Luciano Hortencio
Música e literatura fazem parte do meu dia a dia.
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A Massa

 

A dor da gente é dor de menino acanhado

Menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar

Que salta aos olhos, igual a um gemido calado,

A sombra do mal-assombrado é a dor de nem poder chorar.

 

Moinho de homens que nem jerimuns amassados

Mansos meninos domados, massa de medos iguais.

Amassando a massa a mão que amassa a comida

Esculpe, modela e castiga a massa dos homens normais.

 

Quando eu lembro da massa da mandioca mãe, da massa

When I remember of “massa” of manioc

Nunca mais me fizeram aquela presença, mãe

Da massa que planta a mandioca, mãe.

 

A massa que eu falo é a que passa fome, mãe

A massa que planta a mandioca, mãe

Quand je rappele de la masse du manioc, mére

Quando eu lembro da massa da mandioca.

 

Lelé meu amor lelé no cabo da minha enxada não conheço “coroné”

Eu quero mas não quero (camarão). Minha mulher na função (camarão)

Que está livre de um abraço, mas não está de um beliscão.

 

Torna a repetir meu amor: ai, ai, ai!

É que o guarda civil não quer a roupa no quarador

Meu Deus onde vai parar, parar essa massa

Meu Deus onde vai rolar, rolar essa massa.

 

 

 
Luciano Hortencio

Música e literatura fazem parte do meu dia a dia.

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  1. Nordeste

     

    O conceito de região em três registros. Exemplificando com o Nordeste brasileiro

    José William Vesentini

    A noção mais tradicional sobre a região Nordeste do Brasil é que ela é algo “dado” ou relativamente natural, fruto de uma determinada ocupação humana sobre uma parcela do nosso espaço geográfico. Uma forma de ocupação que, evidentemente, interagiu com o meio ambiente, num certo sentido se adaptou ou se moldou frente a ele. O espírito desta concepção é o binômio “a Terra e o Homem”, a natureza original e a sociedade que a ocupou e que, mesmo a modificando neste ou naquele aspecto, muito deve a ela na sua formação espacial. Daí se dividir a região em Zona da Mata, Agreste e Sertão, além do Meio Norte, um agrupamento e uma segmentação que tem como alicerce o meio ambiente: o clima tropical úmido com os solos de massapê naquela primeira sub-região, uma área de transição com altitudes mais elevadas na segunda e o clima semi-árido com o bioma caatinga na terceira; também o Meio Norte é definido como zona de transição, só que do Nordeste para a Amazônia e não entre a Zona da Mata e o Sertão como no caso do Agreste.

    O segundo modo de ver o Nordeste brasileiro toma como base a divisão inter-regional do trabalho. Também é um ponto de vista materialista ou realista, como o anterior, mas com a diferença que parte do todo – o espaço brasileiro – e não da região em si, de suas (pretensas) características inerentes, como naquela primeira concepção. A industrialização do país teria promovido uma (nova) divisão territorial do trabalho, na verdade a construção de um espaço geográfico nacional integrado, e nesse processo a região Nordeste teria ficado com o papel de uma zona periférica destinada a fornecer matérias primas e mão-de-obra barata para o Sudeste ou, segundo alguns, para o Centro-sul do país. A ênfase aqui é mais na economia e a sua dinâmica espacial, ao contrário da regionalização anterior que parte das relações entre o Homem (a sociedade) e a Terra (o seu meio ambiente).  

    A terceira concepção sobre o Nordeste afirma que essa (suposta) região na realidade é uma invenção ou construção. Uma invenção produzida por determinados grupos sociais – internos (a elite da própria região, ou pelo menos boa parte dela) e também externos (de São Paulo ou do Rio de Janeiro, capital federal até 1960) – num processo político no qual a criação de uma “região problema”, que deve ser alvo de assistencialismo e de transferência de verbas, foi uma atitude adaptada ao controle social e a um determinado acomodamento entre as diversas partes (com as suas classes dirigentes e dominantes) do espaço nacional. Esse engendramento da região teria sido operado na mídia, nos discursos políticos, na produção intelectual e até mesmo nas artes (por exemplo, com a invenção de uma pretensa “música nordestina”). É um ponto de vista que podemos denominar idealista, sem nenhum demérito – afinal, o idealismo também tem o seu valor e de alguma forma compreende a realidade e até permite uma ação sobre ela. Idealismo na medida em que não foi a partir da análise objetiva ou empírica de nenhuma “realidade” material, de nenhum traço seja da região seja do espaço nacional, que esse conceito de “região Nordeste” foi construído. Ele foi construído em função, basicamente, dos interesses materiais e ideológicos de determinados grupos dominantes, que acabaram por impor certa visão da região com as suas hipotéticas “características” tais como as secas e a pobreza, a música e a literatura regionais, um determinado modo de ser ou de se comportar, etc.

    Uma obra que ilustra muito bem aquela primeira visão do Nordeste é A Terra e o Homem no Nordeste, de Manuel Correia de Andrade (Andrade, 1964)2. Não que seja a única. Na verdade existem inúmeras – centenas – de obras que desde pelo menos a terceira década do século XX reproduzem, com algumas nuanças, essa concepção tradicional da região, sendo que algumas, mesmo sendo datadas, possuem uma inegável qualidade científica: livros e artigos publicados pelo IBGE, trabalhos de Josué de Castro, Gilberto Freyre, Jacques Lambert, Roger Bastide, Marília Velloso Galvão, Nilo Bernardes e vários outros. Mas o livro de Andrade é o que melhor exemplifica esse esquema “a Terra e o Homem”, essa ênfase nas paisagens e, bem ou mal, se tornou o mais popular de todos, tendo conhecido sucessivas edições e citações ou reproduções num sem número de trabalhos acadêmicos e mesmo didáticos.

    Já a segunda concepção sobre o Nordeste do Brasil é ilustrada de forma magnífica pelo livro Elegia para uma re(li)gião, de Francisco de Oliveira  (Oliveira, 1977). Também não é o único nessa perspectiva. Existem algumas dezenas de outros trabalhos que, com algumas diferenças, vão pelo mesmo caminho de priorizar a divisão inter-regional do trabalho e o papel do Nordeste nesta: obras de Celso Furtado (por sinal um grande inspirador de Oliveira, que trabalhou na SUDENE idealizada por Furtado e o seu estudo crítico é um resultado dessa experiência), de Yves Chaloult, Manoel Seabra e Léa Goldenstein, Tânia Bacelar de Araújo, Antônio Barros de Castro e vários outros3. Mas a nosso ver o estudo de Oliveira é o mais exemplar, o mais acabado – e também o mais referenciado – dentro desse ponto de vista.

    Por fim, a terceira leitura do Nordeste brasileiro tem no livro A invenção do Nordeste e outras artes, de Durval Muniz de Albuquerque Jr (Albuquerque Jr, 2001), o seu melhor exemplo. Talvez pela própria natureza do tema, no qual sempre predominaram de forma avassaladora os empiristas e materialistas, existem poucos trabalhos – geralmente recentes – que adotam total ou parcialmente este viés mais idealista. Na verdade, a recente ascensão do idealismo e também do construtivismo epistemológico, através, por exemplo, da ideia de invenção ou construção de um objeto social (uma nação, certas tradições, um regionalismo e por aí afora) é algo relativamente recente [a partir dos anos 1970] e costuma ser etiquetado como pós-moderno.

    http://confins.revues.org/7377?lang=pt

    Durval Muniz de Albuquerque Jr.

  2. A Inversão do Nordeste

     

    A inversão do Nordeste: notas críticas à tese de Durval Muniz de Albuquerque Jr

    Camila Teixeira Lima

    Resumo

    Este artigo faz parte de um estudo mais amplo que busca na literatura nordestina caminhos para a compreensão do Nordeste atual. Para dar continuidade ao estudo proposto, todavia, é necessário refletir sobre um tema importante e que é caro à compreensão da região. O tema diz respeito à tese de Durval Muniz de Albuquerque Jr. discutida em A Invenção do Nordeste: e outras artes, 1999; de que o Nordeste é uma elaboração imagético-discursiva de uma elite intelectual cujo intuito é manter viva uma dominação ameaçada.

    (…)

    O tema diz respeito à tese do mito Nordestede Durval Muniz de Albuquerque Jr. Exaustivamente discutida em A Invenção do Nordeste: e outras artes, livro do autor publicado em 1999. Nesse livro, Albuquerque expõe sua tese de que o Nordeste é uma elaboração imagético-discursiva de uma elite intelectual cujo intuito é manter viva uma dominação ameaçada. Segundo a tese do autor, nas linhas da sociologia de Gilberto Freyre; da literatura de Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, José Lins do Rêgo, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Euclides da Cunha, Ascenso Ferreira, José Américo e Ariano Suassuna; do cinema de Glauber Rocha e da música de Luiz Gonzaga o Nordeste é inventado a partir de uma unidade discursiva que toma como base ora o Nordeste açucareiro, ora a região de terras duras e secas. Albuquerque reconhece que esta invenção parte de autores, cineasta e músico diferentes e que a produção destes autores é elaborada em momentos distintos. No entanto, todos esses autores colaboraram, cada uma a sua maneira, para a formação do mito Nordeste, como se cada membro dessa elite intelectual fosse atraído pela imagem-discursiva da região, ao mesmo tempo em que contribuie alimenta esta imagem. É a “teia inescapável do regionalismo nordestino”, como ilustra Flávio Vieira, quando descreve a tese de Durval do olhar onipresente da formação discursiva do Nordeste. Para Vieira, Durval Muniz de Albuquerque acredita que a elite intelectual “elaborou uma ‘máquina discursiva’ da qual ninguém, nem nas artes e nem na academiaconseguiu escapar, a não ser, pelo visto, o próprio Durval Muniz” (Vieira, 2001, p. 53. Grifo meu). Não é apenas a elite intelectual em crise produtora do discurso sobre o Nordeste que é alvo de Muniz, a elaboração imagético-discursiva tem o poder de impregnar o povo,passivo e submisso na Invenção do Nordeste, que é disciplinado, segundo a interpretação foucaultiana de Durval Muniz, e colabora para a manutenção da distinção entre elite dominante e povo dominado. Por meio da cultura popular e do Folclore, o próprio povo favorece a perpetuação da sua submissão fornecendo elementos para o discurso das elites. O mito Nordeste, denunciado por Durval, é formado pelo entrelaçamento de discursos que podem ser resumidos da seguinte forma: a) O Nordeste era o espaço do sedentarismo dos grandes latifúndios, das casas-grandes, dos senhores de engenho, da família patriarcal, da relação harmônica entre senhor e escravo, da zona estável canavieira, território de profundas raízes que era capaz, devido a isso, de criar seu próprio país (Gilberto Freyre, José Lins do Rêgo); b) Devido ao deslocamento da zona econômica para o sul, da industrialização, das usinas, dos burgueses, a região começa a entrar em um período de decadência. A região, portanto, precisava ser resgatada no seu passado de opulência, é o Nordeste como “espaço da saudade” (Gilberto Freyre, José Lins do Rêgo, Rachel de Queiroz, Luiz Gonzaga); c) O Nordeste decadente é a região da seca, do flagelado, do atraso, do retirante, do cangaceiro, do sertanejo (Rachel de Não é apenas a elite intelectual em crise produtora do discurso sobre o Nordeste que é alvo de Muniz, a elaboração imagético-discursiva tem o poder de impregnar o povo,passivo e submisso na Invenção do Nordeste, que é disciplinado, segundo a interpretação foucaultiana de Durval Muniz, e colabora para a manutenção da distinção entre elite dominante e povo dominado. Por meio da cultura popular e do Folclore, o próprio povo favorece a perpetuação da sua submissão fornecendo elementos para o discurso das elites. O mito Nordeste, denunciado por Durval, é formado pelo entrelaçamento de discursos que podem ser resumidos da seguinte forma: a) O Nordeste era o espaço do sedentarismo dos grandes latifúndios, das casas-grandes, dos senhores de engenho, da família patriarcal, da relação harmônica entre senhor e escravo, da zona estável canavieira, território de profundas raízes que era capaz, devido a isso, de criar seu próprio país (Gilberto Freyre, José Lins do Rêgo); b) Devido ao deslocamento da zona econômica para o sul, da industrialização, das usinas, dos burgueses, a região começa a entrar em um período de decadência. A região, portanto, precisava ser resgatada no seu passado de opulência, é o Nordeste como “espaço da saudade” (Gilberto Freyre, José Lins do Rêgo, Rachel de Queiroz, Luiz Gonzaga); c) O Nordeste decadente é a região da seca, do flagelado, do atraso, do retirante, do cangaceiro, do sertanejo (Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto, Glauber Rocha); d) Por isso se torna necessário recuperar a dominação ameaçada através da criação imagético-discursiva do Nordeste por meio do regionalismo (todos os “inventores” e cultura popular); e) Isso foi feito, em larga medida, pela exaltação do tradicional, do antimoderno, de suas raízes com o medieval, com o ibérico, com o colonizador, contra tudo “o que é novo”, pela tradição obsoleta e recalcada (Gilberto Freyre, Ariano Suassuna, cultura popular). Dessa forma, se entrelaça e se constrói a teia que inventa o Nordeste. A unidade discursiva dessa teia se solidifica, segundo o autor, a partir da negação do moderno e da apresentação de um nordeste rural, atrasado e conservador.

    É certo que a tese de Durval Muniz do Nordeste como invenção é bastante original e merece consideração. No entanto, ao longo do seu livro, me parece que Durval comete alguns equívocos graves, e acredito que dois deles merecem destaque, porque eles são responsáveis por desencadear uma série de outros equívocos: a) Desconsiderar as bases materiais de existência, na medida em que todos os discursos realizados por essa elite intelectual são expostos pelo autor “despregados” dos fenômenos sociais e sem muita relação com eles; b) O autor parece fazer muito mais um discurso apologético da modernidade (e, desta forma, do capitalismo), do que uma crítica lúcida à imagem de um Nordeste da tradição, do atraso e do conservadorismo.

    Albuquerque possui muitos seguidores e seu livro teve e tem muito destaque no meio acadêmico, tendo recebido, inclusive, o Prêmio Nelson Chaves de Teses sobre o Norte e o Nordeste Brasileiro da Fundação Joaquim Nabuco. Encontrei apenas um texto crítico à Invenção do Nordeste, intitulado A teia inescapável do regionalismo nordestino: a invenção do Nordeste e outras falas, de Flávio Lúcio R. Vieira, já citado, inclusive, neste artigo. Diante de todo este destaque, então, antes que eu caia na teia inescapável do regionalismo de Durval, me proponho tentar refletir de forma mais cuidadosa sobre a invenção da região nas linhas do autor, com o intuito de contribuir para um debate que considero bastante relevante e que o autor tem o mérito de ter destacado.

    “A discussão sobre os regionalismos fazem parte dos inúmeros dispositivos inventados pelo mundo moderno para dividir, classificar e hierarquizar os homens, para melhor governá-los, explorá-los e dominá-los. A região é uma das inúmeras formas de aprisionamento às quais a sociedade burguesa deu origem. A história pode ser o discurso que fabrica e repõe as grades desta jaula, mesmo flexível, mas pode ser o discurso que nos ajuda a simular e experimentar a possibilidade de vê-la de fora, de seu exterior: um discurso que nos permita dela duvidar e dela se afastar, fazendo desta prisão casebres em ruínas, muros escalavrados e nós, como a lesma, recuperarmos a liberdade de irmos nus e úmidos, prenhes de novas trilhas, permitindo traçarmos novos caminhos brilhantes.”

    http://www.ifch.unicamp.br/1fppgs/files/artigos/camila_lima.pdf

  3. Comandante Massa

     

    Assumir a nordestinidade é assumir estas várias representações excludentes sobre este espaço e povo; é emitir um discurso preso à lógica da submissão; é ocupar um lugar que esperam para nossa voz e para nosso olhar: voz para pedir, suplicar, denunciar(…) Não é assumindo a nordestinidade e usando-a como se fosse um enunciado revolucionário que denunciaremos a teia de poder que exclui grande parte dos chamados nordestinos, que estereotipa como marginais socioculturais a grande parte daqueles que nele habita. Mas é nos afirmando como não-nordestinos, no sentido consagrado, é mostrando que existem diferentes formas de ser nordestino(…) É preciso questionar as lentes com que os nordestinos são vistos e se veem.” (Albuquerque Jr, 1999, p. 315-6).

    As análises de Albuquerque Jr são mais complexas na medida em que o seu escopo não foi explicar ou reconstruir um conceito de Nordeste e sim desconstruir uma regionalização, uma noção de Nordeste inventada nos anos 1920 e que ora o vê como atraso e miséria que necessita ajuda, ora como tradição genuína (o folclore, a música, a literatura, o artesanato), e ora ainda como revolucionário. Albuquerque Jr não pretendeu engendrar uma nova concepção regional, como Andrade e Oliveira, e sim desmantelar certa visão da região que passou a ser dominante na mídia, nas artes (literatura, música, pintura, cinema) e até na produção intelectual em geral desde pelo menos aquela referida década. Também não deixa de ser um trabalho de denúncia – mas não de denúncia da exploração dos trabalhadores no capitalismo, como de certa forma os dois anteriores –, na medida em que afirma existirem relações de poder por trás desse discurso sobre o Nordeste. É igualmente uma interpretação talentosa e extremamente interessante, que mostra como a imagem do Nordeste foi sendo inventada e constantemente reinventada sob uma mesma matriz a partir dos anos 1920.

    A região, qualquer que seja a regionalização que adotamos, também está dentro de nós e não apenas no mundo empírico.  

    Albuquerque Jr D. M. de, A invenção do Nordeste e outras artes, 2ª. Edição, São Paulo, Cortez, 2001.

    http://confins.revues.org/7377?lang=pt

  4. PARA DOM JNS!
    Artur Eduardo BenevidesElegia Cearense

     

    1  
    Longo é o estio.  
    Longos os caminhos para os pés dos homens.  
    Longo o silêncio sobre os campos. Longo  
    o olhar que ama o que perdeu.  
    Já não vêm as auroras no bico das aves  
    nem se ouve a canção de amor  
    dos tangerinos.  
    A morte nos abóia. Exaustos, resistimos.  
    Se se acaso caímos os nossos dedos  
    começam a replantar a rosa da esperança.  
    Ai Ceará  
    teu nome está em nós como um sinal  
    de sangue, sonho e sol.  
    Chão de lírios e espadas flamejantes,  
    território que Deus arranca dos demônios,  
    mulher dos andarilhos, dálida da canícula,  
    em nós tu mil rorejas. Pousas. És canção.  
     

    2.  
    Para cantar-te me banho em tua memória  
    e ouço a voz enternecida  
    diante de esfinges soluçando.  
    Oh! ver-te apunhalada — e o sol  
    roubando tua frágil adolescência  
    e ponto em tua face o esgar  
    de quem se sente, súbito, perdido.  
    Teus pobres rios secam  
    os galhos perdem os frutos  
    as aves bicam o céu  
    fogem as nuvens.  
    Então ficamos escravizados  
    à tua sede austera, ao teu desejo  
    de um dia seres bela igual às noivas  
    que se casam no fim dos teus invernos.  
      

    3  
    Triste é ver as crianças finando-se nos braços  
    de mães alucinadas que vendo-as à morte  
    inda cantam de amor canções do tempo antigo.  
    E ficas desesperada vendo os filhos  
    ao longo das estradas onde há pouco  
    trabalhadores cantavam an entardecer.  
    Mudas a voz, então: és cantochão  
    és réquiem crescendo à sombra dos degredos  
    és rouca como presos que murmuram  
    palavras dos dias em que foram  
    jovens e felizes.  
    Para cantar-te, Bem-Amada telúrica,  
    seria feliz se vez de vãs palavras  
    tivesse em minha boca chuvas e sementes.  
    Ai, viúva do inverno, flor violentada,  
    teu sol não brilha: queima. Mas um luar  
    renasce sempre no olhar  
    dos homens.  
    Ó grande olhar de pedra, sede e solstício:  
    te dessem um novo reino e nunca aceitarias!

    4.  
    Belos são os teus frutos porque difíceis.  
    Em cada sepultura nasce uma rosa.  
    Em cada filho teu o amor é como o inverno.  
    Jamais tu morrerás. Não seríamos fortes  
    se por ti não estivéssemos em vigílias cruéis, ó mãe!  
    Mas se as chuvas te querem  
    como louco partimos  
    para o amanho da terra.  
    Os campos então ficam maduros  
    qual ventre de mulher,  
    e as bocas  
    — tranqüilas e felizes —  
    gritam  
    palavras de amor  
    que erguem  
    primaveras.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=mKiJ5jj3twc%5D

    1. Inconformado

      Quanta ingratidão!

      Em teu encanto que é tanto

      Só me dizes – não!

      Morre o poeta cearense Artur Eduardo Benevides

      Conhecido como ”Príncipe dos Poetas Cearenses”, Artur foi poeta, ensaísta e contista, tendo obtido 31 prêmios literários no Ceará. Ele será enterrado nesta segunda-feira, 21, no cemitério São João Batista

      OPOVO online | 21/09/2014

      Artur Eduardo Benevides ingressou na Academia Cearense de Letras em 1957 para ocupar a cadeira 40, deixada por  Tomás Pompeu Filho

      Artur Eduardo Benevides ingressou na Academia Cearense de Letras em 1957 para ocupar a cadeira 40, deixada por Tomás Pompeu Filho | FOTO: PATRÍCIA ARAÚJO, EM 13/03/2007

      O poeta Artur Eduardo Benevidesmorreu na manhã deste domingo, 21, aos 91 anos, defalência múltipla dos órgãos. Ele estava internado no no hospital São Mateus há cerca de três meses, segundo o filho mais velho, Fred Benevides. O corpo será velado a partir das 18 horas no salão nobre da Academia Cearense de Letras, no Centro de Fortaleza.

      Segundo o filho mais velho, Frederico Valente Benevides, o Fred, como é conhecido, a morte foi registrada por volta das 11 horas. Artur era viúvo, pai de quatro filhos e o caçula de 16 irmãos. A missa de corpo presente também será na Academia Cearense de Letras e está marcada para às 9p0min desta segunda-feira, 21. Às 11 horas, Artur será enterrado no cemitério São João Batista, na rua Padre Mororó, Centro. 

      Fred, que completa 66 anos na segunda-feira, 22, disse que a única irmã viva de Artur é Miriam Pamplona, que também está hospitalizada. “Ele foi internado com uma infecção urinária que passou para pulmonar. Estava fazendo hemodiálise, seriam 72 horas de tratamento, mas o coração não aguentou. Amanhã, no lugar de celebrar meu aniversário, vou sepultar meu pai”, reflete.

      O presidente da Academia Cearense de Letras, José Augusto Bezerra, lamentou a perda do amigo e símbolo da irmandade. “Artur é um verdadeiro imortal, uma das maiores expressões que a literatura do Ceará já teve. Sua memória será reverenciada por nós, assim como sua obra, que simboliza gerações ao longos desses 91 anos”, afirma.

      José Augusto também lembra que neste ano a Academia completa 120 anos, o que será mais um motivo para “lembrar de coisas boas do nosso príncipe”. “Ele foi uma das nossas glórias. O ano de sua morte é um marco e ele sempre vai merecer nosso carinho, respeito e saudade”, avalia.

      Artur nasceu em Pacatuba no dia 25 de julho de 1923. Bacharel em Direito e em Letras, exerceu por muitos anos a função de procurador da Legião Brasileira de Assistência e foi professor e diretor da antiga Faculdade Católica de Filosofia (de onde sairia a UECE), da Faculdade de Letras e do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará.

      Poeta, ensaísta e contista, ele escreveu 46 títulos e obteve 31 prêmios literários no Ceará, em Brasília, em São Paulo e no Rio de Janeiro, conforme informações da Academia Cearense de Letras. Entre as principais obras estão: Canção da rosa dos ventos, 1969; O viajante da solidão, 1969; Inventário da tarde; 1983; Canto de amor ao Ceará, 1985; Noturnos de Mucuripe e poemas de êxtase e de abismo, 1ª ed. 1992 e 2ª ed. 1996; A noite em Babylônia e outros relatos ao eterno, 1998; Poemas de amor a Fortaleza, 2000; etc.

      Trajetória 

      Artur ingressou na Academia Cearense de Letras no dia 13 de novembro de 1957, sendo saudado pelo acadêmico Braga Montenegro. Em 1985 ele foi eleito “Príncipe dos Poetas Cearenses” por todas as instituições culturais do estado. Ocupava a vaga deixada por Tomás Pompeu Filho, cadeira 40, cujo patrono é Visconde de Sabóia.

      FONTE: http://www.opovo.com.br/app/fortaleza/2014/09/21/noticiafortaleza,3318223/morre-o-poeta-cearense-artur-eduardo-benevides.shtml

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