Joias das arabias: Se foi propina, foi mesmo por refinaria?, por Hugo Souza

Ganha uma escultura equestre quem adivinhar de qual país é o fundo ao qual Bolsonaro e Tarcísio tentaram entregar projeto ferroviário

Do Come Ananás

‘Joias das arabias’: se foi propina, foi mesmo por refinaria?

Por Hugo Souza

Revelado pelo Estadão o caso das “joias das arábias”, repleto de pontas soltas, desnovelou-se, campo democrático afora, uma certeza: a de que as joias foram enviadas para Jair e Michelle Bolsonaro por interpostas pessoas como pagamento, suborno, propina pela venda da refinaria Landulpho Alves, na Bahia, para um fundo de investimento árabe pela metade do valor que o Brasil poderia ter conseguido com o “desinvestimento”.

O deputado Carlos Zarattini (PT-SP), por exemplo, disse que é “inacreditável que poucos tenham feito a conexão entre o ‘presente’ dado pela Arábia Saudita à família Bolsonaro e a venda pela Petrobras de uma refinaria para um grupo da Arábia Saudita”. Pedro Uczai (PT-SC), por seu turno, propôs a criação de uma CPI para investigar “a venda de uma refinaria da Petrobras para o fundo árabe Mubadala e o ‘presente’ de 16.5 milhões para Michele Bolsonaro”.

O ministro chefe da Secom, Paulo Pimenta, chegou a falar em venda da refinaria para “o mundo árabe”: “Jair, Michelle e seus apoiadores mais próximos tentaram de todas as maneiras que uma propina de R$ 16,5 milhões em diamantes ficasse com a família. Na hora que o governo estava negociando a venda de uma grande refinaria para o mundo árabe apareceu esse presente”.

Seria realmente a ponta de um possível grande escândalo, não fosse o detalhe de que o fundo Mubadala, apesar de ser árabe, não é saudita. O Mubadala é um dos dois fundos soberanos dos Emirados Árabes Unidos, mais precisamente de Abu Dhabi, capital emiradense. No Mubadala, manda o sheik Mohamed bin Zayed Al Nahyan, mais conhecido como MBZ, membro da família real dos Emirados Árabes, não da Arábia Saudita.

O site oficial do fundo que comprou a refinaria Landulpho Alves informa que “o Mubadala é um investidor ativo e inovador que aloca capital em uma variedade de ativos, setores e regiões para o benefício dos Emirados Árabes Unidos”.

“Para benefício dos Emirados Árabes Unidos”, não da Arábia Saudita. De modo que, salvo informação até agora desconhecida sobre alguma participação direta dos sauditas na privatização da Landulpho Alves, ligar as “joias das arábias” à negociata com a refinaria não parece boa ideia, porque não parece ter correspondência com os fatos.

A venda da Landulpho Alves para o fundo Mubadala é para lá de suspeita. As relações da família Bolsonaro com a família real emiradense é ainda mais estreita do que a relação do “clã” com a família real saudita. Mas é improvável que as joias trazidas escondidas da Arábia Saudita para o Brasil pela comitiva do almirante Bento Albuquerque tenham alguma coisa a ver com isso.

Também ao contrário daquilo que igualmente virou verdade auto evidente, ou seja, que não precisaria ela mesma de explicação, não está claro, muito menos confirmado, que as joias dadas a uma comitiva do Ministério das Minas e Energia que visitou Riad em 2021 tinham mesmo como destinatários Jair e Michelle Bolsonaro.

Existem, por exemplo, indicativos de que a realeza da Arábia Saudita, a quem pouca diferença faz dar uma echarpe da Renner ou um colar da Chopard, tem o hábito de presentear com brindes do segundo tipo integrantes de delegações estrangeiras em visita oficial ao país.

Nesta linha, a história das “joias das arábias” estaria menos para um caso de propina clássica, por assim dizer, e mais para algum esquema de abiscoitamento, por Bolsonaro, de estojos Chopard – e sabe-se lá do que mais – que chegava ao Brasil nas mochilas de funcionários do governo retornados de viagens oficiais ao exterior, muitas vezes em aviões da FAB. Uma espécie de rachadona do espólio de tráfico internacional de pedras preciosas. Algo do gênero do quinto colonial, mediante o qual a coroa portuguesa abiscoitava 20% de todo o ouro que chegava às casas de fundição de Vila Rica.

Nesta terça-feira, 7, o Estadão traz a informação de que a Receita já monitorava as viagens internacionais de Bento Albuquerque e comitiva desde antes da apreensão das joias em Guarulhos, devido à intensidade do entra e sai do país. No último domingo, 5, Come Ananás mostrou que há indícios de pelo menos um outro episódio de problemas em Guarulhos com a bagagem do assessor de Albuquerque flagrado com as joias cravejadas de diamantes.

Ou pode mesmo ser jabá, as joias da Chopard. Contudo, o arrolamento da venda da Landulpho Alves nos autos desta hipótese, ao que parece, serve apenas para enfraquecâ-la, pelo menos nos termos em que tem sido feito – um cambalacho do governo Bolsonaro com “o mundo árabe”. Mas, fuçando, não faltarão casos envolvendo o governo Bolsonaro e a ditadura da Arábia Saudita se a linha de investigação for a linha da propina. Veja, por exemplo, o caso Ferrogrão.

O caso Ferrogrão

Ferrogrão é o nome do maior projeto ferroviário do Brasil, mas que ainda não saiu do papel. Trata-se de um nababesco corredor de quase mil quilômetros para escoamento da soja do Centro-Oeste, viabilizando a exportação em larga escala a partir dos portos do Arco Norte como alternativa à exportação pelo porto de Santos. Tudo em benefício do latifúndio monocultor, vulgo “agronegócio”.

O projeto prevê ligar com trilhos a cidade de Sinop, no norte do Mato Grosso, a Itaituba, no oeste do Pará, às margens do Rio Tapajós, rasgando terras indígenas da bacia do rio Xingu e unidades de conservação ambiental, motivo pelo qual o projeto da Ferrogrão foi parar no STF, por iniciativa do Psol. No ano passado, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu liminarmente as tratativas para a construção da ferrovia.

Ganha uma escultura equestre estropiada do “mundo árabe” quem adivinhar de qual país é o fundo soberano que estava pronto para morder o projeto Ferrogrão. Aqui, uma cronologia concisa de antes da Ferrogrão embaraçar no STF, como antes as “joias das arábias” embaraçaram na aduana do aeroporto de Guarulhos:

Outubro de 2019: Bolsonaro vai a Riad e anuncia investimentos de US$ 10 bilhões do Fundo de Investimento da – agora sim – Arábia Saudita (PIF, na sigla em inglês) no Brasil. “Entre as obras de infraestrutura – disse Bolsonaro, na época – está a ferrovia Ferrogrão. O governo trabalha em conjunto com o fundo na facilitação de iniciativas e simplificação da legislação”.

Novembro de 2020: o governo Bolsonaro faz a segunda reunião com o fundo saudita sobre a Ferrogrão. Coube ao então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, apresentar o PowerPoint. “Estamos modelando um contrato que será bem sucedido – disse Tarcísio. Um contrato que, além de grandioso, ainda terá todo o respaldo ambiental”.

Janeiro de 2021: o MP junto ao TCU representa no tribunal contra a destinação, prevista no projeto da Ferrogrão, de R$ 2,2 bilhões em recursos federais ao futuro concessionário da ferrovia a título de garantia contra “riscos não gerenciáveis”.

Agosto de 2021: Bolsonaro, Tarcísio e Paulo Guedes assinam medida provisória instituindo o novo marco legal do transporte ferroviário. “O ponto principal do texto – dizia, na época, matéria da Agência Câmara – é a permissão para construção de novas ferrovias por meio de uma autorização simplificada, sem necessidade de licitação”.

Outubro de 2021, dois meses depois: uma delegação encabeçada pelo então ministro das Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, desembarca no aeroporto de Guarulhos, vinda de Riad. Um assessor do ministro é chamado a passar sua bagagem no raio-x. Dentro de uma mochila do assessor, que também é militar, a Receita Federal descobre um estojo com joias avaliadas em R$ 16 milhões, supostamente enviadas pelo governo árabe de presente para Michelle Bolsonaro. Com um outro membro da delegação – O Globo diz que com o próprio Bento Albuquerque – estava um segundo estojo, este com joias “masculinas” que teriam Jair Bolsonaro como destinatário, com os cumprimentos dos sauditas.

Dezembro de 2021: o Congresso Nacional aprova e Jair Bolsonaro sanciona a Lei das Ferrovias, que “permite à União autorizar a exploração de serviços de transporte ferroviário pelo setor privado em vez de usar a concessão”.

Tudo pronto. Em março de 2022, porém, Alexandre de Moraes suspende a Ferrogrão via liminar. O julgamento do caso pelo pleno do STF está marcado para o próximo 31 de maio. O fundo árabe, porém, parece ter desistido da ferrovia. Até as últimas horas do seu governo, Jair Bolsonaro parece não ter desistido das joias, sendo elas propina ou não.

Sendo as joias propina ou não, Michelle Bolsonaro, por sua vez, agora move pauzinhos para encenar uma tentativa de devolvê-las a Riad, o que, em caso de propina, seria muito cristão, dado que os “investimentos” de US$ 10 bilhões dos sauditas no Brasil acabaram dando em água. A mulher de Jair pode não ser lá muito honesta, mas tem que parecer…

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Hugo Souza

2 Comentários

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  1. Cada dia que passa, fica mais latente,a desonestidade e falta de pudor, da familícia Bozonaro! Pena que muitos cristãos, induzidos por pastores ladrões, se viram “obrigados” a votarem nesse fascista genocida@

  2. O chama a atenção nesses lotes de jóias que têm ilustrado essa apreensão, é o aspecto de usadas que elas têm. Os anéis são de tamanhos variados e parecem encomenda. Os relógios também, parecem muito específicos.

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