A democracia de curto prazo, por Friedman

De The New York Times

Desde Roosevelt, a democracia nos Estados Unidos encolheu para “apenas 100 dias”

O atual presidente dos EUA, Barack Obama
O atual presidente dos EUA, Barack Obama

Por Thomas L. Friedman

Eu digo isso há algum tempo, mas agora parece ainda mais agudo: a democracia dos Estados Unidos encolheu para “apenas 100 dias”. Desde Franklin Delano Roosevelt, nós medimos os presidentes por seus “primeiros 100 dias”. Mas agora é na verdade “os únicos 100 dias”.

Ultimamente, os presidentes têm apenas esses 100 dias para apresentar uma agenda de transformação e conseguir com que seja aprovada em seu primeiro ano –antes que tenham que adequar suas políticas às eleições de meio de mandato –e então, como acontece com frequência, se seu partido perder essas eleições, eles então precisam se concentrar na próxima eleição presidencial.

A China tem planos de cinco anos. Nós temos 100 dias a cada quatro. Assim, agora fico pensando em como extrairmos o máximo dos primeiros 100 dias de 2013 –nossa próxima chance quadrienal de implantar uma política séria (fora uma crise que force nossas ações).

Nossa prioridade é óbvia: empregos. “Nós estamos passando por três crises de empregos ao mesmo tempo”, argumenta o economista do trabalho de Harvard, Lawrence Katz, e não temos como reduzir a desigualdade sem tratar de todas as três.

A primeira crise de empregos é aquela movida pela queda acentuada na demanda agregada por bens e serviços, que teve início com a crise do suprime (empréstimos hipotecários de alto risco) de 2008, nota Katz. “Empresas demais não estão contratando funcionários porque não há demanda.”

A segunda crise de empregos deriva da primeira. É o desemprego a longo prazo –as pessoas que ficam fora do trabalho por tempo demais “perdem seus contatos com o mercado de trabalho e precisam de ajuda para voltar”, disse Katz.

A terceira crise de empregos vem da fusão da globalização com a revolução da tecnologia da informação. O presidente a descreveu em seu discurso no Kansas: “Siderúrgicas que precisavam de 1.000 funcionários agora podem realizar o mesmo trabalho com 100 funcionários, de modo que as demissões com frequência se tornam permanentes, não apenas uma parte temporária do ciclo de negócios. (…) Hoje, até mesmo empregos altamente qualificados, como contabilidade e gerência de segundo escalão, podem ser terceirizados para países como China ou Índia”.

Assim, o próximo presidente deve ter um plano para tratar de todas essas crises de empregos em seus únicos 100 dias –e um mandato eleitoral para implantá-lo. O Partido Republicano pretende concorrer de novo com uma plataforma de “apenas corte os impostos e isso curará tudo”, o que sabemos que não funciona. Assim, a única esperança do país é o presidente Barack Obama –ou, se não ele, um terceiro partido– oferecer o plano que precisamos e não apenas concorrer com uma plataforma “eu não sou tão louco quanto aquele sujeito republicano”.

Para começar, nós precisamos de um estímulo focado de curto prazo –eu o chamo de “investimento”– que tanto estimule a demanda agregada quanto expanda os mercados de trabalho do futuro. Os dias em que a Ford ou a General Electric chegavam à sua cidade com fábricas para 25 mil funcionários acabaram. Aquela fábrica, nota Katz, agora emprega 500 pessoas operando máquinas e robôs. A manufatura não pode mais sustentar a classe média americana.

Nós precisamos pensar no futuro da classe média como sendo gerado não apenas por fábricas, “mas por centros de atividade”, argumenta Katz. Eles seriam como áreas urbanas como Austin, no Texas, o Vale do Silício, na Califórnia, e Raleigh-Durham, na Carolina do Norte, onde as pessoas aprendem, imaginam e criam valor rapidamente, ao combinarem universidades, fabricantes de alta tecnologia, provedores de software/serviços e novas empresas altamente ágeis, que colaboram e competem para inventar coisas que tornam a vida das pessoas mais divertida, produtiva, saudável, educada e confortável.

Os trabalhadores de conhecimento nesses centros serão os grandes geradores de lucros. Seus lucros podem e sustentarão muitos outros empregos de classe média, mas eles, também, exigirão mais capacitação. Eles exigirão que os trabalhadores tragam algo extra, algo criativo –“como o artesão” do passado– para seus empregos, diz Katz, e esse extra lhes renderá uma remuneração maior. É o marceneiro que aprende conhecimentos de design, o funcionário de um asilo capaz de deixar os idosos com um sorriso no rosto, o mecânico que aprende customização dos automóveis. Nossa riqueza como país, diz Katz, será movida pelos bens e serviços que esses centros venderem para o mercado global. Mas se essa riqueza permanecerá confinada a uma elite ou se espalhará, ele acrescenta, “dependerá de quanto nossa capacitação como força de trabalho se desenvolverá e da criatividade dos trabalhadores individuais”.

Para gerar mais centros como esses, grandes e pequenos, qualquer estímulo deve se concentrar na construção de telecomunicações e infraestrutura para apoiá-los e permitir o acesso de mais jovens a cursos profissionalizantes ou universitários. Obama propôs isso. Mas seu estímulo nunca será aprovado sem estar integrado a um plano crível para consertar nossos desequilíbrios fiscais de longo prazo, por meio da elevação de impostos e corte de gastos –um plano mais crível do que qualquer coisa que Obama propôs até o momento. Precisa ser um plano fiscal da escala de nosso problema e que consiga reunir apoio bipartidário, como o Simpson-Bowles.

Se tivéssemos um estimulo concentrado nos empregos do século 21 e um plano de reforma fiscal crível, de longo prazo, isso desbloquearia a escala de investimento que precisamos para reanimar o mercado de trabalho atual e tratar do futuro. Se Obama concorrer com esse grande plano, ela pode vencer e contar com um mandato eleitoral para implantá-lo em seus únicos 100 dias. Infelizmente, a intenção dele parece continuar pensando pequeno. Ele é capaz, e o país precisa, de uma liderança muito mais corajosa.

Bem, sempre haverá os primeiros 100 dias de 2017.

Tradução: George El Khouri Andolfato
Luis Nassif

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