As discussões sobre o balanço da Petrobras

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Por Fernanda Bayeux

Identificação contábil das baixas na Petrobras No fim da matéria “Petrobras pode anunciar baixa contábil de até US$ 20 bilhões” – assinada por Cláudia Schüffner e Fernando Torres e publicada no Valor Econômico -, sobre a análise dos reflexos tributários da referida baixa, faz-se, em tese, a segregação em duas naturezas: perda por corrupção e perda do valor recuperável (“impairment”). A conclusão é que, conquanto de naturezas diferentes, ambas teriam impacto no resultado da companhia, ou seja, reduziriam o lucro.

Preliminarmente, convém esclarecer, ainda que de maneira sumária, cada uma dessas naturezas. O que se fará por hipótese, tendo em vista a insuficiência de informação sobre o caso concreto.

Consideremos que determinada refinaria tenha sido construída ao custo de R$ 10 bilhões, sendo que, no âmbito de um processo judicial que apure corrupção, o juiz conclua que, desse valor, 20% (ou seja, R$ 2 bilhões) seria superfaturamento – essa é a primeira “baixa”. Além disso, com a redução do preço do barril de petróleo, e tomando por base a produção da mencionada refinaria, a empresa (ou seus auditores independentes) conclua que o fluxo de caixa esperado (valor recuperável da refinaria) seja de R$ 7 bilhões – com isso, teria uma segunda “baixa”, calculada assim:

• Custo original de R$ 10 bilhões;

• ( – ) Valor superfaturado de R$ 2 bilhões (primeira “baixa”);

• = Custo a valor de mercado de R$ 8 bilhões;

• Reduzido ao seu valor recuperável de R$ 7 bilhões;

• = Baixa (“impairment”) de R$ 1 bilhão (segunda “baixa”).

Restringindo minha análise a questões meramente técnicas, entendo que os registros contábeis poderiam ser um pouco diferentes daqueles que têm sido noticiados. Das diversas reportagens publicadas sobre a matéria, a Petrobras – seguindo na hipótese acima apresentada – intencionaria realizar os seguintes registros:

Crédito – R$ 3 bilhões: Ativo Imobilizado – Refinaria, de modo a reduzir o seu valor;

Débito – R$ 3 bilhões: Demonstração do Resultado do Exercício (despesa), reconhecendo o “impairment” do ativo.

Por esse registro, não seria possível identificar, nas demonstrações financeiras da companhia, qual parcela refere-se a corrupção e qual parcela se refere à perda de valor da refinaria (ativo). Ainda de acordo com as reportagens publicadas, não seria possível ser feita essa segregação.

Seguindo na nossa hipótese, com as explicações da matéria do Valor Econômico citada, em sendo possível identificar a natureza de cada parcela da baixa efetuada, os registros contábeis seriam desta forma:

Crédito – R$ 3 bilhões: Ativo Imobilizado – Refinaria, de modo a reduzir o seu valor;

Débito – R$ 2 bilhões: Demonstração do Resultado do Exercício (despesa), reconhecendo o valor superfaturado;

Débito – R$ 1 bilhão: Demonstração do Resultado do Exercício (despesa), reconhecendo o “impairment” do ativo.

Dessa forma, conheceríamos o montante relativo à corrupção – que pode ter sido previamente identificado pelo juiz que conduz a ação judicial hipotética do nosso exemplo.

Nesse ponto específico, depois de uma calorosa discussão com o economista Francisco Petros, vislumbramos outra possibilidade, à luz da legislação societária brasileira. Uma vez identificado o valor da corrupção, perpetrada por alguns diretores e funcionários da companhia, os seus acionistas e a própria companhia em si, por se sentirem lesados no seu patrimônio, poderiam pleitear, mesmo que judicialmente, a devolução desse valor. Se assim é, o montante relativo à corrupção poderia não ser uma “baixa contábil”, mas o reconhecimento de um ativo, contra os judicialmente envolvidos.

Então, o lançamento contábil seria como segue:

Crédito – R$ 3 bilhões: Ativo Imobilizado – Refinaria, de modo a reduzir o seu valor;

Débito – R$ 2 bilhões: Ativo Não Circulante – Direito de ressarcimento;

Débito – R$ 1 bilhões: Demonstração do Resultado do Exercício (despesa), reconhecendo o “impairment” do ativo.

Ou seja: a baixa contábil seria tão somente do ajuste a valor recuperável (“impairment”), sem afetar, portanto, o lucro da companhia.

Finalmente, o reconhecimento desse ativo estaria sujeito às normas jurídico-contábeis referentes aos ativos contingentes.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

10 Comentários

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  1. Quando escreve alguém que entende de

    contabilidade e de legislação societária, o resultado é muito diferente do que se lê na tal mídia, mesma a auto-intitulada “especializada”.

    Fora que a contabilização de perdas sobre ativos, tem, pela regra de dupla entrada, o mesmo valor entrando em débito da conta de resultados (reduzindo o lucro contábil da empresa), não só não afetando negativamente o fluxo de caixa, mas o aumentando a prazo, já que cria créditos de impostos…

    Mas os Frias e Marinhos só querem ler e ouvir o que possa denegrir Petrobras, PT, Dilma e cia…

  2. VALOR DA CORRUPÇÃO X VALOR DE BAIXA NO ATIVO

    Finalmente alguém soube diferenciar VALOR DA BAIXA CONTÁBIL e VALOR DA CORRUPÇÃO. A Grande Mídia, propositalmente ou não, no dia de ontem, parecia confundir VALOR DA BAIXA NO ATIVO DA PETROBRAS com VALOR DA CORRUPÇÃO. Baixa no ativo é o desconto do valor do superfaturamento (com deságio, porque os serviços e os equipamentos, na época da construção da Abreu Lima eram muito maiores), enquando o valor da corrupção é o valor pago aos corruptos para facilitar a aprovação dos contrato superfaturados pela diretoria da Petrobras envolvida.

  3. Exatamente o que eu afirmei ontem…
    Propina + sobrepreço28/01/2015 – 14:23

    O sobrepreço, quando confirmado não deveria retornar aos cofres da empresa de onde foi “subtraído”?

    Nesse caso, não seria este um valor de “crédito” teoricamente inexperado para a Petrobás? 
    Ou seja, quanto maior o rombo comprovado, maior a “receita” prevista?

     

     

     

    1. Esse dinheiro já foi embora

      O crédito só vai existir se,após de muitos anos de tramitação, a Petrobrás conseguir ganhar os processos contra os acusados, tendo a sentença transitada em julgado.

       

      Sómente então, daqui uns 10 anos ou mais, ela poderá lançar o crédito reconhecido por sentença, em seu balanço.

       

      Já conseguir transformar esses créditos em dinheiro vai ser uma missão “quase” impossível….

       

       

  4. a petrobrás poderia entrar

    a petrobrás poderia entrar  com uma  ação trb para recuperar

    os prejuízos contrra a grande mída golpísta que fabrica matérias contra a empresa…

    aí poderia colocar como crédito o jardim botanico, o projac, etc, etc,etc….

    seria o início de uma grande regulação midiática.

  5. Boa!

    Clap clap, nada como a mistura de conhecimento com bom senso.

    Lembrando que a empresa continua dando lucro operacional, apesar de circos investigativos e midiáticos, cujo efeito prático poder´ser não o de prejuízos contábeis que não afetarão o caixa presente, mas de recuperações reais que afetarão o caixa (e a contabilidade) positivamente.

  6. Esta proposta de contabilizar

    Esta proposta de contabilizar um “direito de ressarcimento” no ativo só seria possível, pelas normas contábeis adotadas pela companhia, se este direito fosse líquido e certo. Na hipótese de um disputa judicial, o processo já deveria ter transitado em julgado e, além disso, ser provável que ela de fato fosse receber este montante. Fora isso, o valor da baixa tem que ir direto pro resultado mesmo.

  7. Perda é perda!

    Não é factível a contabilização das perdas com a corrupção como um Ativo da empresa.

    Ativo é um recurso controlado pela empresa como resultado de eventos passados e do qual se espera que resultem futuros benefícios econômicos para a entidade. 

    O reconhecimento de um ativo depende de alguns requisitos: (a) for provável que os benefícios econômicos futuros esperados atribuíveis ao ativo serão gerados em favor da entidade; e (b) o custo do ativo possa ser mensurado com confiabilidade.

    Nesta caso não existe controle por parte da Petrobrás sobre o montante estimado como corrupção, as probabilidades de recuperação são incertas e o próprio custo não pode ser mensurado com confiabiliade.

    A auditoria jamais aceitaria a ativação destes valores, o que envolveria um longo e custoso processo de recuperação, cujos valores finais poderão ser bem diferentes daquele estimados, uma vez que durante o processo judicial as provas terão que ser avaliadas.

    A alternativa de buscar a reparação judicial NÃO depende sob forma alguma do registro destes valores como Ativo. O caminnho viável é sua baixa como perda.

    A definição do valor a ser baixado é, óbvio, o grande nó deste imbróglio.

  8. Tecnicamente Falando

    Olhando o exemplo citado, vemos a constituição de novo crédito, sujeito a outras normas contábeis e a provisão para perdas também, umas vez que não sendo recuperável deverá ser baixado como prejuízo.

    Assim o direito de ressarcimento de R$ 2 bi registrado como ativo deverá ser analisado sobre a ótica de se o credito será realmente ressarcido ou não, caso não, registra-se outra perda de 2 bi.

    Concordo que com a dificuldade de se apurar o real montante do desvio/prejuizo pela corrupção não deverá haver lançamento evidenciando isso, mas é necessário pelo menos NOTA EXPLICATIVA junto as demonstrações contábeis explicando e justificando a situação e as atitudes da companhia para enfrentar o problema.

    O imparment poderia ter sido feito com base nos dados existentes, colocando-se também em nota explicativa que poderá sofrer alterações devido aos desdobramentos da ações e futuro conhecimento de novos fatos.

    O imparment em si não é tão penoso, pois embora possa registrar prejuizo hoje, amanha com novas condições de mercado esse valor pode ser recuperado.

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