Os 50 anos de Transa: um disco movido a saudade, por Rômulo Moreira

Em 2012, para celebrar seus 40 anos, o disco foi remasterizado por Steve Hooke, no histórico estúdio Abbey Road, e relançado em CD

OS CINQUENTA ANOS DE TRANSA: UM DISCO MOVIDO A SAUDADE

por Rômulo de Andrade Moreira[1]

Há 50 anos, em janeiro de 1972, era lançado pela gravadora Philips o sexto álbum de estúdio de Caetano Veloso, Transa, gravado em 1971 no Chappell’s Recording Studios, em Londres. À época, Caetano Veloso, que se encontrava em Londres exilado desde 1969, havia obtido uma autorização especial para ficar um mês no Brasil, em janeiro de 1971, para assistir à missa comemorativa aos 40 anos de casamento de seus pais.[2]

Ao chegar ao Rio de Janeiro, o cantor foi imediatamente interrogado pelos militares, durante horas, que pediram ao compositor que fizesse uma canção elogiando a rodovia transamazônica, que estava em construção, proposta (indecente) que, evidentemente, não foi aceita por Caetano; mas, de volta a Londres, ele gravou “Transa”, e enganou os milicos.[3]

Numa entrevista ao Jornal do Brasil, Caetano explicou que “chamou alguns amigos para gravar o novo disco em Londres: os arranjos são de Jards Macalé, Tutty Moreno, Moacyr Albuquerque e Áureo de Sousa. Não saíram na ficha técnica e eu tive a maior briga com meu amigo que fez a capa. Como é que bota essa bobagem de dobra e desdobra, parece que vai fazer um abajur com a capa, e não bota a ficha técnica? Era importantíssimo. Era um trabalho orgânico, espontâneo, e meu primeiro disco de grupo, gravado quase como um show ao vivo.”

Para ele, o disco deu-lhe “coragem para fazer os trabalhos com A Outra Banda da Terra. Tem a Nine out of Ten, a minha melhor música em inglês. É histórica. É a primeira vez que uma música brasileira toca alguns compassos de reggae, uma vinheta no começo e no fim. Muito antes de John Lennon, de Mick Jagger e até de Paul McCartney. Eu e o Péricles Cavalcanti descobrimos o reggae em Portobelo Road e me encantou logo. Bob Marley & The Wailers foram a melhor coisa dos anos 70. Gosto do disco todo. Como gravação, a melhor é Triste Bahia. Tem o Mora na Filosofia, que é um grande samba, uma grande letra e o Monsueto é um gênio. Me orgulho imensamente deste som que a gente tirou em grupo.”[4]

O disco de vinil estava num encarte que, aberto junto à capa tripla, formava um triângulo. A embalagem foi batizada de “discobjeto” pelo criador dela, Álvaro Guimarães, que a concebeu com Aldo Luiz.

Em 2012, para celebrar seus 40 anos, o disco foi remasterizado por Steve Hooke, no histórico estúdio Abbey Road, e relançado em CD, agora com a ficha técnica e com o conceito de “discobjeto” adaptado para o formato menor.[5]

O álbum contém sete faixas, quase todas compostas por Caetano Veloso: You Don’t Know Me (com trechos de Maria Moita, de Carlos Lyra e Vinicius de Moraes), Nine Out of Ten, Triste Bahia (com duas estrofes de um soneto de Gregório de Matos)[6], It’s a Long Way (com trechos de A Lenda do Abaeté, de Dorival Caymmi, e Consolação, de Baden Powell e Vinicius de Moraes), Mora na Filosofia (de Monsueto Menezes e Arnaldo Passos), Neolithic Man e Nostalgia (That’s What Rock’n Roll Is All About).[7]

No vocal, Gal Costa participou nas faixas 1, 6 e 7, e Angela Ro Ro na faixa 7, tocando uma gaita de sopro. Jards Macalé toca guitarra e violão (junto com Caetano), Moacyr Albuquerque toca o baixo, Áureo de Souza, na percussão e Tutty Moreno, na bateria. A direção musical foi de Jards Macalé (que também assinou os arranjos), a produção de Ralph Mace e a controversa capa foi de Álvaro Guimarães (design) e Aldo Luiz.

Para o crítico musical Álvaro Neder, “o som eletrificado do rock domina o disco, apesar de misturado com ritmos e percussões brasileiras, sons de berimbau e o próprio violão de Veloso. As letras são em português e em inglês e, cuidadosamente, evitam referências explícitas políticas, apesar de elas estarem disfarçadas em praticamente todas as canções. Um bom exemplo disto é a musicalização do poema ´Triste Bahia`, do poeta barroco brasileiro Gregório de Matos Guerra, que se utiliza do tema crítico do poema para realizar críticas à situação política do Brasil na época.”

Neder também destaca It’s a Long Way, que foi bastante tocada pelas rádios na época, e a regravação de Mora na Filosofia, um samba “cuja versão roqueira deste disco gerou controvérsias à época.”[8]

O disco foi eleito, em uma lista da versão brasileira da revista Rolling Stone, como o décimo melhor disco brasileiro de todos os tempos[9]; e, realmente, esse disco é dos melhores da música brasileira e, como disse recentemente Jards Macalé, foi fruto da “saudade da sua terra, da língua, do seu jeito de ser, do seu povo. Estar fora do país se sentindo obrigado a isso, a saudade é muito diferente.”[10]


[1] Rômulo de Andrade Moreira, Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia e Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador – UNIFACS. Pós-graduado pela Universidade de Salamanca.

[2] ALBIN, Cravo. Disponível em: https://dicionariompb.com.br/artista/caetano-veloso/. Acesso em 29 de janeiro de 2022.

[3] PRETO, Marcus. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/43656-transa-de-caetano-e-reeditado-aos-40.shtml. Acesso em 29 de janeiro de 2022.

[4] CEZIMBRA, Márcia. A obra de Caetano imortalizada em CD. Jornal do Brasil, Caderno B, pp. 4 e 5, edição do dia 16 de maio de 1991.

[5] FERREIRA, Mauro. Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/musica/blog/mauro-ferreira/post/2022/01/03/segundo-album-londrino-de-caetano-veloso-transa-faz-50-anos-como-objeto-de-culto-na-obra-do-artista.ghtml. Acesso em 29 de janeiro de 2022.

[6] No soneto, escrito em meados do século XVII, o baiano Gregório de Matos escreveu: “Triste Bahia! Oh quão dessemelhante / Estás, e estou do nosso antigo estado! / Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado, / Rica te vejo eu já, tu a mi abundante. / A ti tocou-te a máquina mercante, / Que em tua larga barra tem entrado, / A mim foi-me trocando, e tem trocado / Tanto negócio, e tanto negociante.” (Antologia. Porto Alegre: L&PM Editores, 2017, p. 103).

[7] Para ouvir todas as canções, acesse: https://discografia.discosdobrasil.com.br/discos/transa.

[8] NEDER, Álvaro. Disponível em: https://www.allmusic.com/album/transa-mw0000059622. Acesso em 29 de janeiro de 2022.

[9] Os 100 maiores discos da Música Brasileira. Rolling Stone Brasil, outubro de 2007, edição nº 13, p. 112.

[10] Disponível em https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2022/01/29/saudade-do-brasil-o-som-do-exilio-no-cinquentenario-transa-de-caetano.htm. Acesso em 29 de janeiro de 2022.

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