Para APD desigualdade é mais grave do que corrupção

Jornal GGN – A Associação Advogadas e Advogados Públicos Para a Democracia (APD) foi uma das que se manifestaram em defesa do Estado Democrático de Direito, contra os abusos recentes do poder judiciário. De acordo com a entidade, o Brasil vive uma “grave crise na sua recente democracia”.

A APD reconhece o problema da corrupção que “se arrasta desde sempre corroendo as entranhas do nosso país”. Mas compreende que ainda mais grave é a desigualdade social, “o absurdo abismo que ainda separa a renda dos mais ricos da renda da imensa maioria da população, essa sim uma imoralidade que deveria nos indignar cotidianamente”.

A entidade afirma que o país não pode permitir que a presunção de inocência seja relativizada, que os mecanismos de condução coercitiva e prisão preventiva sejam conduzidos arbitrariamente, sem embasamento legal, que policiais militares ataquem instituições democraticamente constituídas, que a prisão temporária seja utilizada para obter delações.

“Ademais, não podemos permitir o comprometimento dos princípios democráticos que regulam o processo, com as operações midiáticas e vazamentos seletivos, que visam destruir reputações e interferir no debate político, além de tensionar a opinião pública para apoiar tais operações”.

Os signatários do documento são favoráveis à investigação de “todos sem exceção”. Mas acreditam que não se pode tolerar vazamentos seletivos de informação, direcionamentos políticos da operação e abusos de qualquer espécie.

Para eles, é um caminho perigoso quando a justiça se entrega à busca por justiçamento. “Acreditar no punitivismo e no recrudescimento das medidas penais como forma de “limpar” a política é um equívoco perigoso. A descrença na política e na democracia, como formas de solução dos problemas públicos, pode levar o país de volta ao autoritarismo.

Abaixo, a íntegra da nota da APD:

APD – Associação Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia, entidade civil de fins não lucrativos ou corporativistas, criada por advogados públicos federais, e que tem por finalidade a busca da plena efetivação dos valores sociais e jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito, a defesa da democracia e dos Direitos Humanos, vem a público manifestar-se sobre os nefastos acontecimentos dos últimos dias, que comprometem a Ordem Constitucional e o Estado Democrático de Direito, através da afronta aos Direitos Fundamentais insertos na Carta Magna de 1988.

O Brasil vive, no atual momento, grave crise na sua recente democracia. Durante os anos de ditadura, vários cidadãos sofreram e sacrificaram-se, para que estejamos hoje em pleno exercício dos nossos direitos.

A corrupção não é fato novo, mas se arrasta desde sempre corroendo as entranhas do nosso país e, desde a construção de um consenso mínimo para um trabalho em prol da democracia, com a crescente liberdade de expressão e de imprensa, associada ao fortalecimento das instituições, tornou-se visível inimigo a ser combatido. Mas esse é apenas um dos inimigos. O maior de todos, no Brasil, é a desigualdade social, o absurdo abismo que ainda separa a renda dos mais ricos da renda da imensa maioria da população, essa sim uma imoralidade que deveria nos indignar cotidianamente.

Contudo, à guisa de combater a corrupção, não podemos, sob pena de retrocedermos ao patamar das graves violações aos direitos dos cidadãos brasileiros, havidas durante a ditadura militar implantada pelo Golpe de 64, permitir: a relativização da presunção de inocência; expedientes arbitrários como condução coercitiva ou pedidos de prisão preventiva, sem o devido embasamento legal; ataques por parte de policiais militares a instituições democraticamente constituídas, igualmente descabidos e em desconformidade com a legalidade; utilização da prisão temporária, igualmente quando ausentes seus pressupostos previstos na legislação, com o fim de obter delações nos moldes imaginados pelos órgãos de investigação. Ademais, não podemos permitir o comprometimento dos princípios democráticos que regulam o processo, com as operações midiáticas e vazamentos seletivos, que visam destruir reputações e interferir no debate político, além de tensionar a opinião pública para apoiar tais operações.

Utilizar-se desses arbítrios, em nome de uma suposta guerra contra a impunidade e combate à corrupção, não pode ser tolerado, não pode ser aceito de nenhuma forma, sob pena de violentar nossa ainda incipiente democracia, que deve ter como premissa maior continuamente resguardar as garantias postas na Constituição Cidadã de 1988.

O artigo 5º da nossa Carta garante a todo e qualquer cidadão, que este seja presumido inocente até o trânsito em julgado da sentença condenatória (inciso LVII), que lhe seja garantido o contraditório e a ampla defesa (inciso LV), que ninguém seja privado de sua liberdade sem o devido processo legal (inciso LIV), além de tantos outros dispositivos que atentam quanto ao cuidado na condução à prisão (incisos LXI a LXVIII).

Acreditar no punitivismo e no recrudescimento das medidas penais como forma de “limpar” a política é um equívoco perigoso. A descrença na política e na democracia, como formas de solução dos problemas públicos, pode levar o país de volta ao autoritarismo.

Desta feita, a APD vem manifestar-se pela necessidade de observação, por parte dos juristas e operadores do direito envolvidos nos processos no âmbito da “Operação Lava-Jato”, bem como outras instituídas para investigação de crimes de corrupção, do ordenamento jurídico vigente, em especial pela necessidade do resguardo dos direitos e garantias fundamentais, cláusulas pétreas da nossa Constituição. Há que se investigar todos sem exceção, mas não se pode tolerar vazamentos seletivos de informação, direcionamentos políticos da operação, abusos de qualquer espécie.

Brasília, 14 de março de 2016.
Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia
– APD –

Redação

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. “o absurdo abismo que ainda

    “o absurdo abismo que ainda separa a renda dos mais ricos da renda da imensa maioria da população, essa sim uma imoralidade que deveria nos indignar cotidianamente” e onde fica a tal da meritocracia tucana coxinha? É por isso que a tucanalha ataca de paladinos da justiça contra a corrupção, sim a corrupção está e sempre esteve, viu moro, por aqui, mas agora tem a classe D e C pertubando os aeroportos da classe a e b! E tirando deles as babás!

  2. Realidade Cruel

    Com certeza absoluta a desigualdade abissal é muito mais grave do que a corrupção, que lógico deve ser duramente combatida.

    E deveria ser ainda mais duramente combatida.

    A desigualdade é histórica, e tem sido incentivada por desmandos e interesses de classe, como por exemplo no vergonhoso episódio da abolição (não digo tardia porque a escravidão nunca deveria ter existido) da escravatura, a última do ocidente, e ainda por cima os (ex)donos de escravos é que  foram indenizados….

    Histórica na contenção durante anos e mais anos do salário mínimo em valores cada vez mais baixos, com o singelo pretexto de que as empresas, as prefeituras e a seguridade social não teriam condições, iriam quebrar, e que essa contenção iria “segurar” a inflação, e deviam pois os trabalhadores “apertar o cinto”,  isso tudo numa época em que no mercado financeiro se auferiam enormes ganhos diários no open e no over, e outros, ou mesmo depois do real, na total falta de vontade política de se alterar o cruel perfil da pirâmide social, coisa superada apenas 13 anos atrás, o que parece incomodar sobremaneira alguns.

    A gigantesca sonegação fiscal, ano após ano, só em 2016 até este mês de março é certo que  os valores sonegados ultrapassam em muito o total do valor apurado com a corrupção em toda a operação lava-jato, o que não parece impressionar a  opinião pública, dado o controle de toda a mídia, inclusive a definida como serviço público, por meia dúzia de famílias que defendem na cara dura e sem disfarces seus interesse políticos, financeiros e de classe, e ainda por cima não admitem qualquer regulamentação.

    A concentração do poder econômico em poucas mãos é a marca registrada na economia nacional, o setor bancário é dominado por 2 ou 3 famílias, a bolsa sobe e desce com “volatilidade” alucinante ao sabor dos interesses de meia dúzia ou menos de especuladores que a controlam e manipulam.

    Nas cidades por todo, ou quase todo país, monopólios ou oligopólios de transporte coletivo, leia-se empresas de ônibus, exploram esse serviço público, com frotas velhas e/ou inadequadas, sem conforto, sem concorrência, sem horários que atendam as necessidades da população, com preços altos ancorados em planilhas fajutas,  financiando campanhas de prefeitos.   Transporte geridos pelo município ou sobre trilhos, nem pensar.

    Em matéria de impostos muita reclamação, que são altos, etc., é verdade, mas somente para os pobres que os pagam em todos os produtos, no supermercado, nas contas de luz, nos medicamentos, para a alta classe média e os ricos, os impostos são na verdade baixíssimos, o Brasil tem uma das menores alíquotas de imposto sobre a renda do mundo, no máximo 27,5%, e em cascata.

    E nada disso emociona aqueles congressistas, mais de 300, segundo Luís Inácio, ou 400 segundo Cid Gomes, picaretas, muitos deles réus em processos, preocupados com a tomada ilegal do poder,  suas comissões, suas percentagens, seus emolumentos indevidos, com suas mediocridades oceânicas, para que tudo continue o mesmo.

    Bom, pelo menos quando partirem dessa vida de asquerosos parasitas apodrecerão, queiram ou não, do mesmo modo que o mais despossuído dos brasileiros, e serão lembrados pela história como o que de fato foram, ainda são, vermes.

  3. Dois terços da população

    Dois terços da população brasileira ganha até dois salários mínimos (Fonte: http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2012/12/19/ibge-72-dos-brasileiros-ganhavam-ate-2-salarios-minimos-em-2010.htm).

    É a força de trabalho desse povo que sustenta o capitalismo, paga o salário das classes superiores e alimenta a fortuna das elites.

    Não existe pirâmide social de ponta-cabeça.

    Já passa da hora dos coxinhas se tocarem que as classes trabalhadoras e produtivas, que compõem a base da pirâmide social brasileira, devem ser valorizadas e respeitadas, pois sem elas não haveriam as classes superiores.

    Infelizmente, até hoje ouço ignorantes reacionários de direita dizendo que se não fosse pelos grandes empresários o povo não teria emprego. 

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador