O debate sobre o futuro do Euro

Enviado por Antonio Ateu

Do resistir.info

Euro: Questões frequentemente perguntadas (I)

por Jacques Sapir

O debate sobre uma saída, ou sobre a dissolução, do Euro provoca um certo número de questões que retornam de modo recorrente. Na nota que se segue abordam-se algumas delas a fim de clarificar o debate. 

1- Diferença entre depreciação e desvalorização da moeda. 

Estas duas palavras são hoje empregues como sinónimos. No entanto, elas remetem a realidades um pouco diferentes. 

1- Uma desvalorização é um termo empregue quando a moeda tem uma cotação fixa, quer em relação a um metal (o ouro, a prata, mesmo os dois) ou em relação a uma moeda (a Libra Esterlina, o Dólar, etc). A paridade é garantida pelo Estado, que se compromete a trocar uma certa quantidade da sua moeda contra uma certa quantidade da referência, quer seja metálica quer seja uma outra moeda, a uma taxa de câmbio dada. Diz-se que há uma desvalorização quando esta taxa é reduzida administrativamente. A desvalorização foi praticada nos sistemas monetários de taxas fixas (Bretton Woods, por exemplo). Por analogia, se um governo se compromete a garantir uma paridade da sua moeda nos limites conhecidos (+ ou – 5%) em relação a uma taxa de câmbio e se ele anuncia que a sua moeda poderá flutuar para além dos antigos limites, fala-se de desvalorização ou de revalorização em função dos movimentos quando eles excedem estes limites. 

2- A depreciação é a baixa da taxa de câmbio de uma moeda constatada num mercado de câmbios na ausência de intervenção directa do Estado ou do Banco Central para fixar a cotação. O Estado ou o Banco Central podem entretanto continuar a intervir por “actuações de mercado” (compra ou venda das outras divisas), por intervenções na taxa de juro, ou mesmo, pelo Banco Central, pela decisão de comprar grandes quantidades de dívidas (pública ou privadas). 
2- A depreciação do Euro poderia substituir a dissolução da zona Euro, o retorno às moedas nacionais e a depreciação de cada moeda? 

Esta questão é apresentada regularmente cada vez que as tensões se acumulam na zona Euro. Considera-se que uma alternativa à dissolução do Euro seria a sua depreciação em relação ao Dólar. Mas, fazendo isto, tem-se a tendência a esquecer: 

1- O facto de que num processo de depreciação do Euro a paridade implícita de cada país em relação ao Euro não se modifica. Ora, o problema reside nas diferenças de ganhos anuais de produtividade e as diferenças de inflação no interior da zona Euro. Decorre que não se pode encontrar uma taxa de câmbio única que satisfaça países que têm economias estruturalmente muito diferentes. 

2- O facto de todos os países não terem o mesmo grau de integração na zona Euro. A França é um dos menos integrados, ao passo que a taxa de integração da Espanha ou da Itália é claramente mais elevada. Numa depreciação do Euro, a França ganharia assim claramente mais que os seus vizinhos do Sul. Defender a ideia da depreciação do Euro em relação ao Dólar é, num certo sentido, pretender a morte dos países do “Sul” da zona. 

3- Para realizar uma tal depreciação, seria preciso que o Banco Central Europeu comprasse maciçamente (entre 700 e 1400 mil milhões) da dívida pública emitida pelos diferentes Estados. Ora, se o sr. Mario Draghi evocou esta possibilidade (OMT, outright monetary transactions), foi para montantes bem menores. Não se vê o BCE a lançar-se numa política que seria rapidamente julgada anti-constitucional aos olhos da Constituição alemã. 

3- Uma depreciação da moeda seria favorável à economia francesa? 

Uma corrente de ideias pretende que, actualmente, a concorrência no mercado dos produtos se faça não nos preços mas sim nos elementos das suas qualidades. Isto invalidaria a ideia de uma depreciação. Uma outra corrente sustenta que se pode chegar aos mesmos resultados por uma desvalorização interna, ou seja, uma baixa os preços e dos salários num país considerado. É preciso então olhar os resultados destas diversas políticas. 

1- Uma depreciação da moeda (do Euro neste caso) tem efeitos positivos sobre a economia, como é mostrado num estudo recente do CEPII [1] . Diferentes estudos que têm sido efectuados por centros de investigação públicos ou privados indicam que a competitividade preço permanece em grande medida dominante no caso dos produtos fabricados em França. Notemos que este estudo não encara senão uma depreciação de 10%. É sabido que as elasticidades mudam se se deprecia a moeda em 20% ou mais. O estudo do CEPII na realidade subestima o impacto positivo de uma depreciação. 

2- O citado estudo do CEPII também indica que uma desvalorização interna teria resultados equivalentes. Contudo, indica que a manifestação destes resultados seria bem mais lenta. Ora, neste caso, seria preciso levar em conta a baixa do consumo interno no país considerado. 

3- De facto, uma desvalorização interna não é outra coisa senão aquilo a que nos anos 1930 era chamado uma política de deflação, como praticada por Ramsay Macdonald na Grã-Bretanha, Pierre Laval em França ou o chanceler Brünning na Alemanha. Tendo em conta a presença de rigidezes nominais diferentes acompanhando os preços [2] e o facto de que os custos financeiros são constantes em valor nominal, estas políticas traduziram-se todas por desastres sociais económicos. Esta política é amplamente responsável pelo aumento para além dos 26% da taxa de desemprego na Espanha e na Grécia. 

4- Os exemplos recentes da Grã-Bretanha e sobretudo do Japão mostram todo o interesse de uma depreciação da moeda, que foi maciça no caso do Japão. 

Uma desvalorização interna não é uma alternativa a uma política de depreciação da moeda como mostram todos os exemplos históricos. 

4- A depreciação da moeda opõe-se à via do esforço encarnada numa política de reformas estruturais. 

É uma questão frequentemente colocada, cujo subentendido é que só o esforço, e portanto o sofrimento, compensa em economia. Reconhece-se aqui a base cristã do raciocínio. É preciso acrescentar que nada se diz sobre quem deveria fazer esses esforços… No fundo, isso suscita as seguintes observações: 

1- Há que precisar de que reformas estruturais se fala. Na realidade, é quase sempre das reformas que resultam numa baixa dos direitos sociais e da protecção social. Outras reformas, referentes à direcção da política industrial, aos esforços de investigação e educação, que são verdadeiras reformas estruturais, não são mencionadas senão muito raramente. 

2- Uma depreciação da moeda – e colocando-se a hipótese de um retorno ao Franco acompanhado de uma depreciação sensível em relação ao Dólar e ao DeutschMark – implicaria um forte crescimento durante um período de 3 a 5 anos. Este crescimento proporcionaria os recursos orçamentais e fiscais que são necessários à realização de verdadeiras reformas estruturais. Na realidade, longe de se opor, a depreciação monetária sempre foi o melhor meio de realizar estas reformas estruturais. Isto é mostrado pelos resultados do cenário pró-investimento no quadro de uma saída do Euro [3] . 

3- Se se proceder a uma depreciação forte da moeda, ao cabo de três anos é obtida uma forte baixa do desemprego (de 1,5 milhão a 2,5 milhões). Isto implicaria um equilíbrio (mesmo um saldo positivo) do seguro-desemprego. De facto, a melhor das reformas estruturais, quer seja na questão do subsídio de desemprego ou na das reformas, é o retorno rápido ao crescimento forte. 

5- A depreciação da moeda implicaria uma explosão do endividamento da França com consequências desastrosas. 

É um dos argumentos mais utilizados e dos mais mentirosos. Recorda-se aqui o estado exacto do problema. 

1- Em Direito internacional o que conta não é a nacionalidade do prestamista mas a nacionalidade dos contratos. Quando uma dívida, pública ou privada, é emitida em direito francês, sua moeda de regularização é a moeda com curso legal em França, qualquer que seja esta moeda (Euro ou Franco). Isso tem um nome, a Lex Monetae. 

2- Para a dívida pública, os contratos emitidos em direito francês passaram de 85% do montante da dívida para 97% em 2013. Portanto, unicamente os 3% residuais seriam afectados por uma depreciação da moeda. 

3- A dívida das famílias é maciçamente (em mais de 98,5%) em contratos em direito francês. Isso quer dizer que haveria uma conversão instantânea das dívidas e dos haveres detidos em Euro para o Franco, a uma taxa de 1 por 1. 

4- Para as empresas não financeiras, o problema da natureza do direito não se coloca senão para aquelas, em geral os grandes grupos, que tomaram emprestado em Dólar, em Libra ou em Yen. Mas estes grandes grupos realizam uma grande parte da sua facturação fora da França e nestas moedas. O impacto da alta do seu endividamento seria coberto pela alta da sua facturação em outra moeda que o Franco. 

5- Para as sociedades financeiras (bancos e seguros) um estudo do BRI [NT] da Basileia mostra que o sistema bancário francês pode perfeitamente digerir este choque, cujo montante agregado não ultrapassaria os 5 mil milhões de Euros. Para as companhias de seguros, elas reorientaram maciçamente seus activos para a França. Se uma ajuda do Estado fosse necessária, ela deveria ser limitada e será amplamente digerível no quadro de um forte crescimento engendrado pela depreciação. 

6- Se a França saísse do Euro e depreciasse a sua moeda, todos os países a imitariam o que resultaria em anular o benefício da operação. 

Este constitui o segundo argumento mais habitual contra uma dissolução da Zona Euro. Mas ele não considera as realidades da economia. 

1- É muito difícil para um país com uma balança comercial maciçamente excedentária ver a sua moeda depreciar-se. Para isso seria preciso que o seu Banco Central injectasse maciçamente moeda na sua economia (provavelmente até 500 a 600 mil milhões). Ora, a Constituição alemã proíbe-o formalmente. É portanto irrealista ver a Alemanha depreciar a sua moeda. 

2- Uma depreciação da Lira italiana e da Peseta espanhola é, em contrapartida, certa. Ela deveria ser ligeiramente mais importante que a do Franco francês. 

3- Esta situação foi testada [4] e revelou-se favorável à França, mas também à Itália e à Espanha (assim como a Portugal e à Grécia). Em contrapartida, a constituição de um bloco monetário alcunhado Euro-Sul seria muito desfavorável para estes países. 

7- Muitos dos nossos problemas são anteriores à criação do Euro. Pretender sair do Euro não os resolveria. 

Terceiro argumento frequentemente levantado, em geral por economistas situados à esquerda do tabuleiro político, mas que repousa num mal entendido. 

1- É efectivamente verdadeiro que os problemas estruturais da economia francesa são em parte anteriores a 1999. Mas também é claro que estes problemas foram consideravelmente agravados pela criação do Euro. 

2- Estes problemas foram provocados pela política dita do “Franco forte” que a França havia adoptado nos anos 1990 para se preparar para o Euro. Deve-se portanto logicamente ligá-los à existência do Euro, que deu um certo sentido a esta política. Se a França houvesse depreciado maciçamente a sua moeda (-20%) em 1994 ou 1995, uma parte destes problemas não se teriam manifestado. 

3- Fundamentalmente, a França experimentava uma crise latente, com períodos de remissões, desde que foi feita a “viragem” pró europeia de 1983 e adoptada uma política de financiarização das actividades económicas (1987). É esta política que deve ser por em causa. 

4- Portanto uma depreciação do Euro não tem sentido senão fôr acompanhada de uma outra política, de uma ruptura com certo número de medidas que tem sido tomadas desde há 30 anos e se não for acompanhada de uma política de “des-financiarização” de que um dos principais instrumentos será um controle dos movimentos de capitais a curto e muito curto prazo. Neste sentido, uma saída do Euro pode ser uma oportunidade histórica de pôr em execução esta “outra política” que obceca a França desde há trinta anos. 

8- Qual seria o impacto de uma depreciação sobre a inflação? 

É claro que será preciso efectivamente esperar um aumento da inflação na sequência de uma forte depreciação da moeda. Mas este avanço da inflação será na realidade muito moderado e bem inferior às estimativas loucas feitas por alguns. 

1- Pode-se estimar a inflação importada total, ao longo de um período de dois anos, em 7% a 9%, ao que será preciso acrescentar a inflação residual. É portanto um total de 10% a 12% de inflação que a França deveria ter ao longo dos dois anos seguintes à depreciação do Franco. Esta estimativa foi voluntariamente pessimista. Na realidade, o contexto económico está mais próximo da deflação que da inflação. 

2- O preço dos carburantes, considerando o montante dos impostos, não deveria aumentar mais de 5% a 7%. 

3- Taxas de inflação do nível que se acaba de evocar terão em contrapartida o efeito de tornar as taxas de juros reais negativas. Isto deveria ter, como se viu nos anos do pós guerra, um efeito muito positivo sobre a actividade económica e o investimento. 

9- Uma dissolução da zona Euro e uma forte depreciação da moeda provocaria a hostilidade dos Estados Unidos e dos outros países. 

De facto, isto não considera, mais uma vez, certas realidades. 

1- Uma depreciação que se situasse no quadro dos cálculos que têm sido feitos não provocaria uma baixa do valor agregado da produção da zona Euro senão em 7% (essencialmente devido a uma reavaliação da moeda alemã). Isso equivaleria a passar de 1 Euro por 1,365 USD a 1 Euro por 1,27 USD. É inteiramente aceitável tanto para os Estados Unidos como para o Japão [5] . 

2- Tem sido dito frequentemente que o Euro nos “protegia” contra o Dólar (sem nunca o demonstrar). De facto o Euro não pôde ser criado senão com o acordo dos Estados Unidos [6] . 

3- O fim do Euro concentraria as pressões especulativas sobre o Dólar e levaria o governo americano a aceitar uma nova conferência monetária internacional. 

26/Janeiro/2014

 

[1] La Lettre du CEPII, n°340, janvier 2014. 
[2] B.C. Greenwald et J.E. Stiglitz, “Toward a Theory of Rigidities” in American Economic Review, vol. 79, n°2, 1989, Papers and Proceedings, pp. 364-369. J.E. Stiglitz, “Toward a general Theory of Wage and Price Rigidities and Economic Fluctuations” in American Economic Review, vol. 79, 1989, Papers and Proceedings, pp. 75-80. 
[3] Sapir J., P. Murer et C. Durand, Les scénarii de dissolution de l’ Euro, Fondation ResPublica, Paris, septembre 2013. 
[4] Sapir J., P. Murer et C. Durand, Les scénarii de dissolution de l’ Euro, op. cit. 
[5] Cálculos realizados a partir do PIB dos diferentes países. Sapir J., P. Murer et C. Durand, Les scénarii de dissolution de l’ Euro, op . cit.. 
[6] Sapir J., “La fin du duopole”, Russeurope, 6 octobre 2013, russeurope.hypotheses.org/1585 

O original encontra-se em russeurope.hypotheses.org/1933 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Euro: Questões frequentemente perguntadas (II)

por Jacques Sapir

10- Seria possível salvar a zona Euro? 

É uma questão frequentemente colocada, regra geral por um interlocutor do centro esquerda ou mesmo de esquerda. A isso podem-se dar as seguintes respostas: 

1- Em teoria, a comutação para uma Europa federal, dotada de um orçamento à medida das suas ambições, poderia resolver os problemas apresentados pelo Euro. Uma moeda única governa bem a economia de grandes países cujas diversidades regionais são da mesma ordem que as diversidades entre as economias dos países que compõem a zona Euro. Mas isso implicaria:

a) Transferências extremamente importantes entre países como a Alemanha ou a Finlândia e os países do Sul da zona Euro. O montante destas transferências anuais foi estimado por Patrick Artus, do NATIXIS, em 12% do PIB da Alemanha e em cerca de 8% a 10% por mim [1]. Estas transferências deveriam ser mantidas durante pelo menos dez anos e talvez mais. 

b) Além de estas transferências serem impossíveis de suportar pela Alemanha, elas são contraditórias com a política deste país, que procura minimizar o custo da sua participação na zona Euro. Notemos que a Alemanha não é o único país a recusar esta solução: numerosos outros (Finlândia, Países Baixos e Eslovaquia) também se opõem. 

c) Construir uma Europa federal implica realizar transferências de soberania permanentes, o que a maioria dos países da zona Euro recusa, ou chegar a um quadro não democrático, o que levantaria problemas em numerosos países.

2- Sempre em teoria, é concebível que o Banco Central Europeu se substitua por algum tempo a um orçamento federal cuja impossibilidade foi verificada mais acima e aceite o refinanciamento pelo equivalente (de 220 a 230 mil milhões) de títulos públicos dos países referidos. Contudo, a permanência de um mecanismo de recompra permanente das dívidas públicas chocar-se-ia então com o obstáculo da Constituição alemã. Além disso, desestabilizaria a prazo a economia europeia ao criar uma situação maciça de risco moral quanto à utilização desta dívida. 

3- Na realidade, estas medidas carecem completamente de realismo. Isto conduz igualmente a interrogações sobre o sentido das declarações de grandes economistas (como P. Krugman ou N. Pissarides) quando afirmam que se estas medidas não forem tomadas o Euro explodirá. Como se pode supor que eles sabem muito bem que a adopção destas medidas hoje é impossível, isso leva a perguntar sobre o outro termo da alternativa e portanto o que não é dito nas suas declarações. Mas isto em nada perturba os jornalistas do Libération [2] . 

11- A existência do Euro constitui um problema para a democracia? 

São sobretudo pessoas situadas à direita que colocam esta questão. Pode-se a elas responder o seguinte: 

1- Em si, uma moeda única não apresenta problemas de democracia, pelo menos se tivermos um controle da política monetária por estruturas democráticas. 

2- Mas, nas condições concretas de funcionamento da zona Euro, e em particular as medidas de austeridade impostas em diversos países, as regras de compromisso das despesas no MEE e o princípio do controle prévio sobre o orçamento que foi estabelecido, confiam poderes soberanos a organismos (as comissões técnicas da UE) que não são eleitas e que não têm nenhum direito a esta soberania. Nestas condições, é inegável que o Euro apresenta hoje um grande problema de democracia na Europa. 

12- O fim do Euro implicaria o fim da União Europeia. 

É um dos argumentos mais comummente utilizados por pessoas que, depois de terem reconhecido e admitido que você tinha razão, dizem que esta é a razão para que não se possa sair do Euro. De facto, a resposta é bastante simples: 

1- Há países, e países com economia importante, que fazem parte da UE e não da zona Euro: a Grã-Bretanha, a Polónia, a Suécia. Além disso, a UE existiu antes que fosse criado o Euro. Portanto é falso dizer que uma explosão da zona Euro conduziria inelutavelmente a uma explosão da UE. 

2- De facto, é a existência do Euro que hoje compromete a estabilidade da UE e que a torna, em todos os países, maciçamente impopular. Foi em nome do Euro que se impuseram políticas de austeridade que são assassinas (no sentido figurado mas também no sentido literal, basta pensar na alta dos suicídios e das patologias) nos países da Europa do Sul. É o Euro que, pelos seus efeitos negativos sobre o crescimento, faz com que hoje a UE surja como uma zona de estagnação económica tanto em relação à América do Norte (Estados Unidos e Canadá) como em relação à zona Ásia-Pacífico. É o Euro, devido à crise que provoca no interior de certos países, que ameaça a estabilidade política e a integridade destes últimos. Esta é a razão pela qual, com os economistas do European Solidarity Manifesto [3] , apelo também à dissolução da zona Euro. 

3- Não se pode entretanto esconder a cabeça na areia. O Euro contaminou a UE. Um certo número de regulamentações europeias são na realidade nocivas e a rota “livre-cambista” tomada pela UE é uma ameaça para os trabalhadores de todos os países da UE. Seria bom então que, aproveitando o choque provocado por uma dissolução do Euro (quer ela seja controlada ou não), a ocasião fosse aproveitada para pôr em causa um certo número de problemas pendentes na UE (e em particular as regras de negociação que levam à aceitação do “grande mercado transatlântico”). 

13- Tem razão, naturalmente, mas dissolver o Euro equivale a dar razão à Frente Nacional e a Marine le Pen. 

Quando, em última instância, você afastou todas as objecções, quando os vossos interlocutores não têm mais nada de sério a vos opor, este é o último argumento que utilizam. Frédéric Lordon, em Julho de 2013, respondeu a este argumento [4] . É preciso então insistir nos seguintes pontos: 

1- A Frente Nacional não tem o monopólio da posição anti-Euro. Os opositores existem também no centro-direita (Nicolas Dupont-Aignan, Jacques Myard) e à esquerda (o M’Pep, nomeadamente, mas também fracções inteiras da Frente de Esquerda, a julgar pelo correio que recebo, federações do PG e do PCF). Mas vê-se bem o interesse, para aqueles que querem a todo preço manter o Euro, em fazer crer que Marine le Pen tem o monopólio destas posições. É o equivalente neste debate ao famoso “ponto Godwin”, a reductio ab Hitlerum que caracteriza aqueles que estão esgotados de ideias, argumentos e credibilidade. 

2- É preciso a seguir acrescentar que o facto de Marine le Pen ter adoptado esta posição em nada lhe retira sua pertinência. Uma posição deve ser julgada pelos seus argumentos, sem inferências com outras posições exprimidas por certas pessoas. Isto é uma das condições de existência do debate democrático. Não respeitar estas regras equivale a sair da democracia e a entrar no mundo sinistro dos processos por feitiçaria e da inquisição. Dir-se-á que, tendo em conta o peso da democracia cristã no nascimento do Euro, isto não é nada espantoso… Pode-se não estar de acordo com as posições de alguém e reconhecer que ele ou ela tem razão sobre um ponto particular. Meu colega italiano Alberto Bagnai, na nota “A água molha e o desemprego mata” no seu blog, escreveu coisas muito justas sobre este ponto [5] e estou inteiramente de acordo com ele. 

3- No fundo, pouco importa saber quem retoma nossas posições. Hoje, o Euro é a principal causa de miséria e de morte na Europa. Sua existência impede todas as políticas de relançamento. Sua existência, devido à pressão que ele exerce sobre os espíritos, fez explodir o campo das pessoas que se dizem de esquerda. Eles tergiversam sem cessar sobre esta questão, não é Senhor Mélechon? Sua responsabilidade está aqui totalmente comprometida. Se para vencer for preciso que me alie ao Diabo, cito Churchill quando em 23 de Junho de 1941 deu o seu apoio a Staline. Quando um deputado conservador lhe pergunta como ele, anti-comunista convicto, tinha podido chegar a isso ele responde: “Se Hitler houvesse invadido o inferno, eu me teria arranjado para ter uma palavra gentil para com o Diabo”. Staline não era o Diabo e Marine le Pen certamente não o é. E se ela diz alguma coisa sensata, então eu a saúdo. Contra o “partido único do Euro” todas as forças, escrevo bem TODAS, serão necessárias para que se lhe ponha fim. Diante do perigo que nos ameaça, é a divisão e o sectarismo que constituem nossos maiores inimigos. 

29/Janeiro/2014

 

[1] Jacques Sapir, “Le coût du fédéralisme dans la zone Euro”, billet publié sur le carnet Russeurope le 10/11/2012, URL: http://russeurope.hypotheses.org/453 
[2] C. Mathiot, « Des Nobels pris au piège par le FN », 23 janvier 2014, Libération, www.liberation.fr/… 
[3] www.european-solidarity.eu/ 
[4] blog.mondediplo.net/2013-07-08-Ce-que-l-extreme-droite-ne-nous-prendra-pas 
[5] goofynomics.blogspot.fr/2013/12/leau-mouille-et-le-chomage-tue.html 

A primeira parte deste artigo encontra-se em resistir.info/europa/sapir_26jan14_parte_1.html 

O original encontra-se em russeurope.hypotheses.org/1936 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Redação

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  1. A queda do euro beneficia o dolar

    Mas e quanto à adoção do euro como moeda de comercialização do petróleo? E por que a Inglaterra não aderiu?

    A criação do Euro decidida em 1998. Logo após, um dos principais países produtores de petróleo, o Iraque, se posicionou em adotar o euro como moeda para transacionar o petróleo.

    De repente, o que muitos dizem ser trabalhor interno, em 11 de setembro de 2001 veio o atentado nos EUA.

    Atentado que permitiu e permite até hoje invadir vários países, sob um manto de 60 palavras (vide: 60 palavras e uma guerra sem fim http://www.apublica.org/2014/01/60-palavras-uma-guerra-sem-fim/). 

    O petroleo é o porto seguro da economia americana.

     

    Ver também:

    A emergência de um preço de referência internacional do petróleo denominado em euro

    http://resistir.info/energia/clark_oil_euro.html

    Os iranianos estão prestes a cometer uma “ofensa” muito maior do que a de Saddam Hussein em fins de 2000 com a conversão para o euro nas exportações do petróleo do Iraque. Numerosos artigos têm revelado o planeamento do Pentágono para operações contra o Irão já em 2005. Se bem que as razões publicamente declaradas virão a ser as ambições nucleares do Irão, há motivações macro-económicas não mencionadas que explicam as Razões Reais referentes à 2ª etapa da guerra do petrodólar — a anunciada bolsa de petróleo do Irão baseada no euro. 

    Em 2005-2006 o governo de Teerão desenvolveu um plano para começar a competir com o NYMEX de Nova York e com o IPE de Londres no comércio internacional de petróleo — utilizando um mecanismo denominado em euros. Isto significa que sem alguma forma de intervenção americana o euro está em vias de ganhar um firme ponto de apoio no comércio internacional de petróleo.

     

    Fontes do Pentágono confirmam que a administração Bush poderia empreender uma estratégia militar desesperada para frustrar as ambições nucleares do Irão enquanto simultaneamente tentaria impedir a Bolsa Iraniana de Petróleo de iniciar um sistema de comercialização baseado no euro.

    […]

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