Sem lei para serviços públicos, brasileiro está desprotegido

Jornal GGN – O brasileiro é um sobrevivente por conseguir viver com serviços públicos sem qualquer regulamentação. A afirmação é do advogado Mauro Scheer Luis. Para ele, sem a lei, “o usuário está desprotegido” e a aplicação do Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC) em casos relacionados a serviços públicos não é a medida ideal porque “o Estado não pode estar submisso e, ao mesmo tempo, ser equiparado a uma empresa que pretende auferir lucros, nem possui recursos humanos e financeiros” para cumprir o disposto no CDC. 

Na quarta-feira (3), um dia após, a decisão do ministro Dias Toffoli do Supremo Tribunal Federal (STF) ter determinado que o Congresso edite uma lei de defesa do usuário de serviços públicos, a Câmara aprovou requerimento de urgência para retomar a discussão do projeto de legislação específica sobre o tema, parado na Casa desde 2002, de autoria do ex-senador Lúcio Alcântara (PSDB-CE). A matéria está na pauta de votação da Câmara desta terça-feira (16). Na entrevista a seguir, o sócio do escritório Scheer e advogados associados fala sobre as relações entre usuário e Estado e entre consumidor e empresa. 

STF determina que Congresso Nacional edite Lei de defesa do usuário de serviços públicos

Qual a diferença entre o usuário de serviço público e o consumidor?

Primeiro, é preciso lembrar que a edição da Lei de Defesa do Usuário de Serviços Públicos pelo Congresso Nacional, em 120 dias, já estava prevista na Emenda Constitucional nº 19 de 1998. Ou seja, não há como definir efetivamente o que seja um usuário público se a lei que deveria dar a definição ainda não existe. Podemos, no entanto, definir um usuário de serviço público, a princípio, como todo cidadão que usufrui, por exemplo, de serviços de distribuição de água, de iluminação e de transporte e qualquer outro que seja fornecido pelo Estado ou por entidades a ele vinculadas.

Enquanto não houver lei o que acontece com o usuário do serviço público?

O Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC) não é aplicado, no Judiciário, aos casos que envolvem usuários de serviço público. Na verdade, enquanto não houver a lei, o usuário encontra-se desprotegido. O uso do CDC, no entanto, pode passar a ocorrer caso o Congresso Nacional não edite a lei, e o STF decida que o pedido da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] por tal aplicação. Por enquanto, a decisão liminar do ministro Toffoli, que ocorreu na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), impetrada pelo Conselho da OAB apenas obriga que o Congresso edite a lei, e devolve o prazo de 120 dias previsto pela emenda para a edição da norma. Bom, enquanto não houver a edição da lei ou decisão sobre a aplicação do CDC em casos de serviços públicos, o que podemos dizer é que o usuário está desprotegido. Embora, em geral, o usuário nem aja porque considera que não vale a pena. Por exemplo, se o pneu fura na rua por algum problema de asfaltamento, o usuário, em geral, nem reclama porque ele sabe que até ganha, mas leva 30 anos para receber.

O Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC) pode ser aplicado subsidiariamente?

A Contituição não prevê isto, mas sim uma lei específica. No entanto, os cidadãos são muito maltratados ao usufruírem de serviços públicos. Alguém que tenha um problema com a Receita Federal ter de chegar às 5 horas da manhã para ser atendido é um absurdo. A aplicação do CDC para casos de serviços públicos, entretanto, não seria o ideal. Primeiro, porque o código é bastante rígido. Não acredito que o Estado esteja preparado para seguir as determinações aplicadas a empresas. Primeiro, porque o Estado não possui recursos humanos e financeiros para resolver os problemas apontados em seus serviços em um prazo curto como prega o CDC. Além disso, o caminho para a solução dos serviços oferecidos pelo Estado é longo, e a travessia deve ser vagarosa. Outra questão que incomoda é que a aplicação do código equipara o Estado a uma empresa. O Estado não deve ter como objetivo lucrar com seus serviços. Assim, não pode estar submisso e ao mesmo tempo ser equiparado a uma empresa que pretende auferir lucros. Acredito que, na verdade, a evolução para a melhoria dos serviços públicos está intimamente vinculada à lei, à definição de prazos e de obrigações. Só assim teremos efetivamente a melhoria do atendimento ao usuário de serviços públicos.

Como você espera que seja a lei?

A lei vai trazer benefícios, mas deve estar aquém dos direitos previstos pelo CDC, deve ser bem mais branda. Por exemplo, ao consumidor hoje são garantidos 30 dias para troca, conserto ou dimimuição do valor do produto adquirido. Se houver um problema com um serviço público do Estado, por exemplo, o asfalto, o que o Estado pode garantir? Troca, indenização ou diminuição do Imposto Territorial Urbano (IPTU)?

Se o STF decidir por aplicar o CDC aos casos que envolvem usuários públicos, pode-se falar em interferência do poder Judiciário no Legislativo?

Não, é diferente. Há uma nítida omissão do Legislativo. Além disso, o Judiciário não estará aplicando uma lei, apenas determinando a aplicação de uma norma já existente e utilizando a analogia consumidor/usuário de serviço público. O cidadão precisa ter um mecanismo de proteção para pressionar o que o povo quer.

Como você vê está demora do Congresso Nacional para a edição da lei do usuário público?

A questão não é pontual. Para mim, quando não há vontade política, as questões não vão para frente. Muitos outros dispositivos constitucionais deveriam ser regulamentados como o aviso prévio proporcional ao tempo de trabalho (como equiparar um funcionário que tem um ano a outro que tem 20 anos de empresa, concedendo igual tempo de aviso prévio, ou seja, 30 dias para ambos. O funcionário mais antigo deveria ter garantido um aviso prévio maior) , adicional de penosidade (adicional a ser somado como remuneração devido a atividade difícil e cansativa). Vamos dizer que, nos últimos dez anos, não dá para aplaudir o Congresso Nacional, que deveria ter como funções específicas as atribuições de legislar e de fiscalizar o poder público. Se observarmos 80% dos projetos de lei, em órgãos legislativos, são relativos a nome de ruas.

Como o Brasil tem sobrevivido tanto tempo sem uma lei que regulamente os serviços públicos?

O Brasil sobreviveu, mas muita gente não. Hospitais superlotados, pessoas jogadas em corredores. O brasileiro sim é um sobrevivente.

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador