Desafios da gestão pública

Desafios da gestão pública: foco nos resultados

Por Lilian Milena, do brasilianas.org

O especialista em gestão pública, Caio Marini, 56, fala ao Brasilianas.org sobre os principais desafios da administração pública brasileira. O mineiro, que hoje preside o Conselho Pedagógico do Instituto de Governança Social (IGS), instância criada no Estado de Minas Gerais para fortalecer a gestão capilar de iniciativas políticas, explica como funciona o Governo Matricial, proposta que partiu da Nova Gestão Pública, introduzida na agenda internacional dos anos 1980, mas que soma a essa o papel do estado em promover o desenvolvimento social, “sem perder de vista o legado positivo que a geração anterior deixou que é a cultura de responsabilidade fiscal”.

Os Contratos de Gestão – mecanismo realizado entre as várias partes envolvidas numa política ao redor de um único objetivo – é visto como essencial no que Marini chama de a Terceira Geração da Reforma do Estado, mas que ainda sofre com o lado negativo da burocracia jurídico legal vigente no país. O professor propõe aos políticos de boa vontade a criação de uma lei de responsabilidade gerencial.

“Não temos a Lei de Responsabilidade Fiscal, que pegou? Que transcendeu ideologias, que nada mais é do que gastar exatamente o que se ganha?”. Na Lei de Responsabilidade Gerencial, sugerida por Marini, o gestor que assumir a administração pública teria um período para apresentar qual seu plano de resultados de desenvolvimento, “cobrado não só quanto ao que gastou, como também se alcançou as metas propostas”. 

Acompanhe a entrevista na íntegra:

A presidente Dilma criou recentemente a Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade (CGDC). Que condições estruturais ocorreram nos últimos anos para que finalmente o governo brasileiro tomasse esse rumo, de criar uma câmara que uni entes do setor público e privado?

O grande fato novo é que finalmente o tema gestão entrou com vigor nas diversas agendas públicas. Uma coisa muito curiosa, porque por muito tempo o tema gestão pública ficou fora da agenda. Não havia muita preocupação com o assunto e esse é um exemplo de que ele ganha relevância. Ao se criar uma instância com a participação do governo, setor privado, com diversos seguimentos da sociedade, o poder público sinaliza que o tema é relevante.

O tema também já vinha entrando, há algum tempo, na agenda acadêmica. O que se produz atualmente – estudos, pesquisa, dissertações – sobre o tema da gestão pública é muito interessante, e muita coisa. Depois o tema também entrou na agenda empresarial. Os empresários passaram a ter a percepção que quanto melhor é o padrão da gestão pública, melhor é o ambiente de negócios. E por fim, e o mais importante de tudo, é que o tema de gestão entrou na agenda política. Quer dizer, os políticos passaram a perceber a relevância que a gestão pública tem para que eles possam cumprir com seus mandatos e seus programas de governo.

O que foi dito é que a principal tarefa da CGDC será fazer a integração das estratégias de desenvolvimento social com redução das desigualdades, de promoção do equilíbrio fiscal e do desenvolvimento econômico sustentável. Um avanço, já que a primeira reforma da gestão pública (décadas de 1980 e 1990) se orientou sobre a economia e fiscalização, certo?

Esse é um ponto muito importante. As reformas dos anos 80 e 90 tinham quase que apenas um único foco, que era o foco fiscalista. O pressuposto que estava por trás, verdadeiro, mas limitado, de que a crise do Estado era uma crise financeira. Portanto o Estado precisava de uma estratégia financeira – basicamente medidas de ajuste fiscal – para colocar as contas em dia e se recuperar financeiramente.

Tudo bem que isso era verdade, mas uma meia verdade, porque a crise do Estado não era só uma crise financeira, era uma crise de identidade, de papel. O Estado estava perdendo sua capacidade de cumprir o seu papel que é promover o desenvolvimento. Mas a nova geração de reforma recoloca o tema desenvolvimento em primeiro lugar, sem perder de vista o legado positivo que a geração anterior deixou que é a cultura de responsabilidade fiscal. Isso é absolutamente fundamental.

A grande novidade é combinar os dois, não ficar antagonizando. Assistia-se no governo grandes lutas: os estabilistas versus os desenvolvimentistas. Enquanto que o grande desafio é desenvolvimento “e” estabilidade, não um “ou” o outro.

É tão obvio o que você colocou. Então por que, do seu ponto de vista, demorou-se para chegar a essa conclusão?

Acho que há diversas razões para isso. Primeiro a crise financeira era real e era dura. E a maior parte dos Estados, o que fizeram foi, basicamente, enfrentar – às vezes até por pressão dos organismos internacionais que, de certa forma incentivaram muito essa agenda, porque condicionavam o financiamento de projetos para os países, para que as colocassem em dia. Está certo que era importante que isso tenha acontecido, mas, olha o paradoxo, às vezes uma estratégia de ajuste exageradamente muito bem feita tinha o efeito colateral negativo que era gerar custos de oportunidade ao desenvolvimento. Você, junto com a doença, matava o paciente, e aí o Estado deixava de cumprir o seu papel. O que foram os apagões? Foram ajustes muito bem feitos, olhando apenas a dimensão do ajuste.

Acho que tem um exemplo, onde talvez essa nova concepção de gestão tenha sido embrionária, que foi o caso de Minas Gerais. Esse caso é paradigmático porque ele, de certa forma, introduz essa estratégia dual. Quando o governador Aécio Neves assume a crise financeira do estado de Minas Gerais era uma das maiores do Brasil, talvez a pior equação financeira do país. A tentação natural era que ele fizesse apenas uma estratégia de combate ao déficit fiscal. Mas ele não fez só isso e sim adotou a chamada estratégia dual: tomou medidas muito duras para reduzir o déficit público, mas em paralelo tinha um plano de longo prazo, de vinte anos, de desenvolvimento com uma visão de futuro bastante inspiradora, com metas definidas para um conjunto de áreas de resultado na saúde, educação, segurança. Ao fazer essas duas coisas, simultaneamente, ele dava direcionamento em áreas de ajustes, porque tem áreas que se pode cortar e outras que não se pode cortar. E mais do que isso, quando fez o ajuste e deixou de ter o déficit fiscal, tinha um plano que permitia que fizesse a aplicação dos investimentos públicos. A ausência de um plano, que foi talvez o mais dramático em muitas realidades, fez um pouco isso, ou seja, você primeiro cortava indistintamente e depois, quanto tinha o superávit, não sabia o que fazer com ele, porque lhe faltava uma estratégia.

Acho que esse foi o grande diferencial da experiência de Minas – me que pese a grande dramaticidade da crise financeira – o Estado adotou uma estratégia dual. Ele enfrentou a crise, mas tinha uma estratégia de longo prazo, com planos de desenvolvimento, que foi o PMDI (o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado) , absolutamente fundamental e distintivo em relação a outras experiências.

Gostaria que falasse um pouco sobre o Governo Matricial e suas estruturas estruturais gerenciais. O governo matricial é o mesmo que a chamada Nova Gestão Pública?

Mais ou menos,  ele tem influência da Nova Gestão Pública. A Nova Gestão Pública, que foi introduzida na agenda internacional nos anos 1980, tinha um pouco o propósito de trazer ferramentas gerenciais do setor privado para a gestão pública – de planejamento, metas, avaliação de desempenho, monitoramento e avaliação. Mas o Governo Matricial é mais do que isso, é na verdade uma abordagem metodológica que transcende um pouco a Nova Gestão porque propõe três grandes movimentos – muito em linha com o que aconteceu em Minas. No primeiro momento, propõe que o Estado tenha uma agenda de desenvolvimento. Os elementos que constituem essa agenda precisam ter coerentes entre si. Ela precisa ter legitimidade, levar em consideração a perspectiva de diversos atores com os quais o governo se relaciona. A agenda precisa, fundamentalmente, de seletividade, porque não dá para fazer tudo. O Estado está em crise, então eu preciso ser seletivo e estabelecer uma carteira de projetos prioritários que possam ser implementados. Esse é o primeiro ponto.

O segundo elemento do Governo Matricial tem a ver com a capacidade de implementação desse plano, estabelece que você precisa alinhar a plataforma implementadora para que esses resultados da agenda aconteçam. E essa plataforma implica em alinhamento de unidades de governo (ministérios, secretarias, fundações, autarquias) e extra-governamentais, porque boa parte dessa agenda é realizada em parceria com o setor privado, terceiro setor. Então esse segundo desafio é absolutamente fundamental, se trata do governo desenvolver a capacidade de mobilizar internamente suas unidades. Isso deve parecer óbvio, mas já fui demandado, como consultor ,diversas vezes para fazer planejamento estratégico em ministérios e secretarias, e se faz tudo mas se esquece da pergunta fundamental: para quê objetivos de governo? Cada um faz o seu, como se fosse uma coisa autista, e cada um vai para o seu lado.

Então quando a presidente coloca como objetivo central o combate a miséria reunindo vários ministérios, é um exemplo disso?

É sim um exemplo. Mas é preciso deixar claro como isso será feito. Falar não significa que os ministérios, automaticamente, vão se alinhar a esse desafio. Há também esse desafio e outros. A agenda precisa trabalhar a dimensão econômica também: do ponto de vista econômico, qual é a nossa estratégia? Do ponto de vista social, qual é a nossa estratégia? Assim como do ponto de vista ambiental.

A agenda é o grande balizador para que ela possa comandar os ministérios nessas ações. Mas aí, o grande desafio é como fazer isso. Novamente, acho que a experiência internacional, e no caso do Brasil, as experiências de Minas e da prefeitura de Curitiba são absolutamente singulares nesse sentido. O grande instrumento para fazer esse alinhamento internamente na gestão pública são os contratos de gestão. Feita essa agenda estratégica, o governo precisa celebrar contratos de gestão com os diversos ministérios, com as diversas fundações, autarquias e empresas, e nesses contratos as unidades de governo pactuam e assumem o compromisso com essa agenda que foi imposta lá em cima. Esse é o grande diferencial nesse segundo desafio do Governo Matriarcal.

O terceiro é muito simples e óbvio. Eu preciso ter uma agenda, preciso alinhar essa plataforma implementadora governamental e extra-governamental, e, por último, preciso ter uma instância de avaliação e monitoramento. Preciso criar uma sala de situação, central de resultados, que dê ao governo informações sobre o avanço matricial, quer dizer, tanto da agenda, como das unidades do governo. Fundamentalmente, essa instância de avaliação e monitoramento, é também uma instância de prestação de contas. O governo passa a prestar contas à sociedade dos resultados que ele vem alcançando nessa ação da agenda estratégica e na dimensão das unidades de governo. Basicamente, esse é o arranjo que a proposta do governo matricial coloca.

No artigo que você divide a autoria com o Humberto Falcão Martins, coloca que a governança é a palavra chave. Como alavancar a capacidade do Estado nesse sentido?

O conceito de governança é maior do que o de gestão pública. A ideia, simples, é basicamente assim: se antes o Estado era protagonista isolado na cena do desenvolvimento, já que fazia tudo, bastava fazer a gestão pública. Hoje, nós estamos falando de um Estado incrustado na sociedade e que junto dela constrói essa agenda – que mencionei no item 1 -, implementa em parceria essa agenda, e avalia e monitora, fazendo o controle social. Então, mais do que gestão, precisamos de uma gestão em rede, que é esse conceito da governança.

O que é a governança? É você desenvolver a capacidade não só do Estado, mas do Estado e dos outros atores (setor privado, terceiro setor, academia) para juntos construírem essas três coisas: fazer essa agenda, implementar essa agenda de desenvolvimento, e fazer o monitoramento e avaliação.

Agora qual é o desafio? É fácil falar e difícil fazer. Estamos falando do desenvolvimento de uma nova capacidade. Se fosse só gestão pública, o Estado desenvolveria. Se fosse só gestão privada, o setor privado desenvolveria. Mas estamos falando de uma gestão em rede. Aí entendo que temos o papel muito importante do Estado na formação de capital social, desses conselhos que vão fazer, um pouco, a gestão da governança.

Fico preocupado de falar novamente de Minas, como exemplo, mas no Estado criou-se recentemente uma instância, eu sou o presidente, que chama-se Conselho Pedagógico do Instituto de Governança Social (IGS) que tem esse papel. Foi criado como iniciativa do Estado, exatamente para fortalecer esse capital social em rede: Estado, e segmentos da sociedade, para que se possa implementar a agenda de governo.

Esse instituto tem um instrumento que aqui em Minas vêm se chamando A Terceira Geração da Reforma, que é a gestão em rede levando essa estratégia de desenvolvimento para o interior – descentralizar a gestão de forma articuladas com os atores da sociedade, pois nem sempre o Estado está preparado.

A criação da Câmara de Políticas de Gestão significa o tão esperado salto da integração das áreas públicas e privadas em relação à administração do país?

Acho que sim, pois se trata de um conceito de governança. Estou vendo pelo menos dois segmentos, talvez a câmara pudesse também ter incluído outros segmentos. Mas a Câmara é importante e está muito em linha com esse contexto: trabalha na perspectiva público-privada.

O grande desafio, não só da câmara, mas de uma maneira geral, é que nós precisamos finalmente nesse país de projetos que não sejam só de governo, mas de Estado, firmados com a sociedade, que vá além de um período governamental. Nesse sentido, preciso realmente de uma instância interinstitucional que dê legitimidade para essa agenda para que ela possa transcender limites temporais de quatro anos de governo. Entendo que a Câmara é um ponta-pé nessa direção, porque foi constituída com pessoas de renome. Agora a questão é discutir e definir seu programa e seu papel.

Isso tem a ver com aquilo que já havida dito, que a coerência nas políticas tem três dimensões: uma horizontal, uma vertical e uma temporal?

Sim. Cada vez mais os projetos de governo são transversais, não cabem mais dentro uma caixinha, uma unidade de governo. Pressupõe-se uma certa capacidade de articulação do governo entre si e também extra-governamental. E essa ideia de atemporalidade é um pouco isso, precisamos de agenda de longo prazo para o país que queremos num futuro de vinte ou trinta anos. É claro que cada governante vai dar o seu tom, mas fica muito mais fácil quando se tem uma agenda, com um certo grau de legitimidade, que representa o conjunto de perspectivas de diversos atores. Desse modo ela tem chance de sobreviver, de ir além do limite temporal de um governo.

A consolidação de um governo de vias matriciais será possível consolidando também uma gestão menos burocrática? Como realizar essa articulação toda sem aumentar a burocracia?

Essa é a pergunta de 1 milhão de dólares. O problema transcende um pouco o que a gente vem discutindo do ponto de vista da abordagem metodológicas, de soluções institucionais como a Câmara. Estamos falando de uma cultura, que é ainda predominante na administração publicam que é a burocrática, posso dizer até da burocracia ortodoxa.

Somos produto de uma cultura muito legalista, então a legislação acaba sendo muito rígida. Por exemplo, na área de compras temos a famosa Lei 8.666 [que estabelece as regras de licitações] que era pra ser geral, que permitisse que cada unidade da administração pública tivesse o seu regulamento específico, mas ficou tão detalhada, que inviabilizou essa possibilidade. O pressuposto – que é uma meia-verdade – que está por trás desse excesso burocrático, é que quanto mais burocracia menos corrupção eu vou ter. Mas experiências que vivemos atualmente mostram que isso não é verdade, a corrupção é mais forte do que a capacidade da burocracia de enfrentá-la.

Então, acaba só ficando o lado negativo da burocracia. Porque ela tem um lado positivo: pressupõe a profissionalização da gestão, o estabelecimento de regras que precisam ter, e é também da burocracia um conceito fundamental que é o da meritocracia.

O foco nos resultados, como todo mundo fala, seria a saída para a desburocratização?

Aí o instrumento de contrato de gestão é importante, porque é a maneira que você tem de estabelecer quais são os resultados que você quer alcançar. O mecanismos de contrato de gestão combina elementos de resultados e de flexibilização da gestão. É um instrumento contratual entre partes ao redor de um objeto, e esse objeto são os resultados. Preciso alcançar o resultado tal, mas para isso preciso de algum grau de autonomia. Preciso flexibilizar um pouco a gestão, preciso dar um pouco mais de autonomia para o gestor para que ele possa se comprometer com os resultados. O problema é que o espaço de flexibilização é limitado por essa rigidez do sistema jurídico legal vigente no país.  

A tendência é que a gente faça a revisão dessas leis…

Há iniciativas interessantes. O Ministério do Planejamento já vem, nos últimos anos, trabalhando a proposição de um novo ordenamento jurídico para a própria organização administrativa brasileira que é muito antiga. Tem até uma proposta organizada por notáveis juristas para revisão da lei orgânica da administração pública federal.

Todo o sistema de gestão de controle está muito mais voltado para a conformidade normativa, quer dizer, se o gestor atingiu o strictus sensus do princípio da legalidade, do que se alcançou o não os resultados. Não estou propondo o descumprimento disso, mas a administração pública, o ministério, não existe para isso, existe para alcançar resultados.

Talvez devêssemos criar no país uma Lei de Responsabilidade Gerencial, não temos a Lei de Responsabilidade Fiscal, que pegou? Que transcendeu ideologias, que nada mais é do que gastar exatamente o que se ganha? Meu sonho de consumo como cidadão é agora que se votasse uma Lei de Responsabilidade Gerencial. Ou seja, o gestor que assumir a administração pública tivesse um período para apresentar qual seu plano de resultados de desenvolvimento para o país, e ele será cobrado não só quanto ao que gastou de acordo com que arrecadou, como também se alcançou as metas que propôs. Afinal foi eleito para isso, não só para seguir o princípio da legalidade.

Luis Nassif

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