Celso de Mello, o senhor Ministro – com correções

Hoje em dia, tratando de um problema da coluna, o velho Ministro se permite um balanço de sua carreira até o Supremo Tribunal Federal

Republicado com correções enviadas por Celso de Mello

O velho senhor mantém a discrição, a mesma discrição com que exerceu seu cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Com uma carreira brilhante de promotor do Ministério Público Estadual de São Paulo, Celso de Mello foi nomeado assessor do então Consultor Geral da República e, depois, Ministro da Justiça, Saulo Ramos. 

Entrou na lama sem sujar a roupa. Limitou-se a dar formato jurídico às decisões de governo. Depois, foi indicado Ministro do STF.

Leu os artigos que escrevi sobre minha guerra particular com Saulo. E se sentiu agradecido que lhe disse que o maior elogio que recebeu foi a menção, na biografia de Saulo, a um diálogo que não houve.

Celso votou contra a pretensão de José Sarney, de se candidatar a senador pelo Amapá. Segundo a versão de Saulo, houve um telefonema a Celso que lhe dissera que a votação já estava decidida a favor de Sarney, então ele dera um voto insosso apenas para mostrar independência, sabendo que não afetaria o resultado final.

E terminou com um:

– Ministro de merda!

Saulo era um bravateiro, e há tempos Márcio Chaer, no Conjur, já havia desmentido esse suposto diálogo. O relator, Carlos Velloso, votou a favor de Sarney. Celso era o chamado benjamin – o mais novo Ministro – e, como tal, o primeiro a votar. Votou contra a pretensão de Sarney e seu voto foi acompanhado por mais três Ministros. O último voto sempre era do presidente da corte na época, Nery Silveira.

Foi um voto de 10 laudas, bem fundamentado, mostrando que, por não ter domicílio eleitoral no Amapá, Sarney não poderia se candidatar. O julgamento terminou com 7 votos a favor do Sarney e 3 contra, acompanhando o voto de Celso.

No livro, Saulo diz que, depois desse episódio, ele nunca mais esteve com Celso. Quando Celso tomou posse na presidência, em 1997, há uma fotografia dele. Seu contato posterior com Saulo foi quando Sarney o alertou que Saulo estava morando em Ribeirão Preto, com problemas de saúde, e lhe passou o telefone. Celso ligou:

– Sr. Saulo, acabo de ser informado pelo ex-presidente Sarney que o senhor teve alta do Incor. Desejo plena recuperação.

– Muito obrigado

E terminou aí sua relação.

Aliás, Celso sempre foi tão cioso dos princípios da isenção que, quando promotor, teve problemas com o então prefeito Paulo Maluf. Achavam que ele pertencia a um grupo dentro do MPE contra Maluf. Quando os casos de Maluf chegaram ao STF, Celso se declarou impedido de julgar, por razões de foro íntimo.

Hoje em dia, tratando de um problema da coluna, o velho Ministro se permite um balanço de sua carreira. Um de seus orgulhos foi em um de seus últimos julgamentos, sobre os direitos do grupo LBTG de  pensão do companheiro. O voto levou 3 sessões sendo proferido, e os direitos prevaleceram por 8 votos a 3.

Do mesmo modo, não entrou na grande maracutaia (sei que a palavra é forte, mas não encontro outra) do Supremo, aprovando a pena após julgamento em 2o grau, para impedir a libertação de Lula.

No primeiro julgamento, realizado em 2009, a Corte decidiu que a prisão só poderia ser decretada após o trânsito em julgado, ou seja, após o esgotamento de todos os recursos cabíveis. 

Em 2018, o STF voltou a julgar a questão, em um habeas corpus impetrado pelos advogados de Lula, dessa vez por maioria apertada de 6 votos a 5. 

Quando entrou no STF, Celso pegou caso semelhante, e votou pela pena só depois do trâmite em julgado. E se manteve fiel a essa posição.

No caso do Lula, concedeu habeas corpus mas foi voto vencido. 

– Ele estava sendo vítima de transgressão grave, que feria o principio da não culpabilidade.

Votaram a favor de conceder habeas corpus para evitar prisão: Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio de Mello e Celso de Mello; votaram contra: Luiz Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Carmen Lúcia.

Outro episódio que mostra a cepa do velho juiz foi o julgamento dos embargos de infringência no caso do mensalão. O voto seria dado na 5a, e o relator Joaquim Barbosa sabia que Celso votaria a favor. A sessão estava no fim e o próximo voto seria o seu. Joaquim suspendeu para continuar na próxima sessão, na 4a feira seguinte. Seu voto era extenso, mas Celso garantiu que faria um resumo em 5 minutos.

Joaquim negou. Alegou que haveria votação do Tribunal Superior Eleitoral e poderia haver atraso. O que queria, na verdade, era tempo para ver se as pressões dobrariam Celso.

E elas vieram pesadas, na forma de capas de Veja e de um gesto indigno de seu colega Marco Aurélio de Mello que, no dia da retomada do julgamento, publicou um artigo em O Globo pressionando Celso. Foi tão vergonhoso o artigo que eu, que tinha boa relação com Marco Aurélio, nunca mais quis saber de contatá-lo.

Anos depois, Celso de Mello mantém a convicção de que defendeu o bom combate.

Em uma casa povoada por vaidades incontidas, oportunismos desenfreados, golpismo implícitos nos julgamentos, deslumbramentos recorrentes com as vitrines expostas da mídia, com Ministros amarelando ante o clamor midiático, Celso de Mello foi uma exceção.

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Por Celso de Mello

Prezado Jornalista LUIS NASSIF , Muito grato pela gentileza do encaminhamento do seu artigo !

Gostaria, apenas, de enfatizar alguns aspectos , se me permitir .

Quando atuei no âmbito da Presidência da República e da Consultoria Geral da República , nunca me foi solicitado (mesmo porque a tanto jamais me disporia nem o faria) que desse formato jurídico a atos que eventualmente pudessem ser considerados inconstitucionais ou errados !

A minha ida a Brasília , em 1985, deveu-se a um convite que me foi feito pelo saudoso Ministro José Hugo Castelo Branco, por honrosa sugestão do Embaixador Rubens Ricúpero !

Atuei, então, na Assessoria Jurídica do Ministro-Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República. Só posteriormente , um ano depois, quando houve reforma ministerial, é que fui nomeado para a Consultoria Geral da República.

A questão com Paulo Maluf , pelas razões expostas em seu artigo , ocorreu quando ele era Governador do Estado e não Prefeito da Capital !

Finalmente, o processo referente aos integrantes do grupo LGBT+ dizia respeito à pretensão (que acolhi) de reconhecer a omissão do Congresso Nacional em legislar sobre medidas que coibissem a discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais dos integrantes daquele grupo vulnerável !

Como salientei, ao acolher esse pedido contra o odioso, absurdo e criminoso comportamento intolerante daqueles que atentam contra os direitos fundamentais de gays, lésbicas, travestis, bissexuais , pessoas trans e demais integrantes da comunidade LGBT+ , o meu voto (acompanhado por ampla maioria do Plenário do STF , 8X3) reconheceu que a homofobia e a transfobia constituem condutas criminosas enquadráveis na Lei que pune o Racismo , considerada a ampla noção conceitual que se lhe dá, como a de racismo social ! Não se tratava de controvérsia em torno de pensão !

São estas as observações que gostaria de fazer !

Muito obrigado por sua atenção !

Resposta

A conversa com Celso de Mello foi feita em condições muito ruins de som, o que me levou a deduções incorretas sobre alguns aspectos.

Luis Nassif

5 Comentários

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  1. Nassif, como já comentei em posts anteriores, é de invejar como transitas (ou o que o valha) em meio que nós pobres mortais apenas temos notícias. E como muito bem colocado,”casa povoada por vaidades incontidas, oportunismos desenfreados, golpismo implícitos nos julgamentos, deslumbramentos recorrentes com as vitrines expostas da mídia, com Ministros amarelando ante o clamor midiático”, o que podemos estender a qualquer tribunal nas três esferas de poder. E um olhar um pouco mais amplo, o que não dizer do ministério público e seus procuradores.
    Aliás, estou sentido falta, há muito, artigo do Nassif ou de juristas que vez quando aqui escrevem, de artigo comentando sobre o poder, e usufruto, que o judiciário faz de suas prerrogativas de se auto beneficiar pecuniariamente. Claro que, o que é pior, o fazem dentro da lei.

  2. “Entrou na lama sem sujar a roupa. Limitou-se a dar formato jurídico às decisões de governo.” Acho complicado essa afirmação. Essa é a desculpa de todos os juristas dos regimes autoritários.
    Além do mais, antecipou a aposentadoria para não se pronunciar sobre a parcialidade do Moro. Acho que o Nassif esqueceu disso. Como a parcialidade do Moro era aberrante e mancharia a sua biografia um voto contra a parcialidade, saiu antes de votar.

  3. Parabéns Luis Nassif pela homenagem para este brilhante Ministro, Promotor e Advogado Celso de Mello. Acompanhei alguns de seus julgamentos, apesar de eu não ser formado na área, mas seu parecer atuava na minha sensibilidade, no meu coração de tão exato eram seus julgamentos, que entendia que a justiça estava sendo feita.

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