Entenda: Assembleia Geral da ONU pode reagir à guerra em Israel

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Pós-doutor em Direito Internacional e Relações Internacionais da USP, João Amorim, explica

Destruição em Gaza é apontada como similar às que ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial, aponta o Financial Times. Foto: Doaa Albaz/Anadolu

Um mecanismo das Nações Unidas já permite que a Assembleia Geral da ONU tome medidas contra uma guerra ou conflito, ainda que o Conselho de Segurança adote o contrário ou não tome ações. Assim, a guerra do Estado de Israel em Gaza poderá ser levada para a mesa dos 193 estados membros da ONU.

E não só pode, como a questão Israel-Palestina já foi levada para essa mesa, por meio da Resolução 377.

O que é a Resolução 377

Trata-se do precedente “Uniting for Peace” (“Unindo pela Paz”), adotado nos anos 50, em um episódio similar ao registrado atualmente. Assim como agora os Estados Unidos vetaram o cessar-fogo no Conselho de Segurança, naquele ano, a União Soviética havia vetado uma resolução do CS que condenava a invasão da Coréia do Sul pela Coréia do Norte.

Como resposta a este bloqueio, a Assembleia Geral convocou reuniões e, em resolução, aprovou a condenação da invasão para defender a Coréia do Sul, criando assim um precedente para conflitos posteriores, incluindo o atual.

É o que explica o acadêmico e pós-doutor em Direito Internacional e Relações Internacionais da USP, João Amorim, ao GGN.

“A aplicação do precedente ‘Uniting for Peace’ ao genocídio em Gaza é possível, sim. E já foi, inclusive, tentado. O precedente foi criado para os casos em que o CS [Conselho de Segurança] se visse bloqueado pela inação ou veto dos membros permanentes, principalmente nos primeiros anos da Guerra Fria.”

ONU prepara reunião de emergência

E a Assembleia Geral da ONU já se prepara para uma nova reunião, no qual quer enfrentar justamente essa “inação” do Conselho de Segurança, que não reage para impedir a guerra.

O cenário atual ocorre após os Estados Unidos enfrentarem duras críticas por seus pares, aliados e organizações de direitos humanos, quando votaram contra o cessar-fogo, frustrando uma resposta da organização e impedindo uma atuação, incluindo o uso das forças internacionais.

Segundo Amorim, a Assembleia Geral não pode se manifestar em relação a um tema que ainda esteja sendo apreciado pelo Conselho de Segurança. E, internamente, membros do Conselho interessados podem simplesmente encerrar uma resolução sem colocar fim, permanece “deliberando” sobre o assunto, para que o caso não seja levado à mesa dos 193 países.

A Resolução “Uniting for Peace” busca justamente dar uma resposta a estes casos que são bloqueados propositalmente e paralisados, sem resolução do conflito. Quando o Brasil apresentou três propostas consecutivas de resolução ao Conselho de Segurança, o não consenso entre os países membros configurou a “inação”, a incapacidade de o órgão deliberar sobre o conflito.

Por isso, a Assembleia Geral pode convocar uma nova sessão emergencial, com base na Resolução 377. O especialista explica que o sistema “Uniting for Peace” já foi adotado para tratar da ocupação israelense nos territórios palestinos e em Jerusalém oriental desde 1997. E foi uma das sessões (Resolução A/ES-10/L.25), no dia 26 de outubro, que motivou a suspensão recente dos ataques para o acesso de ajuda humanitária e proteção de civis em Gaza.

“Curioso é que, das 11 sessões especiais já convocadas dentro do sistema ‘Uniting for Peace’, 6 envolvem as ações de Israel no Oriente Médio e nos territórios ocupados na Palestina”, observa, ainda, João Amorim.

Poder ainda é do Conselho de Segurança

Mas apesar da existência do mecanismo, a diferença do seu uso para a atualidade é que o poder de uso das forças de segurança são exclusivamente do Conselho de Segurança, podendo a Assembleia Geral somente emitir recomendações.

“Mesmo que seja um importante instrumento de posicionamento e pressão política dos membros da ONU, o sistema ‘Uniting For Peace’, ainda que se aplique aos conflitos aos quais se refere, não tem o poder de impor sanções nem exercer qualquer poder de dissuasão (exceto o político e de opinião pública) de modo a fazer cessar o conflito”, explica.

“Mesmo podendo avocar uma certa competência sobre as questões de ameaças à paz e segurança internacionais, a Assembleia Geral só pode fazer recomendações (no sistema ‘Uniting for Peace’), e o monopólio exclusivo do uso internacional da força, bem como os demais poderes sancionatórios internacionais, continuam sendo exclusivos do CS [Conselho de Segurança].”

Assim, a resolução da Assembleia Geral fica restrita a representar uma pressão política internacional de peso, podendo motivar sanções diplomático-comerciais dos países membros, mas sem aplicação obrigatória.

“A força de dissuasão das resoluções da AG [Assembleia Geal] é bem pequena, nesse aspecto, mas pode, sim, significar uma complicação política, em outras áreas (como econômica e comercial), principalmente para os países aliados a Israel e que apoiam a ocupação (como, por exemplo, Estados Unidos, Grã-Bretanha ou Alemanha). O poder de aplicar sanções econômicas, banimento de ativos, restrição de deslocamento de pessoas, etc (que, de certa forma, também é ‘uso da força’) continua sendo exclusividade do CS [Conselho de Segurança]”, completa.

Para modificar este cenário, Amorim defende a reforma das Nações Unidas, para que tenha poder de atuação em conflitos como este. “Por essas e outras questões é que a reforma da Carta da ONU é tão urgente e necessária. O sistema de 1945 só funcionou (em relação à tutela da paz e da segurança internacionais) até o começo da Guerra Fria, e definitivamente não possui qualquer tipo de possibilidade de funcionamento correto no século XXI.”

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Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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