O Judiciário não é o “Poder Moderador” e nem sempre cabe ao STF a última palavra, por Marcio Ortiz Meinberg

O Judiciário não é o “Poder Moderador” e nem sempre cabe ao STF a última palavra

por Marcio Ortiz Meinberg

Desde a Proclamação da República, o Brasil se livrou do infame “Poder Moderador”, que era um conjunto de prerrogativas que fazia como que o Imperador tivesse poderes semi-absolutos (o quarto poder que existia na Constituição Imperial de 1824). Desde então, as principais instituições do Estado Brasileiro são apenas os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, independentes e harmônicos entre si (cf. art. 2º, da Constituição Federal de 1988).

Apesar disso, de uns tempos para cá, surgiu em alguns círculos o hábito de dizer que “o Judiciário tem a última palavra”. Nada mais falso! Não existe qualquer disposição na Constituição que possa ser interpretada no sentido de que o Poder Judiciário teria hierarquia ou prevalência sobre os demais. Muito pelo contrário, a Carta Magna é bastante sistemática ao estabelecer um sistema detalhado de competências para cada um dos Três Poderes, de modo que as funções de cada um deles são muito bem delimitadas. Sendo assim, cada um dos Poderes tem a última palavra dentro de suas competências constitucionais.

O Supremo Tribunal Federal, como órgão máximo do Poder Judiciário, certamente tem a última palavra em questões jurisdicionais. Mas isso não significa que tenha a última palavra sobre as atribuições dos demais Poderes, pois nosso sistema prevê equilíbrio e igualdade hierárquica entre eles. Como ensina Conrado Hübner Mendes[1], não há “última palavra” entre os Três Poderes, mas sim “diálogo institucional”. Vejamos um exemplo prático:

Em 2002, o STF (RE 197.917) deu uma interpretação (no mínimo esdrúxula) do artigo 29, inciso IV, da Constituição Federal, que implicava na redução do número de vereadores da maioria dos municípios brasileiros. Sim, o STF teve a última palavra no julgamento, mas isso não impediu que o diálogo continuasse, de modo que o Congresso Nacional aprovasse a Emenda Constitucional nº 58/09, alterando a redação do referido art. 29, IV, CF, e permitindo que as câmaras municipais (dentro dos novos limites) estabelecessem o número de vereadores que querem (por lei, e não por decisão do STF). Sob o ponto de vista político, a última palavra neste diálogo coube ao Legislativo.

Resumindo, o Supremo Tribunal Federal não está acima do Congresso Nacional e do Presidente da República, pois cada um dos Três Poderes tem funções e esferas de atuação muito específicas. A “última palavra” só se dá dentro das respectivas competências dos Poderes, o que não impede que os demais prossigam com o diálogo dentro de suas atribuições.

Apesar de não haver hierarquia entre os Três Poderes, o Judiciário se encontra em uma posição diferenciada, uma vez que ele é o único dos três que não tem natureza política. O Executivo e o Legislativo são Poderes submetidos diretamente ao controle popular (por meio de uma coisa mágica chamada “eleição”), ou seja, suas decisões são (ou deveriam ser) motivadas pela opinião do Povo. Assim, as decisões do Legislativo e do Executivo são tomadas conforme a conveniência política e podem ser motivadas simplesmente por juízos de valor (dentro dos limites estabelecidos pela legislação), ou seja, NUNCA SÃO NEUTRAS.

Diferente é o caso do Judiciário, que é um poder técnico e cujos integrantes não são submetidos ao controle popular (são aprovados por concursos públicos ou indicados conforme critérios rígidos de nomeação). Essa diferença é substancial, pois as decisões do Judiciário devem se ater exclusivamente à legalidade, mesmo que sejam contrárias à opinião pública ou às aspirações populares. Não cabe ao Juiz ter opiniões pessoais sobre uma determinada lei ou ato, pois, enquanto investido no cargo, ele deve exercer sua função de maneira SEMPRE NEUTRA. Como qualquer cidadão e eleitor, os membros do Poder Judiciário podem ter suas opiniões políticas pessoais, mas devem dirigi-las, individualmente, aos Poderes com natureza política (Executivo e Legislativo), como fazemos nós, os demais mortais. No exercício de suas funções, o Judiciário (STF inclusive) deve apenas aplicar a lei e a Constituição, mesmo que não concorde com ela e não goste de seu teor (nenhum magistrado foi eleito para mudar o teor das leis).

A natureza “não-política” do Judiciário, em especial do STF, o coloca em uma posição de equidistância teórica entre os poderes políticos, que o permitiria assumir um papel mediador em situações de crises entre o Executivo e o Legislativo. Ressaltamos que tal posição mediadora não guarda qualquer semelhança com o “Poder Moderador” do Império, uma vez que não existe hierarquia e vinculação, de modo que os demais Poderes não precisam se curvar à “mediação” do STF e podem prosseguir, entre si, com o diálogo institucional. Infelizmente, o Judiciário já há algum tempo não assume posicionamento neutro, tanto por omissão (i.e. quando o STF omitiu-se diante das ilegalidades de Eduardo Cunha para garantir o impeachment da Presidenta Dilma), quanto por ação (i.e. quando o Judiciário invade as competências dos demais Poderes e toma decisões com cunho político em vez de decidir juridicamente).

Em suma, o Judiciário desperdiçou a oportunidade de atuar como mediador da grave crise institucional entre os Poderes e tornou-se mais um fator de desequilíbrio. Parte dos ministros do STF tem aproveitado a instabilidade (causada com ajuda deles) para impor ao Brasil algumas de suas vontades políticas. Sentem-se confortáveis em meio o desequilíbrio institucional que causaram. Mas esquecem-se eles que todo desequilíbrio é instável, ou seja, a posição confortável em que hoje eles se encontram pode mudar a qualquer momento, pois o diálogo institucional ira prosseguir e poderá se voltar exatamente contra eles.


[1] MENDES, Conrado Hübner. Direitos fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. Tese de Doutorado (Doutorado em Ciências Políticas). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008.

 

Redação

7 Comentários

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  1. Na realidade não existe

    Na realidade não existe judiciário no Brasil. É uma confraria de canalhas, covardes, hipócritas. Salvo rarissimas exceções.

    1. Não existem

      Não existem coincidencias,

       

      é formado por uma confraria de lojistas, apesar de alguns, lojistas tambem?, afirmarem que não.

       

      Está tudo indo conforme o desejo deles, de uma forma irracional, ilegal, muitas vezes criminosa, mas quem poderia colocar ordem nisso?

      Vão prender Lula, talvez mais alguns petistas graúdos, se não tiverem candidato, ou tentarão melar ou adiar a eleição, e quem está reclamando nas ruas? E quem está denunciando na mídia?

      Urna eletronica que só se sua por aqui, e agora sem o papelete, e para piorar a vida do eleitor a odiotice da biometria que cerceia o DIREITO de se votar……como diria Dylan 

      Oh, but you who philosophize disgraceAnd criticize all fearsBury the rag deep in your faceFor now’s the time for your tears.

  2. Foram os …

    Foram os outros poderes , os membros do Legislativo que criaram o monstro, pois ou perdiam no voto ou não conseguiam andar com projetos entravam no STF.

    Creio que começou com o Miro Teixeira e o diploma para jornalistas, coisa que deveria ficar no Legislativo na minha mui modesta opinião foi para na Dona Justa.

    Depois até derrota em Clash Royale foi parar no STF.

    Aí tiraram a pasta de dente de tubo , para por de volta vai ser difícil.

    1. Como dizem, o gênio não vai

      Como dizem, o gênio não vai voltar para a garrafa por livre e espontânea vontade, terá que ser empurrado!

      A tendência de longo prazo é os Poderes Executivo e Legislativo darem o troco no STF, com indicações mais “independentes” (ou mais dependentes do Executivo e do Legislativo), o que no futuro resultará no enfraquecimento do Poder Judiciário (o que também é ruim).

  3. O Judiciário está se tornando um “Poder Usurpador”

    Usurpa competências, prerrogativas e legitimidade dos outros Poderes. Usurpar virou moda entre os golpistas,

  4. Poder moderador, infame?

    O Poder Moderador, no contexto da época, era um mal necessário. Um mecanismo que permitia ao Chefe de Estado evitar que um segmento da elite destruísse o outro, forçando uma alternância e uma composição entre eles, e mantinha a unidade nacional (basta observar o que ocorreu com a América Espanhola e suas republiquetas e caudilhos). Também impediu que estas elites cometessem abusos (ainda maiores) contra o restante da população. Basta ver o que a república fez, assim que conseguiu o seu intento de desamarrar os poderosos da influência de nosso sábio D.Pedro II. Floriano: Prisões, tortura e assassinatos de oponentes políticos. Prudente de Moraes: Massacre da população de Canudos (Mulheres e crianças inclusive). A amplíssima liberdade de imprensa que havia não teve paralelo até o governo JK. Etc… 

    1. As boas instituições são

      As boas instituições são aquelas que funcionam apesar de estarem sujeitas a pessoas ruins. O Poder Moderador nas mãos de um Imperador menos sábio e tolerante seria um instrumento do absolutismo, por isso infame. A tripartição equilibrada dos poderes permite que os abusos sejam impedidos, independentemente das instituições estarem sob o controle de pessoas ruins (no caso da República Velha não havia tal equilíbrio, pois o Executivo tinham poderes muito maiores que os demais e deu no que deu!).

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