Garantias constitucionais estão sob ameaça no Supremo, por Janio de Freitas

'Mais uma vez, Supremo mostra uma combinação de temor a reações da opinião pública, inclinações políticas em questão essencial para o regime democrático'

Jornal GGN – Apesar de o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ter formado maioria no entendimento de que um réu tem o direito de apresentar sua defesa por último antes do juiz formular a sentença, essa garantia Constitucional corre o risco de ser mutilada na próxima semana, quando o colegiado se reunirá para formular um entendimento conclusivo sobre o tema.

O alerta é de Janio de Freitas, na coluna deste domingo (29), na Folha de S.Paulo. Na quinta-feira (26), por 6 a 3 votos, o STF formou maioria em favor da tese que pode anular condenações em primeira instância da Lava Jato, e isso inclui a do ex-presidente Lula no caso do sítio de Atibaia.

A decisão do STF correu no âmbito do julgamento do habeas corpus impetrado pela defesa do ex-gerente de empreendimentos da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, condenado pelo ex-juiz Sergio Moro, na Lava Jato, por corrupção e lavagem de dinheiro. Seu advogado alegou que o cliente teve o direito de defesa prejudicado, isso porque no momento das alegações finais não foi escutado por último.

No início de agosto, a Segunda Turma do STF realizou um julgamento semelhante em favor de uma ação colocada pela defesa do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine, que levou à primeira anulação de uma pena imposta por Sergio Moro na Lava Jato.

Essas duas decisões do STF – no Plenário e Segunda Turma – devem ser usadas pelas defesas de outros réus da Lava Jato pedindo a revisão dos julgamentos. No caso do ex-presidente Lula, o novo entendimento poderá alterar o resultado da condenação no sítio de Atibaia (SP). Em novembro do ano passado, a juíza Gabriela Hardt fixou prazo de “dez dias para as defesas” apresentarem as manifestações finais, sem distinguir entre delatores e delatados.

“Se, em casos da Lava Jato, entre a acusação por um delator e a sentença não houve tempo para a defesa, ficaram impossibilitados o contraditório e a ampla defesa. Para isso, o método de Moro consistia em dar o mesmo prazo para as “razões finais” da acusação e da defesa. Benesse, só para a ânsia condenatória de Moro”, explica Janio de Freitas.

O articulista também observa as entrelinhas dos magistrados durante a votação na quinta-feira (26). “Luís Roberto Barroso, terceiro a votar, propôs que, se confirmada para o réu a última palavra, assim seja apenas daqui por diante. Logo, caso o Supremo declarasse incorretos os métodos condenatórios, a seu ver o incorreto deveria permanecer intocado. Nem ao menos era caso de regra nova e não retroativa. Azar o de quem não teve a defesa final e está na cadeia”, destaca o articulista.

Luís Roberto Barroso foi um dos três ministros, ao lado do relator Edson Fachin e de Luiz Fux, que votaram contra o pedido de habeas corpus, ou seja, entendendo que o réu não foi prejudicado porque, no momento das alegações finais, não teve o direito de argumentar depois dos delatores que o acusaram.

Janio destaca ainda que, apesar de ter adiantado no fechamento da sessão de quinta-feira que concorda com o entendimento da maioria, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, propôs modular o entendimento para que, na próxima semana, o Plenário estabeleça os limites da decisão, ou seja, se terá validade para as sentenças já impostas no Judiciário.

Janio avalia ainda que, apesar de ter votado em favor do habeas corpus de Márcio de Almeida Ferreira, a ministra Cármen Lúcia poderá acompanhar o entendimento de aplicação em novos casos, para não haver revisão de decisões da Lava Jato.

“(…) com a adesão de Dias Toffoli, que anunciou outra ‘proposta de modulação’, os propensos a mutilar o direito constitucional à ‘ampla defesa’ têm possibilidade de fazer maioria. Situação ameaçadora, porque, como disse Gilmar Mendes, ‘a questão não é Lava Jato, é todo um sistema de Justiça penal'”, prossegue o articulista.

“Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal mostra uma combinação de temor a reações da opinião pública, inclinações políticas e argumentos artificiosos no trato de questão essencial para o regime democrático”, conclui Janio. Clique aqui para ler sua coluna na íntegra.

Redação

11 Comentários

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  1. O perigo é eminente. Trata-se de uma queda de braço entre democracia x ditadura, nas mãos dos legisladores. E, o que está explícito é a divisão dos protagonistas do Supremo, onde as articulações contra o Estado de Direito é extremamente evidente, mesmo porque a ideologia política, em pról de um conservadorismo excludente e de privilégios é reinante na Corte, observado nas entrelinhas, onde existe uma gama de defesa sobre o indefensável. São espectos sutis de quem domina a literatura jurídica pra manipular, e que, de certa forma escapam ao senso comum, mas apresentam ares de veracidade legal pela sofisticação da narrativa e do papel ao que o cargo lhes confere.

    1. Existem basicamente duas formas de encarar o funcionamento dos processos do Estado: o contratualismo e o organicismo.

      Uma visão contratualista é aquela que se baseia em leis, códigos, na constituição, em tratados para descrever como o Estado funciona. É uma visão normativa (ou prescritiva) do Estado. Normalmente, as pessoas adotam essa visão para descreverem as situações políticas. Por isso dizem que existe democracia no Brasil: porque está escrito em alguns documentos.

      Uma visão organicista, por sua vez, procurará descrever o poder “in situ”, isto é, “quem” exatamente tem o poder de fazer “o quê”. É uma visão descritiva do Estado. Dentro de uma perspectiva organicista, não pode haver dúvidas de que o Brasil é uma ditadura.

      Um bom método de analisar em que pé estamos é fazer um “apanhado geral” da situação, um espécie de radiografia, e compará-la com os documentos, com os “contratos sociais”. Só alguns exemplos para que ainda acha que existe alguma “democracia” para estar em risco:

      Vale a pena ler o Título I da Constituição Federal, 4 artigos em uma página, dos fundamentos (as bases, cláusulas pétreas), para se ter noção do tamanho da degeneração que estamos vivendo no Brasil.
      (https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf)

      Exemplo:

      “Constituição Federal, Artigo 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Ferderativa do Brasil:
      I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
      II – garantir o desenvolvimento nacional;
      III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais:
      IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

      Dispensa comentários sobre a “ilusão contratualista” que ainda acomete muita gente.

      Outra coisa. Numa democracia (vamos nos lembrar: o poder do povo) o poder deve sempre advir da soberania popular. Isso significa que o maior poder de todos, o poder constituinte, só pode ser exercido pelo povo (no caso de países continentais, em representantes eleitos no âmbito de uma Assembléia Nacional Constituinte). A marca distintiva de um regime autoritário (autocracia, tirania, despotismo) é que tão-logo se estabelece, busca tornar-se, a si próprio, um poder constituinte. Ou seja, um bom indicador para uma ditadura é se alguém reivindicou o poder constituinte sem ser uma assembléia eleita para isso.

      No texto:
      “CF, Artigo 1º, Parágrafo único: todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição.”

      Na realidade:
      “Toffoli defende STF contra acusações de legislar”
      (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/06/sem-citar-criminalizacao-da-homofobia-toffoli-defende-stf-contra-acusacoes-de-legislar.shtml)

      A partir do momento em que o presidente do STF anuncia que a Constituição deve ser “enxugada” num pacto (e não em uma Assembléia Nacional Constituinte), bingo! Estamos em uma ditadura do ponto de vista mais formal.

      Poderíamos falar de prisões políticas, como a de Lula e Preta Ferreira; de crianças assassinadas pelo Estado com balas de fuzil; do impeachment da Dilma, que foi um golpe de Estado dos mais grotescos; do desmonte do patrimônio do povo brasileiro sem qualquer consulta pública (quer privatizar? Faça um plebiscito!); dos cortes em serviços básicos; do comportamento criminoso das Forças Armadas, mas fiquemos por aqui.

      Conclusão: se tem jeito de ditadura, cheiro de ditadura, aparência de ditadura, adivinhe: você vive em uma ditadura!

  2. Nunca vi sistema de justiça tão imprevisível…
    novamente tudo por talvez

    novamente a possibilidade dos efeitos da decisão serem mais nocivos do que a permanência da irregularidade que foi corrigida

    novamente a vontade pessoal e a ideologia sendo colocadas acima da Constituição

  3. A verdade é uma só: se Janot pensou em matar Gilmar, com certeza muita gente pensará em matar ministros se eles derem mais este golpe na democracia, seguindo a trilha aberta por calhordas como Fachin, Fux e Barroso. Afinal, estes três têm a cara de pau de defenderem o indefensável, assim como muitos cafajestes da ultra-direita brasileira. Afinal, é tão óbvio que verdadeiramente só podemos nos defender depois de sabermos do que estamos sendo acusados, que só mesmo cafajestes defendem que delatados não podem falar somente depois de ouvirem delatores. Ou seja, cafajestes que querem manter decisões da LavaJato, não importando se muitos ficarem imensamente prejudicados com isso. Ah, mas se a decisão for a outra, a de anular condenações viciadas pela malandragem lavajatiana de moro e companhia, outros também poderão querer matar ministros. Ou seja, o pescoço deles todos estará perto da guilhotina e eles terão que decidir se morrerão com ou sem peso na consciência…se bem que suspeito que cafajestes não têm consciência, covardes não têm vergonha de sê-lo.

  4. Falando muito sério: como pôde o ministro presidente Tófoli falar em pacto se ele próprio se verga a ameaças de fardados cafajestes? Como continua querendo pacto se ele próprio vem com essa conversa mole de modulação, que pode simplesmente sujeitar-se à pressão dos que querem que prevaleçam as decisões criminosas da quadrilha da lava jato? Como pode querer pacto se ele parece querer vergar-se à minoria da direita que, tudo bem, ganhou embora fraudulentamente a eleição, mas já não é mais maioria, como o demonstram as últimas pesquisas? Como pode querer pacto se estão fazendo de tudo, CAFAJESTEMENTE para manter Lula preso, cagões que são com medo dos fardados safados? Então, na verdade estão criando ÓDIO CADA VEZ MAIOR CONTRA O SUPREMO, CONTRA OUTROS TRIBUNAIS, COMO O TSE QUE NÃO TEVE VERGONHA NA CARA PARA INVESTIGAR, PROCESSAR E CASSAR A CHAPA QUE FRAUDOU A ÚLTIMA ELEIÇÃO, ÓDIO CONTRA A OS CAFAJESTES MORO E SEUS AMIGOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO……ÓDIO QUE NOS TIRA DO SÉRIO, ÓDIO QUE PODE LEVAR ALGUNS À LOUCURA DE PARTIR PARA O TUDO OU NADA. Ou será que estão acreditando que a violência de matar é coisa só da direita raivosa? Quem garante isso? Pensem bem nos seus próximos passos, senhores ministros, tenham HONESTIDADE, CARÁTER ao retomarem o julgamento que vinha fazendo. E não contem tanto com a sorte desse povo continuar sendo um bando de merdas, como fomos até agora. Se querem pacto, começem anulando processos de Lula, cassem a chapa dos canalhas golpistas e façam nova eleição. E tenham a honestidade de trocar a palavra MODULAÇÃO POR ESCULHAMBAÇÃO DA DEMOCRACIA…NÃO NOS FAÇAM ODIÁ-LOS CADAVEZMAIS.

  5. Modulação que sempre houve. Pobres e pretos sempre tiveram o privilégio da modulação. “Não haverá direitos para quem é pobre e preto” vigora há séculos. Para eles até a pena de morte é frequentemente modulada.

  6. Não há como se impor temporalidade no direito de defesa lesado, como no caso em julgamento, sem cometer inconstitucionalidade.
    É cediço o entendimento de que toda a decisão que possa beneficiar o réu no âmbito penal, é de aplicação imediata e tem ainda o condão de retroceder seus efeitos no tempo “in bonan partem”

  7. Todas as “acrobacias” inconstitucionais que se pretende praticar só têm um objetivo: evitar o reconhecimento da mais do que comprovada perseguição a Lula. Não fosse ele um dos beneficiados pelo direito constitucional finalmente reconhecido, tudo já estaria resolvido.

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