estão falando a mesma língua? A questão que se coloca para todos eles é como os objetivos e práticas de hoje colaboram para a instrumentalização dos recursos de modo que fomentem esse ideal de desenvolvimento e garantam políticas públicas que beneficiem as futuras gerações.

A exploração de recursos naturais tem potencial para gerar grande riqueza. No entanto, pode gerar também altos níveis de degradação ambiental e, muitas vezes, as populações de municípios e estados produtores não vislumbram benefícios reais e duradouros dessa riqueza. Uma gestão adequada é fundamental para assegurar que esses ganhos sejam, no mínimo, compensatórios pelos danos causados ao meio ambiente, ou, idealmente, os superem e possibilitem diversificar a matriz produtiva, reduzir a dependência orçamentária e colocar em marcha um projeto de desenvolvimento que seja sustentável.

Embora existam no mundo desde meados do século passado, os fundos soberanos de riquezas são uma novidade no Brasil, onde temos em nível subnacional as experiências mais avançadas. A existência desses fundos apresenta grandes desafios para a gestão pública e para a sociedade, mas, se bem aproveitadas e afinadas entre si, essas experiências podem sinalizar a possibilidade de uma nova cultura na gestão de royalties e outras compensações, além da oportunidade de serem, de fato, vetores de um desenvolvimento que contemple a sustentabilidade e o bem-estar social.

Nayara Andrade Maia – Mestranda em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas (UFF) e pesquisadora do Fórum dos Fundos Soberanos Brasileiros

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