A distribuição de processos no STF é aleatória? Por Ivar A. Hartmann

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Foto: Gil Ferreira/SCO/STF
 
Jornal GGN – Com o objetivo de saber se a distribuição dos processos no Supremo Tribunal Federal (STF) para os ministros é realmente aleatória, um cidadão recorreu à Lei de Acesso à Informação para ter acesso ao código-fonte do programa de computador que faz este sorteio. A resposta do STF foi a negativa porque não haveria “previsão normativa para tal”.
 
Mas para o professor da FGV Direito e coordenador do projeto Supremo em Números, Ivar A. Hartmann, transparência das informações, dentro ou fora do Judiciário, “é pressuposto geral da administração pública” e a Corte errou ao não informar o programa.
 
Por Ivar A. Hartmann
 
 
Do JOTA
 
Recentemente, um cidadão brasileiro pediu ao Supremo o código-fonte do programa de computador que realiza a distribuição aleatória dos processos aos ministros. Usou a Lei de Acesso à Informação (LAI). Em resposta, o Supremo afirmou que a escolha do relator “é feita através de um sistema informatizado desenvolvido pela equipe de Tecnologia da Informação da Corte, o qual utiliza um algoritmo que realiza o sorteio do relator de forma aleatória”. E negou acesso ao algoritmo, tendo em vista a “ausência de previsão normativa para tal.”

 A transparência de dados, dentro ou fora do Judiciário, é pressuposto geral da administração pública. Mesmo sem previsão normativa específica, pela LAI o Supremo está obrigado a franquear o acesso ao código-fonte. A LAI prevê a possibilidade de colocar informações sob sigilo, mas nunca por via da inércia do órgão público. De qualquer forma, o sigilo é explicitamente proibido quando se trata de “informação necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais.”

 É difícil imaginar elemento mais decisivo para a tutela de direitos fundamentais do que o mecanismo de escolha do relator dos processos na mais alta corte do país. No Supremo, escolher o relator é quase definir o resultado. A vasta maioria das decisões do tribunal é tomada pelo próprio relator, sem a participação dos colegas. Muitas vezes, o relator controla o timing de suas decisões no processo de maneira decisiva para o resultado da causa. Ou então decide em nome do colegiado descumprindo o precedente deste.

 Mas e do ponto de vista técnico? Haveria razão para o sigilo?

 Computadores são previsíveis. Se você repete uma pergunta, vai receber sempre a mesma resposta. É necessário um programa diferenciado para que a máquina, ao receber a pergunta “Para quem será distribuído esse processo?”, não responda sempre com o nome de um mesmo ministro.

É possível orientar um computador para gerar resultados “aleatórios”. Mas, mesmo nestes casos, a máquina está sempre sujeita às regras da sua programação. Assim, programas tradicionais não permitem respostas ou resultados verdadeiramente aleatórios, porque o sistema estará seguindo sempre as mesmas regras. Estará executando sempre o mesmo algoritmo com a mesma sequência de comandos.

 Mesmo assim, é possível simular aleatoriedade na distribuição de processos. O programa começa com um valor inicial, chamado de “semente”, e segue um padrão a partir daí. Esse ponto de partida pode ser suficientemente complexo para tornar o padrão difícil de ser identificado. Ainda assim, como não é nada mais que um conjunto de regras se repetindo, o algoritmo irá gerar uma distribuição de processos que não é verdadeiramente aleatória. O resultado pode ser imprevisível olhando de fora, mas será sempre previsível do ponto de vista das instruções do programa. Conhecendo a semente, qualquer um poderia prever para qual ministro seria distribuído o próximo processo sobre o impeachment da presidente Dilma ou o próximo inquérito sobre Eduardo Cunha.

Mas quando a semente usada é suficientemente complexa, mesmo algoritmos pseudo-aleatórios são praticamente impossíveis de quebrar. Se for desse tipo, o algoritmo de distribuição aleatória de processos do Supremo estaria vulnerável apenas a entidades com poder computacional semi-infinito, como o Google ou a NSA. Mesmo assim, seria necessário descobrir a semente. Ou seja, uma renovação periódica dela resolveria o problema. O algoritmo poderia ser divulgado sem risco.

 Existem também formas de um computador dar respostas verdadeiramente aleatórias. Nesses casos, nem todo o poder computacional do mundo permitiria prever para qual ministro o próximo processo seria distribuído. Esses algoritmos tornam a engenharia reversa impossível. Eles se baseiam em dados imprevisíveis da realidade, como o ruído atmosférico ou a temperatura ambiente. Há soluções online neste formato, como o site random.org. Neste caso, não importa qual o algoritmo usado, pois o resultado é aleatório independentemente do código-fonte.

Qual dos dois o Supremo usa? Se o método depende do algoritmo é uma escolha muito perigosa, pois permite manipulação. A divulgação do algoritmo nesse caso é o menor dos problemas. Se não se baseia no algoritmo e sim em uma semente complexa ou em algo verdadeiramente aleatório, então o sigilo do código-fonte não faz diferença. De fato, muitos sistemas realmente seguros publicam voluntariamente seu algoritmo para corroborar sua segurança. Os tokens usados pelos clientes de bancos como o Itaú para gerar um número aleatório e garantir a segurança do internet banking são baseados em um algoritmo público. O Bitcoin, que já movimenta milhões no mundo inteiro, também tem seu código fonte divulgado ao público.

 O Supremo poderia fazer o mesmo como gesto de boa vontade, visando assegurar aos brasileiros que a distribuição dos processos é adequadamente aleatória. Ou poderia divulgar o algoritmo apenas para cumprir a Lei de Acesso à Informação.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

29 Comentários

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    1.   Em Las Vegas a Comissão de

        Em Las Vegas a Comissão de Jogos faz a fiscalização.

        Talvez fosse o caso de distribuir os processos em uma roleta de Las Vegas. Mesmo controlado pela Máfia, “A” Máfia, eu imagino que haja mais isenção que no STF.

  1. Aleatório

    É aleatório, desde que os processos de um réu cujo nome termine com “ES” vá para o ministro cujo nome também termine com “ES”.

  2. Como bem aponta o post o
    Como bem aponta o post o sistema deve ser transparente para qq cidadão dado que é um mecanismo de sorteio de um procedimento judiciário que é por si só público.

  3. O sistema utiliza um código

    O sistema utiliza um código simples: Pra.ferrar.petistas.gilmar.command.com; pra.salva.tucanos.gilmar.command.com; pra.salvar.tucanos.toffoli.command.com; pra.ferrar.pettistas.toffoli.command.com; pra.ferrar.petistas.fucks.command.com; pra.salvat.tucanos.fucks.command.com; pra.outros.assuntos.nao.politicos.qualquer.um.todos.os.outros.minstros.command.com

  4. esse ” sorteio” do STF é um

    esse ” sorteio” do STF é um esculacho, desde sempre. Aqui no blog, a gente sempre sabe quem vai ser sorteado pra relatar aécio. tb sabemos quem vai ser sorteado pra ferrar o PT.  Na verdade, a distribuição é honesta; a gente é que é vidente.

    1. rs…………..essa foi ótima

      …a gente é que é vidente….

      a maquinação da coisa está em quem coloca a semente após perguntar o que querem colher

      tudo combinado entre eles, acredito

  5. Bingo. Se isso se confirma,

    Bingo. Se isso se confirma, todas as decisões do STF poderão ser contestadas. Isto é assunto sério e os partidos interessados deveriam exigir uma auditoria no sistema. 

    Sorteio por computador é brincadeira. Por que a Caixa Econômica Federal usa bolinhas e não computadores? O Brasil é o país da sacanagem mesmo.

  6. O problema não é o sorteio, o

    O problema não é o sorteio, o problema é o poder de quem faz o sorteio.

    Trabalhei anos com distribuição de processos no MPF.

    A maioria das distribuições são por regras bem definidades nos programas, NO ENTANTO, os servidores do setor de distribuição PODEM alterar a distribuição e direcioná-la.

    Nem sempre isto é ruim, o que acontece é que existem N possibilidade em um sorteio que um programa não pode prever.

    Por exemplo, ministro X acabou de entregar um atestado, então os processos que acabaram de ser distribuídos para ele terão que ser redistribuídos.

    Outro exemplo, a composição de uma turma de julgamento mudou, então a regra inserida no sistema está desatualizada… redistribuição, então.

    O problema é: se alguém chamado GM chega no setor de distribuição e diz para o servidor responsável que tal processo tem que ir para ele, o servidor pode gerar uma distribuição SIM, com APARÊNCIA DE ALEATÓRIA.

    Se eu fosse o PT, pediria uma auditoria nos processos de distribuição do STF, por exemplo, para verificar se houve qualquer alteração, por qualquer que seja o motivo, pois tudo fica registrado no sistema, inclusive as alterações feitas por servidores com poderes para tal.

  7. Acho que o pedido é chover no molhado.

    Parece que a providência se revela meio inútil. A distribuição tem regras preestabelecidas.

    O programa é desenvolvido e o computador alimentado segundo essas mesmas regras.

    Não é difícil saber se determinada distribuição foi correta ou indevida. Só dá mais um pouco de trabalho, até mesmo porque é um controle a posteiori.

    O “aleatório” aí é “força de expressão”.

    Um exemplo bem simplório. Se um magistrado de algum colegiado é “sorteado” com um processo classe “Y’, não participa do próximo sorteio de processo da mesma classe e assim sucessivamente, até que todos sejam contemplados.

    Nesse mesmo exemplo, a classificação do processo também obedece a regras preestabelecidas.

    Com ou sem “código-fonte”, tanto a manipulação, como a fiscalização, são possíveis.

  8. A roleta do STF é viciada

    A roleta do STF e de outras áreas da ‘justissa’.

    O juiz Itagiba-qualquer-coisa já sabia, de antemão, que o processo contra a posse de Lula iria cair nas mãos dele.

    Antes mesmo de o processo dar entrada no forum, ele já estava com a sentença pronta.

    Essa ‘justissa” é confiável?

  9. Ora, ora, ora, isso não é só

    Ora, ora, ora, isso não é só no STF, não! É em todos, todos os tribunais brasileiros! É um “segredo da cavalaria” que muito tardiamente está sendo questionado.

  10. Em certo tribunal brasileiro o “sorteio” foi desmascarado.

    E de uma forma bastante simples: como o programa permitia “desativar” juízes de sorteios, por exemplo, em caso de ausências, afastamentos por questões de saúde, etc. a quadrilha que se instalou nesse tribunal fez o sorteio de modo bastante fácil: “afastou” no sistema os juízes que não deveriam receber determinado processo, muitas vezes deixando ativo no sistema apenas um único juiz.

    Obviamente era o juiz para o qual o processo seria direcionado. O resultado do sorteio de um “ganhador” em apenas um candidato não causa surpresa.

    Logo após o sorteio, os demais juízes eram reativados no sistema, às vezes para sorteio de outros processos. 

    Para isto não se necessita de nenhum estudo do programa sorteador, apenas e tão somente verificar quem tem acesso a este programa de sorteio e quanto anda chovendo na horta dele.

    E também um rastreamento das desativações e a confrontação com os reais afastamentos. Coisa para jornalista curioso.

     

  11. Vamos ser justos com o

    Vamos ser justos com o gilmar, oh homem azarado né. Tudo que cai lá no stf sobre o Pt acaba ficando com ele. Desse jeito vão ter que dar um aumento além daqueles quarenta por cento dado também aos outros ministros. Vamos fazer uma campanha denunciando essa falta de sorte desse pobre senhror do nosso queridíssimo stf. O PT tá fazendo esse homem trabalhar demais gente!!!

  12. Se fosse o único faz-de-conta do STF…

    Ou alguém acredita que cada ministro despacha 5 mil processos por ano? E ainda tendo 60 dias de férias?

    É a “terceirização” das competências dos ministros para os assessores, descarada e assumida!

  13. Probabilidade e números aleaórios

    Um elétron tem uma distribuição de probabilidade, mas não um “número aleatório”.

    Por isso, na física quântica o gato é quase-morto (tenho que olhar dentro da “caixa preta”, para verificar se o gato está vivo…).

    Assim funciona quase toda a física de partículas…

    “Número aleatório” é em todos os programas (linguagens humanas) uma “biblioteca”.

    (Na realidade ninguém sabe o que sejam “números aleatórios” – por serem “inconstantes”…No “inflinito” não convergem à teoria de conjuntos…)

    Por ser humana (a linguagem humana “imposta” à máquina), manipulo do jeito que…

    Quiser…

    Mas nunca será um quasar…

    Portanto, fácil de achar…

     

     

     

     

  14. E não tem um senador pra cobrar?

    Se Deus quiser, este jogo de comadres entre STF e senado melhora. Quem sabe é com prisão dos ministros ou senadores  bandidos, ou senadores não sendo mais julgados pelo STF, que podem acontecer em alguns anos.

  15. Aposto …

    Aposto no uso da função “random” padrão da linguagem de programação usada , funciona bem para casos simples mas inadequada para casos como este do STF, liberar o fonte , em tese , não facilita um ataque , até pode ser bom pois parte da comunidade de segurança pode detectar falhas.

     

    Ao menos citar os algoritmos usados.

  16. Algorítmo computacional?

    Que babaquice tecnicista. Pagar caro por um programa que precisa de assistência técnica quando fichas com nomes de juízes dentro de um chapéu já resolveria. Aí deve ter armação, das grandes.

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