Lawfare no Paquistão: preso o ex-primeiro ministro deposto pelos EUA, por Ruben Rosenthal

Não está evidenciado se Imran Khan cometeu os atos dos quais foi acusado. A única certeza é que ele contrariou os interesses dos EUA

Ex-primeiro-ministro do Paquistão Imran Khan. | Foto: Divulgação

do Chacoalhando

Lawfare no Paquistão: preso o ex-primeiro ministro deposto pelos EUA

por Ruben Rosenthal*

No Paquistão, o ex-primeiro-ministro, Imran Khan, foi sentenciado no início de agosto a três anos de prisão e ao banimento da política por cinco anos. Ele foi considerado culpado de não declarar o dinheiro da venda de presentes que recebera como chefe de governo.

Khan havia sido afastado de seu cargo em 2022 por uma moção de desconfiança, e agora ele foi condenado e preso, para que não possa concorrer nas eleições que vão ser realizadas ainda este ano.                             

Não está claramente evidenciado se, de fato, Khan cometeu os atos dos quais foi acusado. A única certeza no momento é que ele contrariou, e muito, os interesses dos EUA. Khan teria sido vítima de uma ampla conspiração envolvendo militares, judiciário e a oposição, com a benção, é claro, do departamento de estado norte-americano.  

Vale lembrar que o Paquistão é uma importante peça no xadrez da geopolítica internacional. No governo de Khan, seu país assumiu uma posição neutra no conflito da Ucrânia. O Paquistão é também um importante parceiro da China na Rota da Seda. Cabe mencionar o projeto do Corredor Econômico China-Paquistão (CPEC, na sigla em inglês), com custo estimado de mais de 60 bilhões de dólares. O corredor inclui uma série de projetos conectando a China ao Porto de Gwadar. Aos Estados Unidos interessavam então uma mudança de regime.

De campeão mundial de críquete a primeiro-ministro

Ex-jogador e capitão do time que em 1992 se sagrou campeão mundial de críquete, Khan assumiu como primeiro-ministro após seu partido vencer as eleições gerais de 2018, permanecendo à frente do governo até abril de 2022, quando foi afastado pela moção de desconfiança.                

Desde 2012, Imran Khan vinha se manifestando contra o programa dos EUA de ataques com drones (vídeo), que vinham causando inúmeras mortes no interior do país. Para ele, o programa era totalmente contraprodutivo, e ajudava no recrutamento de militantes pelo Talibã, pela insatisfação que causava na população paquistanesa.  

Para ganhar apoio político da direita religiosa e conseguir vencer as eleições de 2018, Khan defendeu as severas leis de blasfêmia. O fato é que, no Paquistão, poucos políticos ousam se opor à essas leis. Um que ousou fazer isso foi o senador Salmaan Taseer, assassinado em 2011.

No poder, já como primeiro-ministro, Khan fez com que os EUA encerrassem o programa de drones assassinos. Ele também recusou vultosos empréstimos  para que o Paquistão enviasse tropas terrestres em apoio à campanha aérea da Arábia Saudita contra o Iêmen.

A ira de Washington foi acirrada ainda mais porque Khan não cancelou o encontro que estava agendado com Putin em Moscou, exatamente no dia em que ocorreu a invasão da Ucrânia, e também porque o Paquistão passou a assumir uma posição de neutralidade no conflito. Khan também contrariou os militares de seu país, ao chamá-los de corruptos.

A perda do poder, as acusações de corrupção e a prisão

Seus adversários políticos no Paquistão teriam então participado de uma conspiração para removê-lo do poder. A moção de desconfiança foi aprovada (no vídeo, a partir de 38 segundos) no Parlamento uma ampla maioria, com 174 votos favoráveis, incluindo o de parlamentares que eram de sua base de apoio.

Khan denunciou que seu afastamento do cargo se tratara de uma conspiração promovida pelos EUA, com apoio da oposição paquistanesa e do exército. Em entrevista a Sky News (vídeo) ele mencionou um telegrama diplomático que tratava de uma reunião ocorrida em 2022, entre o embaixador do Paquistão em Washington e dois membros do Departamento de Estado norte-americano, em que foram feitas ameaças veladas, caso Khan não fosse afastado. Khan mencionou ainda na entrevista, que membros do parlamento receberam 1 milhão de dólares para votar pelo seu afastamento. 

Ainda segundo Khan, a votação da moção de desconfiança se deu no dia seguinte à tal reunião, mesmo sem estar previamente agendada.

Recentemente, o The Intercept teve acesso a um documento, que seria o mesmo que fora mencionado por Khan, e que confirmaria o envolvimento dos EUA na deposição do primeiro-ministro, por sua posição de neutralidade na guerra da Ucrânia.   

Mas mesmo fora do poder, Khan continuou a desagradar aos EUA. Em maio do ano passado, ele elogiou o primeiro-ministro indiano Narendra Modi, por adquirir petróleo mais barato da Rússia, em pleno boicote promovido pelo Ocidente.

Mohammed Hanif, premiado escritor e jornalista paquistanês declarou em  entrevista ao Democracy Now (ver no vídeo a partir de 41:40 minutos) que as acusações de corrupção contra Khan fazem parte de uma luta maior pelo poder no país.

Entretanto, Hanif apresenta um perfil nada lisonjeiro de Khan, que, segundo ele, teria chegado ao poder como uma marionete controlada pelo exército. E acrescenta: quando fora afastado pela moção de desconfiança, Khan disse inicialmente que se tratava de uma conspiração apoiada pelos EUA, para depois mudar de idéia, e acusar os generais de traírem a ele e ao país. Khan teria se incompatibilizado ao mesmo tempo com o exército e com o alto judiciário.

Ainda segundo o escritor paquistanês, a popularidade de Khan é forte principalmente com os setores apolíticos da população, incluindo jovens e setores da classe média engajados em discursos de ódio nas redes sociais contra os políticos tradicionais.

Seus apoiadores se voltaram, então, contra o exército, inclusive de forma violenta. A casa do comandante do exército em Lahore (capital da província de Punjab) foi saqueada e incendiada. Hanif acrescenta que Khan estaria contratando lobistas em Washington para apaziguar as relações com o establishment norte-americano.

Com a proximidade das eleições de 2023, e a possibilidade real de Khan retornar ao poder, caberia agora à justiça do Paquistão impedi-lo de concorrer. Em maio desse ano Khan foi detido por forças para-militares, com acusações de corrupção por ter se apropriado de presentes oficiais.

Diante dos fortes protestos de rua por seus apoiadores, a Suprema Corte do Paquistão considerou que a detenção de Khan fora “inválida e ilegal”, e liberou Khan por duas semanas, sob fiança. Mas o futuro dele já estava selado. Em agosto, Khan foi condenado então a três anos de prisão, cassado por cinco anos, e milhares de seus seguidores  foram perseguidos e presos.

O novo governo do Paquistão passou a exportar armamentos para a Ucrânia, fazendo uso de navios com a bandeira dos EUA. Os carregamentos são enviados inicialmente para algum país costeiro da Europa Oriental, como a Polônia, e daí seguem por terra para a Ucrânia.

Mas, em uma decisão pragmática, o atual governo acertou em abril o fornecimento de petróleo proveniente da Rússia, com desconto significativo no preço em relação ao do Iraque e da Arábia Saudita, de forma a melhorar a economia do país. Em 13 de junho chegou no porto de Karachi, o primeiro cargueiro trazendo petróleo russo.

Khan conta ainda com imenso apoio popular. Ele completará 71 anos de idade em outubro, e mesmo se cumprir integralmente a pena que lhe foi imposta pelo judiciário, não deve ser considerado uma peça fora do tabuleiro de xadrez da política do Paquistão.

O leitor do blog poderá também assistir ao programa Agenda Mundo veiculado em 22 de agosto, que abordou o tema da remoção do cargo e prisão de Imran Khan.

*Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF, responsável peloblogue Chacoalhando e pelo programa de entrevistas Agenda Mundo, no canal da TV GGN e da TV Chacoalhando. 

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