Para Aton Fon, Ministério Público busca aplauso da população

Jornal GGN – Sobre o julgamento da AP (Ação Penal) 470 conhecido como “mensalão”, advogado criminalista Aton Fon, em entrevista concedida ao Jornal GNN, fala sobre os desdobramentos do processo, o posicionamento dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e da Procuradoria Geral da República. Leia a íntegra das declarações.

Jornal GGN – Os embargos infringentes são cabíveis ou não ao processo da Ação Penal 470 como contradiz o Poder Judiciário e Procuradoria Geral da República?

Dr. Aton Fon – Não posso afirmar que o parecer da PGR no caso do ex-deputado José Gerardo seja aplicável ao julgamento da AP-470, dada à carência de elementos. A matéria do Estado de S.Paulo se apoia em que, no julgamento do ex-deputado, a PGR teria se oposto ao cabimento dos embargos infringentes por não haver, ali, quatro votos divergentes no sentido da absolvição. Disso resultaria o cabimento dos embargos infringentes, mediante um raciocínio contrario senso, quando houvesse, como no caso da AP-470, esses quatro votos divergentes.

É comum, porém, em ambiente jurídico o que se chama de admissão para argumentar, ad argumentandum tantum. Nesses casos, ainda que se possa discordar de um entendimento, pode-se admiti-lo somente para argumentar que, mesmo se fosse ele válido, a conclusão não se imporia.

Não fica claro, da matéria publicada, se naquele parecer da PGR no caso José Gerardo o órgão não se valeu de tal forma de argumentar, caso em que poderia ter posição contrária ao cabimento dos embargos infringentes em geral, mas o tivesse admitido para demonstrar que, ainda assim, eles seriam inadmissíveis por não ter sido satisfeita a condição de existirem quatro votos divergentes.

Jornal GNN – O posicionamento do PGR e PJ, em particular no processo da AP 470, não pode macular a imagem do órgão?

Dr. Aton Fon – A PGR e o Ministério Público em geral exercem na ação penal um papel de parte processual, aquela que busca uma sentença condenatória e o de velar pela observância do direito. Isso lhe dá algumas vezes a possibilidade de falar com uma entonação mais forte no sentido de obter a condenação “a qualquer custo”, ao se portar como parte processual, e de mascarar essa condição, outras vezes, falando como se velasse pela norma processual.

O Ministério Público, e não apenas a Procuradoria Geral da República, põe-se dia-a-dia em questão ao exercer cada vez menos sua função de custos legais, buscando converter-se em delegacia de polícia por alcançar, desse modo, mais aplausos da massa da população.

Caberia indagar – e aí, sim, seria mais grave – se o posicionamento dos ministros do STF que abandonaram qualquer carinho pelo direito de defesa, pelas normas processuais e pelo próprio direito penal não poderia macular suas próprias imagens e do organismo a que eles pertencem. Afinal, por mais equivocado que possa ser o pedido formulado pelo Ministério Público no processo, será apenas um pedido. Os equívocos dos magistrados formam decisões e mudam vidas.

Jornal GNN – Os embargos declaratórios foram em sua maioria rejeitados integralmente, no que os embargos infringentes poderão mudar no julgamento da AP 470?

Dr. Aton Fon – Há diversos aspectos que não puderam ser examinados no julgamento dos embargos declaratórios diante da resistência de conferir-lhes caráter infringente, isto é, de permitir que, em seu exame, que fossem considerados também elementos do mérito da causa.

 Veja-se, por exemplo, uma questão levantada no voto do ministro Teori Zavascki segundo a qual ao dosar a pena aplicável a cada um dos réus e a cada um dos crimes a eles imputados, ter-se-ia sobreposto à pena-base do crime de quadrilha ou bando, um percentual a título de exacerbação muito superior àqueles aplicados no tocante aos demais crimes. Na verdade, o ministro Teori Zavascki demonstrou com os elementos fáticos da dosagem das penas que o Ministro-Relator fez uma conta de chegada, conforme a situação do réu, apenando-o de modo a evitar a prescrição do crime de quadrilha.

Também o fato de alguns réus terem sido condenados por apropriação de recursos públicos apresentados estes como sendo oriunda de empresa Visanet não pode ser apreciado no julgamento dos embargos de declaração, por implicar uma reapreciação da prova e possuir manifesto caráter de infringentes. Aberta a possibilidade de conhecer e julgar os embargos infringentes ficará autorizado o reexame de tais equívocos e o saneamento do problema.

Jornal GNN – Qual sua avaliação sobre esses desdobramentos, o que vem sendo aplicado está respaldado dentro das normas legais ou o que prevalece é a “mão pesada” de Joaquim Barbosa, relator do processo?

Dr. Aton Fon – O Ministro-relator já pesava a mão quando ainda era esse apenas o seu título na AP-470. Alçado à Presidência do Supremo, excedeu-se e disso dão prova os descontroles que protagonizou exatamente quanto devia ser ele o primeiro a conter tais atitudes. Não se trata, porém, de fulanizar esse ou aquele ministro.

Os modos de cada um são seus modos, mas dos magistrados são esperadas decisões juridicamente fundadas, não exercícios de ajustamento a seus desejos recônditos. A massa trata cada julgamento com um Fla-Flu, aplaudindo o juiz que dá um pênalti existente ou anula um gol válido segundo favoreça seu time do coração.

Houve já situações em que o ministro Gilmar Mendes foi agredido pelo Ministro-relator da AP-470 e a massa aplaudiu este por se confrontar com aquele. O que importa, porém, não é quem está sendo favorecido ou prejudicado pelas atitudes do Ministro-relator da AP-470. O que importa é que o direito de defesa e a subsunção à lei e às garantias individuais estão sendo mastigadas nas engrenagens por ele postas em movimento.

O STF inovou violentamente criando a responsabilidade penal por presunção, agressiva da presunção de inocência que a Constituição Federal consagra, ao se desentender com a teoria do domínio funcional do fato.

Jornal GNN – E ainda, como fica a questão do “mensalão” tucano, em sua opinião, existe clima jurídico e político para esta questão?

Dr. Aton Fon – A mais alta Corte deste País negou obediência ao princípio do juiz natural e, com isso, violou o direito de diversos réus, que não tinham privilégio de foro, ao duplo grau de jurisdição. Isso quando, a mesma Corte, no chamado Mensalão Mineiro, desmembrou o processo para não violar essa garantia dos réus, com o que o STF preferiu, também, violar o princípio constitucional da isonomia, estabelecendo uma regra de que os acusados pertencentes ao PSDB têm direito a duplo grau de jurisdição, mas não os que se afiliarem a outros partidos políticos.

Ao se autorizar esse corte político ao exame de uma ação penal, o STF deu corpo definitivamente a um monstro bifronte, a politização do judiciário e a judicialização da política. Politizou-se o judiciário quando se determinou que diferentes correntes políticas pudessem ter, doravante, tratamento diferente em face da lei. Judicializou-se a política porque todos os que militam na política não terão, daqui para frente, que ajustar suas condutas somente em função do que determina a lei, mas também em função das posições políticas dos magistrados. Seria demasiado lembrar que a ditadura militar o era por ser exercida por essa casta de funcionários públicos? Seria demasiado lembrar que outras castas poderiam pretender seguir o mesmo caminho?

Mas a decisão da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal não expressa apenas sua afronta à Lei Maior da República. Anunciou por meio dessa decisão bastarda e ilícita, que os juízes podem e devem doravante judicializar as lutas sociais e perseguir com as mesmas ilegalidades os movimentos e militantes sociais, afirmadas as manifestações do povo como crimes e o direito dos exploradores como o único possível na sociedade brasileira.

A maior preocupação que fica a partir do modo como se dá o julgamento da AP-470 vem do fato de que o direito ferido desses réus hoje poderá sacramentar a violação dos direitos dos militantes e movimentos sociais e de todas as pessoas, desde então.

Ainda não parece possível ter uma visão clara do virá a ocorrer. Certo é, porém, que frutíferos ou não os posicionamentos autoritários revelados durante o julgamento, ele terá repercussões na vida do País.

Jornal GNN – Na sua avaliação o que prevalece a “opinião pública” ou julgamento? Será que a grita nas redes sociais realmente interferiram na volta ao que reza a constituição e o código penal?

Dr. Aton Fon – O ministro Barroso disse hoje [ontem] que o desejo social não pode atropelar direitos dos réus. Com isso, foi ao cerne da questão e abriu passo para que o Supremo possa retomar a serenidade e o papel que a Constituição lhe outorgou. A grita das ruas ou das redes sociais não cria um novo direito. Podem manifestar uma vontade, mas essa vontade somente poderá ser admitida pelo Judiciário se estiver de acordo com o Direito, não contra ele. Por isso, mesmo o processo do Mensalão Tucano, não se pode admitir que fosse submetido às mesmas agruras que a AP-470. Igualdade e isonomia são princípios fundamentais. Mas a igualdade que se busca, a isonomia que a Constituição Federal determina não são aquelas que resultam da igual violação de direitos para todos.

Redação

1 Comentário

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  1. Na verdade, na verdade os

    Na verdade, na verdade os anti-petistas militantes e os aulicos da mídia direitista, ultra-conservadora e reacionária se uniram numa cruzada anti-PT e anti-Lula, e como José Dirceu personifica o PT e foi o arquiteto da eleição de Lula, o que essas pessoas querem não é justiça, é vingança. Apenas vingança. Vingança pura contra José Dirceu (por tudo o que ele representa para o PT e para esquerda, por ele ser um dos seus quadros mais importantes e brilhantes – sobretudo por ter enfrentado de peito aberto a ditadura militar que a mídia direitista e as elites endinheiradas aplaudiram entusisaticamente).

    Esse é o cerne da questão. O que se quer é colocar Dirceu num triturador de reputações e jogá-lo em alguma penitenciária qualquer (ainda que sem provas de coisa alguma) para humilhá-lo e para desacreditar o PT.

    O problema é que a justiça e o MP estão roendo essa corda e aceitando (e em alguns casos até encampando…) esse comportamento da mídia e esse falso (na verdade fabricado) clamor popular contra os réus da AP-470. Situação que não ocorre, nem de longe, em relação aos réus do “mensalão” (do PSDB) mineiro.

    Muitos defendem a igualdade de tratamento. Mas a verdade é que não devemos defender que os supostos crimes cometidos pela turma do PSDB receba o mesmo tratamento ilegal dado ao PT. O que se necessita é que as garantias constitucionais do direito de defesa prevaleçam para o PT, para o PSDB ou para quem quer que seja. E que as condenações se processem, desde que provas existam quanto aos delitos relatados. E que essas provas sejam cabais, nítidas, incontestáveis…

    Caso contrário não estará se fazendo justiça. Porque vingança e justiciamento nada tem a ver com justiça e jamais podem ser confundidos com tal.

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