Trajano relata bastidores da demissão na ESPN: “Eu era monitorado”

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – José Trajano contou ao Diário do Centro do Mundo que existe “macartismo” por trás de sua demissão da ESPN, canal que ajudou a fundar há mais de 20 anos. Segundo a publicação, Trajano era “monitorado” pela direção da emissora e, por conta de sua militância política, sofreu várias tentativas de censura prévia.

Ele lembrou de um episódio no qual teria sido solicitado a assinar um contrato que o proibia de fazer comentários sobre política nas transmissões ao vivo. Sua demissão foi justificado como redução de custos, e ocorreu poucos dias após ele ter participado, em São Paulo, de um ato em favor da candidatura de Fernando Haddad (PT).

Leia o relato feito ao DCM:

“Eles dizem que não foi retaliação política, mas não é possível que não tenha sido isso também. Falaram em contenção de despesas.

“Quando deixei a direção da ESPN, cinco anos atrás, eu ganhava pela CLT e um plus como comentarista. Fizeram um novo contrato, que incluía a função de “consultor”. Passei a receber por participação nas atrações.

“Toda semana, dois programas. Se fosse para fazer economia, podia fazer só o da segunda. No início, ganhava 3.500 reais por participação, mais 4.500 reais no Linha de Passe (onde era titular).

“Nos últimos anos, me chamaram umas três vezes por causa de coisas como vídeos que gravei conclamando as pessoas a ir a manifestações. O diretor, German Von Hartenstein, me falava que “isso é chato para nós etc.

“Antes da Olimpíada, me deram um papel para assinar, segundo o qual que os ‘talents’ da ESPN não devem se envolver em questões políticas etc. Diretrizes da matriz nos EUA.

“Eles me diziam, nesses encontros, que eu era a cara da ESPN etc. Bom, então mandaram embora a cara da ESPN. Não assinei o documento. Nem sei mais onde está.

“Acabou a Olimpíada e eu fui pra Portugal. Eu podia tirar férias, de acordo com o contrato. Voltei numa segunda-feira e já fui fazer o programa. Estava de jet lag. Me chamaram na quinta. Esse período é complicado na empresa. O ano fiscal é o americano, que vai até 31 de setembro. Por isso tem muita demissão nessa época.

“O German começou de maneira amistosa. ‘Viu a lanchonete nova?’, perguntou. Depois de um tempo, soltou: ‘Tenho uma notícia ruim pra você. Estamos em contenção de despesas e temos de dispensar você. Nossa advogada já está ali e nós vamos pagar a multa’.

Basicamente, foi assim.”

Me impressionou muito a solidariedade. No Facebook, pelo WhatsApp, na imprensa… Não sei o que vou fazer, mas agora não tem mais ninguém pra me encher o saco.

Depois de 21 anos no mesmo lugar, eu fui pego de surpresa. A relação com a ESPN era diferente da que eu tinha em outros lugares porque que sou criador do canal. É forte.

Fica claro que eles não gostavam do que eu fazia. Incomodava, inclusive, a direção nos Estados Unidos. Soube disso internamente. Mandaram um vídeo meu para lá.

A briga com o Gentili também foi decisiva (Trajano criticou a presença do ex-comediante no “Bate-Bola Debate’’, referindo-se a ele como “um personagem engraçadinho que se posta como se fosse um sujeito que faz apologia do estupro, em nome do humor”).

A direção tomou como uma coisa desagradável. Minha saída foi a soma disso tudo. Eu era monitorado. Numa dessas reuniões com o German, ele comentou o discurso que fiz no caminhão durante um protesto no Largo da Batata.

“Você falou da união das esquerdas”, ele me disse. Foi mais um pontinho na minha ficha. Dois dias antes da minha demissão, fui à Casa de Portugal num ato em solidariedade a Haddad. Tinha foto minha do lado do Lula. Na manhã seguinte marcaram a conversa com o German.

O episódio do Sidney Rezende não tem a ver com o meu, mas são perseguições diferentes (Sidney foi dispensado da GloboNews em novembro de 2015 após chamar a atenção para a “demonização” do governo Dilma).

Cada caso é um caso, mas todos têm ligação entre si. Eu não me arrependo. Lembro do Niemeyer num Roda Viva, quando ele fez 80 anos. Numa certa altura, ele falou: “No Brasil, só o paredón pode resolver”. Quando cobraram dele essa declaração, ele devolveu que já tinha 80 e podia falar o que quisessem porque iam chamá-lo de gagá.

Eu faço 70 esse mês. A ESPN me deu esse presente. O Juca citou o Darcy Ribeiro, meu mestre, num artigo. O Darcy se orgulhava de suas derrotas.

O macartismo está no ar, em situações diferentes.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

14 Comentários

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  1. Os jornalistas idosos
    Os jornalistas idosos resistem ao golpe de 2016 e são perseguidos. Os novos jornalistas, porém, desejam ser contratados para poder ajudar os golpistas a desmoralizar e demolir o Brasil. Nenhuma novidade. A divisão na classe trabalhadora é um problema desde que Karl Marx resolveu fundar a Internacional. Sem seus fiéis peões os barões da mídia não teriam roubado o tabuleiro ou modificado as regras do jogo.

  2. Trajano…

    A censura faz parte da alma brasileira, principalmente das elites, tanto de direita quanto de esquerda. Não nos iludamos,  pois não criamos uma consciência verdadeiramente democrática. Muito menos na imprens. Agora, sobre o Trajano, existe algo pior. É chocar o ovo da serpente. É a nova mídia, nova tecnologia, nova informação via internet baseada fora do país, sob domínio dos EUA. É a censura, a não concordância com sistemas e leis nacionais que podem ser feitos fora do Brasil e fora de nossa jurisdição. A desobediência do facebook e outros aplicativos confrontando o Poder Judiciário brasileiro e o caso da espn, diferentes são a mesma coisa. Interesses politicos e comerciais internacionais submetendo a soberana nacional.   

  3. Lamentável, mas uma boa oportunidade

    Lamentável o episódio com o Trajano…o comportamento da ESPN repete o das emissoras nacionais…aliás, é o padrão do “grande negócio”…confesso que raramente acompanhava o Trajano nos últimos anos, reduzi a quase zero meu contato com a TV…

    Mas há uma grande possibilidade aberta. Ainda que nossa blogosfera tenha muitas alternativas, carece de um bom Blog de Esportes, talvez Trajano nos possibilite isso…porque já saturei das “análises” de tabela, seria interessante ter um blog de qualidade….

  4. A ESPN perdeu um “fã do

    A ESPN perdeu um “fã do esporte”: era a minha válvula de escape do SporTV, bem como da Fox (satélite da direitona midiática americana). Não concordava com tudo o que o Trajano falava, mas respeitava sua história. Tempos difíceis, mas que é resultado de um modelo de sociedade que foi gestado há quase 40 anos atrás, com Thatcher e depois com Regan. A geração que têm hoje 30 e 40 anos, e que começa ampliar sua presença na sociedade nasceu, cresceu e foi educada sob este modelo de sociedade. O reacionarismo e o individualismo avançam a galope, no mundo todo.

  5. Gosto do Trajano falando

    Gosto do Trajano falando sobre futebol.

    Alias, para isso ele era pago e ele acabou usando o horário sagrado do programa de futebol para expor suas opiniões políticas dentro do espaço errado

    Não se trata aqui de nada relacionado a liberdade de expressão, trata-se de um senhor senil que acabou confundindo qual era o seu cargo dentro da emissora e desrespeitou a audiência que liga a ESPN para ouvir sobre futebol, porque sobre política tem outros espaços que audiência pode optar

    Uma pena, aposto que terá inumeros convites, desde que se limite a falar de futebol

     

  6. trajano

    A ironia é que trajano terá de trabalhar justamente tendo como patrão um coxinha que tanto criticou. so cartão verde o aceitará

  7. José Trajano, …

    Uma ilha de conhecimento e atitude, cercada por setoristas medíocres por todos os lados,….  Quem perdeu foi a espm,…  pra onde ele estiver, também estará a minha audiência….

  8. Sugestão: Prêmio Chapa Branca

    Assistindo às entrevistas de Dória à Jovem Pan me veio a mente que tanto esforço para puxar-saco de um político não deveria passar sem nenhum reconhecimento… os blogs de esquerda deveriam se unir e criar o “Prêmio Chapa Branca”… onde todos votam.

    São tantos candidatos, tantas as maneiras inusitadas de mendigar verba publicitária que daria até mais de uma categoria… 

    -Categoria Comediante

    -Categoria Abafa

    -Categoria “é culpa do PT”

    -Categoria “posso tirar se achar melhor”

    -Conjunto da obra

    -Categoria Liberal-Patronal

  9. Trajano

    A demissão desse ícone do jornalismo brasileiro, mostra a intolerância e a crueldade de uma burguesia “global”, só não quer eliminar os pobres, porque precisa deles para limpar as suas latrinas. A morte da esquerda e de todos os que propõem uma discussão que vise tornar o mundo mais justo, livre e igualitário.

     

    O Trajano é muito maior do que essa empresa que ele ajudou a criar e que pende cada vez mais para a direita!!

    Lamentável!!

  10. Trajano é brilhante com
    Trajano é brilhante com comentarista esportiva, na politica PT PRA ele ok, mesmo sabendo q ele não divide seu ganho d8nheiro com o povo. ESPN decide o q é melhor pra ela, e ele deve respeitar, e nao especular…. assim como ele inúmeras vezes dissecq jornalista é indepedente , ass8m é a empresa q pagou salario dele. Respeite Trajano.

  11. fraquissimo e sem conteudo

    viveu de uma imprensa sem nenhum conteudo viveu e como outros vivem de uma esquerda retrogada afastada de uma ideologia antenada com os anseios do povo. 

    1. Idiotização generalizada

      ‘Viveu de uma imprensa sem nenhum conteúdo’ (Com acento, viu  ?). Você deve achar que quem tem conteúdo é o Alexandre Frota. ‘Afastada de uma ideologia antenada com os anseios do povo’. Você deve estar feliz com a ideologia antenada com os anseios do povo que está sendo implementada no nosso país. O seu comentário mostra o quão desprezível você deve ser como cidadão.

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