O Juiz ideal e a vidente da “Lava Jato”, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Cassandra (em grego: Κασσάνδρα), personagem homérica, era vidente. Ela previu o futuro trágico de Tróia, mas ninguém deu atenção às suas previsões. Obsedada pela falta de credibilidade que a impediu de evitar a invasão e saque de sua cidade, Cassandra perdeu o contato com a realidade e se tornou vítima de sua própria profecia.

A filha de Príamo e Hécuba não é e não poderia ser um símbolo da Justiça. Quem prevê o futuro não pode se preocupar com o passado. E o passado, meus caros, condiciona a atividade judiciária de duas maneiras: os juízes cumprem e fazem cumprir Leis que já estão em vigor; eles julgam os fatos que já ocorreram e somente em situações excepcionais aplicam Leis em vigor para prevenir fatos que ainda não ocorreram.

O Direito Penal não sanciona a punição de um crime futuro, pois foi erigido sobre dois princípios constitucionais fundamentais: não há crime sem Lei anterior que o defina; não há punição sem prévia condenação. É o que consta expressamente da CF/88:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;”

Os crimes submetidos a julgamento podem ser consumados ou tentados. Mas até mesmo a tentativa da prática de um crime tem que ter ocorrido antes de ser apreciada pela autoridade judiciária.

A punição de crime futuro é impossível. Também é impossível a prevenção do crime por ato judicial. Quem previne o crime é a Polícia, não o Juiz. Ele apenas julga os fatos que foram apurados e submetidos ao seu conhecimento, aplicando aos mesmos a Lei em vigor.

Abro um website jurídico e me deparo com uma pérola jurídica que tem razão de ser em filmes de ficção como Minority Report (2002):

“GARANTIA DA ORDEM

Prisão de Dirceu já impede crimes de acusados na “lava jato”, diz Sergio Moro” http://www.conjur.com.br/2015-ago-12/prisao-dirceu-impede-crimes-acusados-lava-jato-moro

Diz Sérgio Moro que “se a corrupção é sistêmica e profunda, impõe-se a prisão preventiva para debelá-la, sob pena de agravamento progressivo do quadro criminoso”. O discurso dele é bonito. O leigo fica com a impressão que aquele Juiz está preocupado com o destino do acusado. Juridicamente, contudo, estas são palavras vazias. A Lei Penal não tem a finalidade de punir crimes futuros nem de impedir que o criminoso cometa outros crimes (tanto que vários crimes são cometidos dentro dos presídios, obrigando o Estado a agir novamente contra o autores dos mesmos).

José Dirceu não tem cargo no governo, nem na Petrobrás. Portanto, mesmo que tenha cometido infrações no passado ele não está em condições de cometer infrações semelhantes no presente e no futuro. A prisão dele não me parece justificada, exceto se a finalidade da mesma for obrigá-lo a “dar com a língua nos dentes” como dizem os policiais. Mas neste caso a irregularidade na condução do processo da “Lava Jato” é ainda mais evidente. A tortura, por qualquer meio, é proibida e a prisão preventiva não pode ser decretada pelo Juiz para obrigar o réu a delatar outros réus. A delação é voluntária e não deve ser obtida mediante coação ou supressão da garantias constitucionais.

Manter o suspeito preso por razões supostamente humanitárias (para que ele não continue praticando os mesmos crimes e agravando sua pena) também não faz sentido. A prisão é uma exceção, a regra é a liberdade garantida pelo art. 5º, caput, da CF/88. E convenhamos, nem mesmo Sérgio Moro gostaria de ficar preso sob alegação de que isto o impediria de cometer um daqueles crimes tão comuns entre os Juízes brasileiros que freqüentam as páginas policiais (prevaricação, abuso de poder, extorsão, apropriação indébita, concussão, etc…).

Sou advogado há 25 anos e fiquei profundamente perturbado com esta notícia do Conjur. As palavras do Juiz da “Lava Jato” sacudiram todas as minhas convicções profissionais. Fiquei com uma dúvida cruel: Sérgio Moro é apenas Juiz ou se tornou um discípulo de Cassandra e não está em condição de julgar fatos passados? Para mim é evidente que a CF/88 que ele está aplicando no caso de José Dirceu não é a mesma que está na minha estante.

Fábio de Oliveira Ribeiro

12 Comentários

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  1. Cassandra

    Concordo plenamente com Fábio, advogado criminalista há 37 anos pensei em pendurar o Código Penal, ou de procurar um com a legislação aplicada pelo zeloso magistrado. Pergunto seus prováveis excessos não podem ser analisados pelo CNJ?

    1. Dificilmente o CNJ

      Dificilmente o CNJ interferirá neste caso. A própria legislação confere ao Juiz o direito de interpretar a Lei e formar livremente seu convencimento racional com base nas provas.

      Abusos reiterados, contudo, podem indicar algum tipo de “comprometimento” e merecem atenção. Sei de um Juiz que foi afastado do cargo por problemas psiquiátricos. O Tribunal o aposentou compulsoriamente e ele conseguiu retornar à ativa mediante decisão CNJ. Não conheço os detalhes do processo, mas suponho que o CNJ se convenceu de que com tratamento medicamentoso e acompanhamento médico ele estava apto para o trabalho.

      As vinculações políticas do Juiz podem ser questionadas no CNJ? Sim, sem dúvida. Mas é preciso lembrar que a isenção de que fala a Lei não é absoluta. Todo Juiz tem direito a ter e expressar suas convicções políticas. Além disto, é muito difícil provar que esta ou aquela decisão encontrou motivação exclusivamente política (atenção: isto não se aplica ao STF, tribunal político composto por políticos e juristas extremamente politizados). 

       

  2. Como advogado, é

    Como advogado, é decepcionante ver um magistrado estuprar a constituição, o código penal e doutrina, como vem fazendo sistematicamente o Juiz Moro.

    Dias atrás, vi um video de um juiz explicando os métodos do Moro. Fiquei chocado. 

  3. Desisti de analisar a conduta

    Desisti de analisar a conduta do juiz especial Sérgio Moro, por uma razão muito simples, ele apenas é um sintoma de algo maior, a covardia dos desembargadores do TRF e dos ministros do STF que poderiam ter posto um termo definitivo na atuação desse magistrado, estabelecendo os marcos legais nos quais poderia exercer sua competência. Não se trata de impedi-lo de tomar as decisões absurdas que caracteriza seu modo de pensar, mas de fazer a devida contaposição, com base na interpretação correta da constituição, da jurisprudência consolidada nos tribunais, quando da análise dos recursos da defesa.

    Até agora porém, todas decisões tomadas por Moro foram referendadas pelos desembargadores doTRF como se estivessem assentadas naquilo que os juristas chamam de fumaça do bom direito. Portanto, nao há nenhuma razão objetiva para que este magistrado aja diferente do modo como tem conduzido a Lava Jato.

    Se efetivamente alguma queixa pode ser feita, definitivamente está mal endereçada. Moro não é o destinário a receber, senão seus pares nas cortes superiores de justiça. São esses senhores que estão coonestando todos os atos do juiz especial Sérgio Moro, eles, tão-somente eles são os únicos responsáveis por esta quadra assustadora da violação sistemática das leis.

    O périplo de José Dirceu em busca de um Habeas Corpus preventivo, no TRF da Quarta Região, já pressentindo que seria preso novamente, não obstante ter colaborado em todas as fases das investigações que envolvia seu nome, inclusive fechando sua empresa de consultoria para que nenhum óbice fosse colocado as investigações, depois negado monocraticamente por um desembargador, objeto de recurso ao pleno daquele tribunal e por unanimidade ratificado pelos desembargadores, é a prova inequívoca de que ao juiz especial Sérgio Moro foi dada licença para seguir em frente com suas investigações que ocorrem paralelas ao que determinam as normas constitucionais.

    Daí cobrem dos desembargadores do TRF da Quarta região e dos ministros do STF, os desatinos de Moro. Aliás cobrem do ministro Teori, o mais amendrontado de todos.

    1. “Não se trata de impedi-lo de

      “Não se trata de impedi-lo de tomar as decisões absurdas que caracteriza seu modo de pensar, mas de fazer a devida contaposição, com base na interpretação correta da constituição, da jurisprudência consolidada nos tribunais, quando da análise dos recursos da defesa.”

      Exatamente. O controle dos abusos judiciários cometidos na primeira instância deve ser feito quando da apreciação dos recursos. Mas neste caso (como em outros) os Tribunais também tem interpretado a CF/88 de maneira escandalosamente autoritária (exceto se o réu for Juiz, porque neste caso a prisão raramente é decretada e toda condenação acaba sendo transformada em prisão domiciliar).  

    2. No DCM tem uma entrevista com

      No DCM tem uma entrevista com um advogado que pediu anonimato, na qual ele afirma que os recursos da Lava Jato no TRF 4a. Região são decididos por apenas um desembargador, que é amigo de Moro e quando ele se afasta ninguém responde. O cara confessa que todos os advogados estão com medo de Moro porque o controle dele é total. Ele ainda diz que não espera nada do STF mesmo, exatamente por causa da repercussão.

      E ainda tem gente que diz que a frouxa é Dilma. Um sistema judicial inteiro aos pés de um juiz de primeira instância.

  4. Para o mim o tal Moro está

    Para o mim o tal Moro está tão ou mais maluco do que o procurador delagnoll, claramente perturbado emocionalmente.

    1. Sem chance

      Do ponto de vista da lógica política, não há chance do Juiz Moro estar agindo como tem agido sem respaldo que vá além do próprio poder judiciário. Não fosse assim, não teria “sobrevivido” funcionalmente, tamanhas as mais do que justas críticas que a sua atuação sofre desde quando essa novela moralista passou a se mostrar como é: fundamentalmente hipócrita, dado sustentar um nutrido absurdo, qual seja o de que todos os males do país decorreriam da corrupção. 

      Imagino que o juiz seja peça – de certa importância, mas longe do protagonismo que a narrativa midiática faz crer – de uma estrutura ou projeto de poder de envergaduras temporal e espacial bem mais extensas do que nos possa parecer.    

  5. Sei que serei execrado pelo

    Sei que serei execrado pelo que vou dizer agora: Estou com dó do Juiz Moro. Explico. As delações começaram a sair do trilho. Os delatores começaram a escancarar todos que estavam envolvidos sejam eles petistas, psdebistas ou peemedebistas. Os vazamentos continuam mirando o PT mas ficará cada dia mais dificil, para o povo simples e comum, acreditar que o demônio está encastelado apenas neste partido. Que a corja da corrupção seja apenas petista e que todos os outros partidos são santos. Um ou outro nome dentro embreve surgirá e que não é petista. Como a Lava Jato está ‘lavando’ a Petrobrás, a Eletrobrás, a Eletronuclear, dentro em breve ela irá se envolver cada vez mais em mais e mais assuntos. Ficará um bicho de tantas cabeças que será praticamente impossível de controlar. Neste caso, ou a Lava Jato pune a todos indiscriminadamente ( o que eu não acredito) e vai virar a mais estrondosa pizza que já se viu neste meu Brasil!!

    1. Se a finalidade deste
      Se a finalidade deste processo for apenas destruir a imagem do PT, em algum momento todo ele terá que ser anulado para evitar que tucanos e peemedebistas ligados a oposição sejam condenados e encarcerados. A prova do crime processual depende do resultado do processo. Mas mesmo que um grande cavalo-de-pau seja dado por Moro (ou pelo TRF ou STJ/STF por causa da conduta dele a frente da Lava Jato) a mídia já terá feito o que deseja: criminalizar o petismo para tentar virar o jogo agora ou em 2018 e, principalmente, para desviar a atenção do “respeitável público” do escândalo do HSBC da Suíça (em que os barões da mídia são os protagonista e os criminosos).

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