Justiça do Trabalho, economia e dumping social

Fico bastante preocupado quando leio textos como o que foi publicado no website Jus Navigandi exigindo o fim da Justiça do Trabalho  http://jus.com.br/artigos/28529/pelo-fim-da-justica-do-trabalho .

 

O predomínio do capital já é avassalador mesmo com a existência da Justiça do Trabalho. Prova disto é a avalanche de processos que atolam as Varas do Trabalho e os TRTs porque os empregadores se recusam a cumprir suas obrigações trabalhistas. O que seria da economia brasileira se a Justiça do Trabalho fosse extinta?

 

Há países em que os trabalhadores  não tem qualquer proteção trabalhistas. As taxas de crescimento deles geralmente são maiores que as do Brasil. O custo humanitário desta maior eficiência econômica nunca é levado em conta pelos defensores da extinção da Justiça do Trabalho.

 

A economia do país não deve visar apenas crescimento da produção de bens de consumo, o aumento da produtividade dos empregados, a maximização dos lucros dos empresários. Exportar ou morrer, dizem os ideólogos do capitalismo predatório. Amém! – respondem alguns advogados acreditando que se pode fazer isto revogando a CLT e desmantelando a Justiça do Trabalho. A finalidade da economia é proporcionar bem estar às pessoas, inclusive àquelas que desgastam suas vidas operando as máquinas que produzem as coisas que serão comercializadas.

 

Os defensores da desregulamentação trabalhista e da destruição da Justiça do Trabalho partem de um mito: o de que o crescimento econômico é bem em si mesmo que deve ser alcançado a qualquer custo. Mito este que já na década de 1970 vinha sendo questionado por economistas como E. J. Michan, que é bastante eloqüente:

 

“…as fontes principais de bem-estar não são encontradas em crescimento econômico per se, mas em uma forma mais seletiva de desenvolvimento que deve incluir uma radical remodelação de nosso ambiente físico na qual se tenha principalmente em mente as necessidades de vida aprazível e não as necessidades de tráfego e indústria.” (DESENVOLVIMENTO A QUE PREÇO?, editora Ibrasa, 1976, p. 32)

 

O condicionamento intelectual que leva alguns a não ver os benefícios da regulamentação do trabalho e a existência da Justiça do Trabalho é evidente. Como afirma o referido economista britânico:

 

“O público, durante muito tempo condicionado por seus jornais, não tem a menor dúvida de que precisamos exportar para sobreviver. Se conseguimos sobreviver durante tanto tempo sem exportar o suficiente para ‘equilibrar nosso orçamento no mundo’, presumivelmente isto aconteceu porque o mundo foi complacente conosco até agora. A transição de mentalidade de exportação para mercantilismo é, porém, rápida e fácil. Não é incomum grandes pedidos de exportação,  obtidos ou perdidos, ocuparem a primeira página dos jornais. Aparentemente, mercadorias exportadas emitem um odor de santidade negado às mercadorias comuns ou hortigranjeiras que ficam para ser consumidas no interior do país. Persiste a impressão de que por meio das exportações amontoamos reservas de forças econômicas juntamente com divisas estrangeiras e que, importando, nós dissipamos.” (DESENVOLVIMENTO A QUE PREÇO?, editora Ibrasa, 1976, p. 45/46)

 

Um pouco mais adiante como E. J. Michan mostra a diferença que existe entre economia e sua representação jornalística vulgar:

 

“O economista treinado, porém, tem presente em sua mente a noção de uma quantidade ‘ideal’ ou fluxo de coisas ‘ideal’. O volume ideal de comércio seria o exatamente certo (em um sentido a ser indicado mais tarde), mais ou menos do qual deve ser evitado. Embora este conceito seja bastante direto, como veremos, devido a um ambiente econômico amplamente volátil é praticamente impossível medir esse volume ideal de comércio exterior com pretensão a qualquer coisa que se aproxime de exatidão. Apesar de tudo isso, a noção de um volume ideal de comércio como meta a ser atingida poderia com vantagem substituir o atual ponto de vista mercantilista predominante entre os homens de negócio, jornalista e políticos.  Aumentaria sua receptividade à possibilidade, probabilidade mesmo, de ser grande demais o volume de nosso comércio exterior; de ficarmos mais confortáveis com um volume de comércio menor.” (DENVOLVIMENTO A QUE PREÇO?, editora Ibrasa, 1976, p. 46)

 

A conclusão é evidente. Crescer mais, produzir mais, exportar mais, reduzir os custos (ou praticar dumping social) são alternativas, mas podem não ser a melhor coisa a fazer num determinado momento da história econômica de um país. E. J. Michan é absolutamente categórico:

 

“Não há ‘coisas obrigatórias’ em comércio internacional, como de fato não há no terreno da economia política. Slogans como exportar ou perecer são uma forma enganosa de retórica. A economia interessa-se, inter alia, pela investigação das implicações de escolhas alternativas que estão abertas a nós. E se homens presumivelmente honestos nos falam como se de fato não existisse escolha, fazem-no  na ignorância das oportunidades que nos estão abertas ou então na convicção – que de vez em quanto, pelo menos, deveria ser tornada explicita – de que devemos concordar com eles e rejeitar todas as alternativas mesmo que as conheçamos.”  (DESENVOLVIMENTO A QUE PREÇO?, editora Ibrasa, 1976, p. 47)

 

Apesar da retórica dos jornalistas econômicos e dos advogados que se deixam influenciar pelos mitos que os jornais divulgam diariamente, rebaixar os padrões das relações do trabalho no Brasil e desmantelar a Justiça do Trabalho não é um imperativo categórico imposto pela ciência econômica. Isto é apenas uma escolha, uma escolha que não leva em conta o bem estar da população em geral, o qual por sua vez é um objeto de preocupação dos cientistas que se devotam à economia política. Ao contrário dos jornalistas, os economistas são capazes de admitir que produzir menos, exportar menos e crescer menos também  são alternativas político/econômicas perfeitamente racionais  ou necessárias num determinado contexto histórico, como E. J. Michan já afirmava na década de 1970.

 

Entre os mitos que sugerem a inevitabilidade de praticar dumping social para poder exportar mais, crescer mais e maximizar os lucros, está o “potencial de crescimento” do Brasil. O desmantelamento da Justiça do Trabalho seria indispensável porque a mesma estaria limitando ou reduzindo nosso “potencial de crescimento”. Já na década de 1970 o economista britânico citado havia notado que:

 

“Uma expressão simples como ‘potencial de crescimento’ é carregada de compulsão: sugere que há desperdício sempre que deixamos, como inevitavelmente fazemos, de realizar esse crescimento potencial. É uma expressão apropriada à visão tecnocrática das coisas, que encara o país como uma espécie de vasta  casa de força, na qual cada homem ou mulher adulto é uma unidade potencial de energia a ser ligada a um sistema gerador do qual flui essa coisa vital chamada produção industrial. E uma vez que essa escolha pode ser medida estatisticamente como PIB (Produto Interno Bruto), segue-se que quanto mais melhor. Considerados como casas de força para produção do PIB, certos países parecem ter desempenho melhor que a Grã-Bretanha [ou que o Brasil]. É obvio que, portanto, que devemos fazer todo esforço para alcançá-los. Além disso, outros países usam mais engenheiros e mais doutores em Filosofia por milhão de habitantes do que nós. Para continuar, a produção de aço poderia, se nos esforçássemos o suficiente, aumentar para z milhões de toneladas em 1970 [ou em 2015], tanto per capita quanto os Estados Unidos têm agora. Em conseqüência, precisamos expandir a capacidade siderúrgica a por cento ao ano. Também, a fim de que toda família na Grã-Bretanha [ou Brasil] tenha seu carro, em 1975 [ou em 2015] , precisamos expandir a indústria automobilística a  por cento ao ano. Com tais ‘necessidades da indústria’ para serem atendidas, precisaremos mais transporte comercial e, portanto, mais importações de combustível. Conseqüentemente precisamos trabalhar mais a fim de pagar coisas de que precisamos. E assim por diante, vamos nós, escorregando de escolhas implícitas para imperativos explícitos.” (DESENVOLVIMENTO A QUE PREÇO?, editora Ibrasa, 1976, p. 39)

 

O autor do texto “Pelo Fim da Justiça do Trabalho” também escorrega de escolhas implícitas para imperativos explícitos. É isto que ocorre quando jornalistas e advogados procuram soluções econômicas sem se dar ao trabalho de estudar economia, ciência que vai além dos mitos neocapitalitas divulgados pelos jornais e telejornais. Ontem mesmo, o Jornal da Gazeta divulgou um destes mitos ao noticiar a queda na produção de carros, fato que o comentarista econômico do telejornal creditou ao desanimo dos consumidores que não querem comprar carros em razão da situação econômica do país.

 

Do jeito que o telejornalista noticiou o fato, ficou parecendo que estamos à beira de um colapso (apesar taxa de desemprego no Brasil ser a mais baixa dos últimos 20 anos). Nem ocorreu ao suposto especialista em economia que o problema decorre do excesso de produção de veículos e da redução das importações de automóveis brasileiros. Além disto, o comentarista do Jornal da Gazeta (que costumo chamar de Paulo Fancis genérico, pois é evidente que ele tenta imitar o falecido comentarista da Rede Globo) se mostra muito ignorante, pois é incapaz de ver os benefícios econômicos marginais decorrentes da redução da produção de carros: em razão das férias coletivas dadas pelas montadoras aos seus empregados haverá mais energia elétrica e água à disposição dos outros industriais; o não aumento do número de carros rodando nas ruas significará uma não piora do trânsito e a diminuição do ritmo de crescimento do consumo de combustível e da poluição atmosférica (fenômeno que beneficiará a saúde de todos, inclusive dos jornalistas econômicos, levando o SUS gastar  menos dinheiro com cuidados médicos das vítimas da poluição),  etc…

 

A prática de dumping social por alguns países não o transforma numa escolha obrigatória para o Brasil. Muito pelo contrário, ao invés de rebaixar os padrões de suas relações de trabalho e destruir a Justiça do Trabalho, nosso país pode e deve conservá-los e lutar para que o dumping social seja abandonado onde tem sido praticado. 

 

O bem estar da população brasileira é algo que devemos preservar e, se possível ampliar, pois é isto que a economia política almeja. O bem estar das populações super-exploradas nos países que crescem mais e exportam mais (maximizando os lucros dos seus empresários à custa do sofrimento dos seus trabalhadores) pode ser transformado numa cláusula limitadora de importações capaz de proteger nosso mercado e elevar os padrões das relações de trabalho nos países que praticam dumping social? Ao invés de destruir nossa Justiça do Trabalho porque não estimular os nossos concorrentes a criar Justiças semelhantes para proteger seus trabalhadores do dumping social que tem praticado? As alternativas são muitas, não estamos obrigados a desregulamentar nossas relações de trabalho ou destruir nossa Justiça do Trabalho. De fato, creio que o melhor a fazer neste momento é ampliá-la e melhorá-la para que ela sirva de um modelo a ser exportado pelo Brasil. 

Fábio de Oliveira Ribeiro

8 Comentários

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  1. Tudo bem que esse é um país

    Tudo bem que esse é um país de analfabetismo funcional, que foi irremediavelmente estendido ao bacharelismo depois dessa história de uma faculdade de Direito por esquina. Mas isso aí é mais um texto confuso nos moldes do clássico “Luta Pelo Direito” do Jhering, no sentido de defender o ordenamento, o Direito como ferramenta social. O negócio abre com o aviso:

     

    “Para muitos desavisados este pequeno ensaio visa a justificar o fim, a extinção da justiça do trabalho. É comum, muito comum lermos apenas e tão-somente o título das manchetes e comentarmos depois o conteúdo desconhecido do texto.(…)”

     

    Traduzindo: para os desavisados que não lêem o texto, vão achar que é sobre a extinção, porque aqui é comum comentar sem ler o conteúdo.

     

    E ainda tem a epígrafe: 

     

    “Fala dos PROPÓSITOS da justiça do trabalho no Brasil.”

     

    Depois explica que a FINALIDADE (fim) da JT é:

     

    “É por tudo isso, pelos FINS da justiça do trabalho, que o fim da justiça do trabalho está, dia a dia, mais distante. O que precisa ser feito, contudo, é uma maior aproximação da estrutura judiciária laboral da sociedade (…)”

    “Assim, como a justiça do trabalho tem dupla FINALIDADE, protetora da ordem econômica e empresarial presente, como aparelho repressivo do estado e de distribuidora e garantidora de dieitos sociais aos trabalhadores, (…)

     

    E provavelmente faz trocadilho com a ironia entre a finalidade e o desejo de fim, que não dá para entender muito bem:

     

    “(…) aquilo que para muitos seria o ideal, o fim da justiça do trabalho não ocorrerá.”

     

    Enfim um texto cheio de poesia, bonito pela forma, criativo como o concretismo no seu jogo de palavras. Mas que é tão difícil de interpretar que não leva a discussão a lugar algum. Em uma sala com 100 leitores, 50 vão achar que é pela finalização, 50 vão achar que é pela finalidade, e ninguém vai andar para a frente no conteúdo.

    Esse site aí é um negócio muito autoral. Assim como aquele Conjur, não tem um filtro editorial que dê para confiar e usar na prática profissional. Mas ao menos nesse aí não há toda aquela maquiagem publicitária, e cada um publica o que quiser, o que é até bonito porque é democrático. 

    Infelizmente o Brasil não tem mais um bom mercado editorial jurídico. Todo mundo acha que precisamos sair do texto estritamente técnico (que teve a credibilidade contaminada pelo pessoal com espírito de Rolando Lero, rococó, utilizadores de palavras que estão falecidas no dicionário), mas nada de útil e com força para criar consenso é publicado nesses artigos genéricos.

    Textos opinativos confiáveis estão em algumas teses arquivadas na biblioteca da USP, outras poucas das federais do Sul e do Nordeste, e em raríssimas revistas de artigos bem revisados, como as RTs, a Revista de Processo, a Revista de Direito Civil. Quando o Comparato disse que o futuro do Direito era ser discutido em artigos, em vez de livros, porque ninguém tem mais tempo disponível, foi a única coisa que depois eu consegui ver que ele errou bastante. Uma pena.

    1. Concordo contigo

      O texto parece ser irônico. Só posso entender assim, ainda mais vindo de um juiz do trabalho. Dizer que a JT é “aparelho repressivo do Estado”, realmente…

      E.T.: só não concordo contigo em relação ao Comparato. Penso que ele acertou. Atualmente é isso mesmo: o Direito está sendo discutido por artigos, na Internet…

      Com todos os defeitos que essa “discussão por artigos” possa ter, ao menos as teorias são mais acessiveis à maioria das pessoas, leigas ou não. 

      Muitas vezes, o leigo pode trazer elementos que os técnicos ou acadêmicos sequer cogitaram. Por isso que é interessante, como ocorre no referido site, a possibilidade de comentários pelos internautas.

  2. Na minha opinião de

    leigo, a Justiça do Trabalho deveria dividir o lado capital em dois grupos: aquele que errou uma vez, se propõe a corrigir seus erros e comprova a correção, e aquele grupo teimoso, que insiste em continuar práticas condenáveis.

    Para esse segundo grupo uma multazinha de 200% ou mais sobre a indenização á qual tiver sido condenado cai bem.

    Suponho que, quem estiver neste segundo grupo vai aprender rapidamente (e, claro, de maneira bem cara) que não deve prosseguir nas suas falcatruas. E vai tratar de passar para o primeiro grupo rapidinho.

    Talvez parece ingênuo, mas quando o bolso dói, se aprende muito rapidamente.

    A propósito, não existe propriamente multa para empresa que perde constantemente na Justiça do Trabalho. 

  3. http://trt-5.jusbrasil.com.br

    http://trt-5.jusbrasil.com.br/noticias/100022073/aprovada-proposta-orcamentaria-da-justica-do-trabalho-para-2013

    A Justiça do Trabalho do Brasil é a mais cara Justiça do mundo, há um Tribunal para cada Estado, inclusive para Roraima, que tem poucos processos, todos com Desembargadores do Trabalho e seus Chefes de Gabinete, motoristas 24 horas, carros de luxo, predios magnificos, o de SP (comprado pelo Juiz Nocolau) tem 30 andares, tudo extremamente custuso,

    o Estado de São Paulo tem dois tribunais, prquenas cidades com 70.000 habitantes tem Varas do Trabalho, com dois juizes, diretor do cartorio, salarios altissimos , igual em SP ou no interior do Acre, em torno de 20 mil por mês, 340.000

    advogados trabalhistas e 14.000 sindicatos vivendo dos 17 milhões de processos circulando, quase sempre quem é despedido, não importa se receba todos os direitos, entra com processo, estimulado por advigados e sindicatos, para descolar mais algum.

    A CONSEQUENCIA : Protege-se UMA PARTE dos empregados MAS HÁ UM GRANDE DESESTIMULO para as empresas criarem novos empregos, as grandes empresas preferem as terceirizações, as pequenas pensam dez vezes antes de contratar um futuro problema, as leis trabalhistas estão cada vez mais complexas, arriscadas (para as empresas) mas isso não é tudo. O Tribunal Superior do Trabalho CRIA SUMULAS, na realidade são regras novas aumentando direitos e riscos para as empreas, sem se importar com os efeitos sobre a economia, CADA VEZ MAIS TRAVADA pela lei trabalhista.

    Hoje uma empresa nova já nasce cercada de inimigos por todos os lados, os tres Fiscos, o imenso aparato da legislação trabalhista, a empresa é uma caça visada por predadores, é EVIDENTE que tudo isso trava o crescimento.

    AS TRES MAIORES ECONOMIAS DO MUNDO NÃO TEM LEIS TRABALHISTAS: EUA, CHINA E JAPÃO.

    ,

  4. As bobagens conservadoras

    As bobagens conservadoras sobre a justiça  e o direito do trabalho são todas, todas desmontadas – afinal, bobagens são – nos textos de Adalberto Moreira Cardoso. Textos baseados em pesquisa; em ideologia rasteira, não.

    Amadeo, Caroni e Camargo, por exemplo, são atropelados literalmente…

    O autor chega a usar a expressão: “se o argumeto fizesse algum sentido”, rsrsr…

    Em um texto acadêmico e publicado em revistas científicas todos sabem o que isso significa…

    Lamentável, mais uma vez, é a mouquice dos meios de comunicação que escalam “setoristas” pra falar do assunto…

    Fica a referência pra quem interessar possa.

  5. contratualistas

    existem no mundo jurídico uns fósseis vivos que sustentam uma tese do século 19 de que a relação capital-trabalho é meramente contratual. são os liberais à tocqueville … ainda.

    todavia, aquela relação não adimite, no mundo atual, tal simplificação porque, por trás do trabalho, do trabalhador, existe o interesse social da família; dos filhos e o bem estar social, valor este prioritário na atual constituição federal.

    se a coisa se resumisse a contrato, bastaria o código civil como era no início do século 20.

    o tempo mudou as sociedades, mas não as rochas.

     

  6. “Morte e vida JT”

    Fabio,

    Não é de hoje que a mídia, apoiada em correntes trabalhistas conservadoras (o inverso também é verdadeiro), faz campanha para acabar com a CLT e a Justiça do Trabalho.

    Para ficar num exemplo relativamente recente, a Economist publicou a seguinte matéria (provavemente apoiada no que é publicado por nossa “grande mídia” – igualzinho a Copa, não é?): http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/03/110310_economist_legislacao_mdb_pu.shtml (“Leis trabalhistas do Brasil são arcaicas e contraproducentes, diz ‘Economist'”)

    Se não me falha a memória essa reportagem, na época, foi objeto de um post, aqui no LN Online. Praticamente resume tudo o que nossos meios de comunicação liberais repetem à exaustão (no tempo do FHC quase “fecharam” a Justiça do Trabalho). Porém, não resiste à supercial análise.

    Como o pretenso “fim da JT” também passa pela “morte da CLT”, creio que seja interessante relembrar alguns pontos.

    Dizer que CLT seria “arcaica” não tem fundamento. Já foi alterada, modernizada, incontáveis vezes; isso considerando somente seus próprios artigos, pois, se levarmos em conta a legislação trabalhista complementar, constataremos que a alteração foi ainda maior. Então, ao contrário, nossa legislação trabalhista é dinâmica. Não poderia ser diferente, pois a relação de emprego é dinâmica e se altera com frequência.

    Existem vários dispositivos na CLT, eu diria, ultramodernos, mas, são mal utilizados pelo próprio empresariado.

    A possibilidade de custear educação do trabalhador (art. 458) é exemplo. Se bem utilizado, poderia ajudar o trabalhador em seu desenvolvimento pessoal e profissional, além do próprio empregador, que economizaria encargos. O que ocorre na prática? O salário do empregado é mil reais; o empregador quer pagar R$ 700,00 de salário-educação, para fugir de encargos trabalhistas, e R$ 300,00 de salário normal. Esse tipo de contratação, por exemplo, é anulada na JT porque se trata de fraude.O salário deve se prestar a garantir necessidades básicas do trabalhador, por isso tem natureza alimentar. Fosse o inverso, no exemplo dado, seria até razoável. Na prática, insisto, prevalece a fraude.

    A CLT prevê direitos mínimos. A maioria de nossos sindicatos não tem força para negociar, a contento, com os patrões. Também não convence o argumento de que no Brasil “prevaleceria o legislado”, como consta da referida reportagem. A CF/88 atenuou princípios trabalhistas básicos, permitindo negociação coletiva até para reduzir salários, jornada de trabalho, etc. Há limites para a negociação coletiva, sim, o que está correto diante da atual estrutura sindical, que é frágil.

    A crítica que se fazia, pelo próprio movimento sindical, era a de que a CLT seria “varguista”, no sentido fascista do termo, mas, por motivos diversos do que se apregoa atualmente: a tese de Vargas foi traduzida na CLT apenas em meia dúzia de artigos, engessando os sindicatos para que fossem comandados (cooptados, como se costuma dizer). Essa, pois, a crítica que se fazia à CLT. Esse seria o seu “varguismo”. No entanto, correntes conservadoras, a maioria midiática, já trataram logo de transformar essa crítica sindical em um modo de minar a proteção dos trabalhadores. Daí a dizer que a CLT inteira seria um “atraso” foi um pulo…

    A legislação trabalhista não é rígida. O que não pode ser negociado são direitos fundamentais.

    As teses midiáticas que apregovam o fim da JT, da CLT, normalmente eram baseadas na seguinte falácia: a legislação trabalhita seria entrave ao crescimento econômico. Creio que o Governo Lula sepultou essa conversa.

    O que gera crescimento econômico, emprego e, por consequência, consumo – num círculo virtuoso: crescimento outra vez – é investimento em infraestrutura, aumento de consumo interno, investimento em educação e formação do trabalhador, inovação, entre tantos outros fatores. O fim da legislação estatal trabalhista não vai gerar mais emprego nem aumentar a produção. Nos últimos nove, dez anos, com o aquecimento da economia brasileira, o emprego formal aumentou exponencialmente. A legislação trabalhista continuou a mesma. Então, o “problema” não está nela…

    Eliminar a legislação trabalhista estatal, substituindo-a pela negociação coletiva – como querem alguns; como se tivéssemos estrutura sindical “fortíssima”… – não vai gerar mais emprego. Aliás, nem irá aliviar empresários do “custo trabalhista”. É capaz de aumentar!

    É tão certo, quanto dois mais dois são quatro, que os direitos violados, sem legislação que os proteja, serão objeto de ações envolvendo indenizações por responsabilidade civil. Imaginem o exemplo em que o empregado labore em jornada exaustiva…

    A existência da Justiça do Trabalho é importantíssima ao equilíbrio do capital x trabalho, no Brasil. Basta se observar a quantidade de ações trabalhistas intentadas diariamente. São milhares. Será que todos esses trabalhadores inventaram esses pedidos?

    Grande parte das ações trabalhistas envolve outro problema: a cultura do empresariado brasileiro em desvirtuar institutos jurídicos para gerar mais lucro. É o caso das cooperativas. Não maioria dos casos, o trabalhador cooperado é “empregado disfarçado”. Ou seja, de cooperado não tem nada. Deveria ser autônomo, mas, na prática é o mesmo subordinado de sempre. Esse tipo de contratação é utilizada, não para criar cooperativa de fato e de direito, mas, para mascarar direitos trabalhistas. O mesmo se diz para o famigerado “PJ”, o trabalho “autônomo”, mais recentemente trabalho mediante home office (teletrabalho), que também está sendo utilizado para fugir de encargos trabalhistas.

    Toda vez que se cria um instituto novo…lá vão eles novamente desvirtuá-lo. As Comissões de Conciliação Prévia, que, se corretamente utilizadas, ajudariam a todos, na prática tornou-se instrumento para renúncia de direitos dos trabalhadores. Resultado: outro instituto morto e sepultado. Está lá, na CLT. Mas, ninguém utiliza mais.

    A Justiça do Trabalho continua mais viva do que nunca. Ainda mais atualmente em que outras demandas têm surgido: dano existencial, violação do direito ao lazer, responsabilidade civil por doenças e acidentes do trabalho, entre outras.

     

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