Mais sobre as irregularidades do Ecad

por foo

Do O Globo

Documentos revelam novas irregularidades no Ecad

RIO – Um exame dos últimos sete anos de gestão do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) revela um quadro de descontrole administrativo na entidade que recolhe e paga os direitos autorais dos músicos do país. Entre 2004 e 2011, o escritório colecionou casos de manobra contábil para transformar déficit em superávit, de maquiagem de previsões de arrecadação para elevar a premiação dos gestores, de envolvimento de funcionários em golpes financeiros, de quebra de contratos e de substituição de auditoria externa em pleno exercício fiscal.

O cruzamento de documentos internos com atas de assembleias gerais detalha o funcionamento do órgão que arrecadou R$ 433 milhões só no ano passado. Esta semana, oSenado aprovou a instalação de uma CPI para apurar a denúncia feita pelo GLOBO de que o Ecad pagou R$ 127,8 mil a um falso compositor, que se fez passar por Milton Coitinho dos Santos, um motorista de Bagé (RS). O painel de trapalhadas no Ecad, com quase um caso por ano, começa com a conversão do dinheiro recolhido pela entidade e destinado ao pagamento dos músicos em receita operacional do próprio escritório, para tirar suas contas do vermelho.

 

Em 29 de abril de 2004, durante a 294ª assembleia geral do Ecad, decidiu-se que um total de R$ R$ 1.140.198, que constava no sistema do escritório há cinco anos como crédito retido, seria utilizado para “abater o déficit operacional” da entidade.

Crédito retido é o nome dado internamente ao dinheiro que o Ecad arrecada e não consegue repassar aos artistas por não saber identificar corretamente seu destinatário. Segundo o regulamento do escritório e de diversas instituições homólogas em outros país, depois de cinco anos, o crédito retido deve ser integralmente distribuído entre todos os artistas associados. Em 2004, no entanto, a assembleia geral das nove associações que compõem seu colegiado preferiu transformar o dinheiro dos músicos em receita. Com isso, o Ecad publicou um superávit de R$ 444 mil em vez de um déficit de cerca de R$ 700 mil.

A medida encontrou a rejeição de dois dirigentes da Sociedade Brasileira de Administração e Proteção dos Direitos Intelectuais (Socinpro), uma das nove associações. Na ata de número 295, os dirigentes Silvio Cesar e Jorge Costa acusam o Ecad de praticar um “ilícito civil e criminal” ao aprovar a conversão e ameaçam divulgar nos meios de comunicação que o escritório está “utilizando o crédito do compositor, do artista, do músico e dos demais titulares para pagar déficit operacional”. Sua queixa não surte efeito, e as demais associações mantêm sua posição favorável à medida.

No mesmo dia, a assembleia geral aprova também um plano de reajuste salarial de 6% para seus funcionários. O objetivo, segundo consta na ata 294, era “minimizar a diferença existente entre os salários pagos pelo Ecad e o mercado de trabalho, principalmente no que se refere aos níveis 8 em diante”. Estão enquadrados nesses níveis todos os cargos gerenciais do escritório.

Falsos bailes no carnaval de 2006

Em 2006, uma família de São Paulo de sobrenome Macedo teria tentado fraudar o sistema de distribuição do Ecad. O caso provocou a demissão de 31 funcionários do escritório paulista, 17 por justa causa, e levou à extinção do Núcleo de Coleta de Dados do Carnaval, que funcionava na capital paulista e monitorava as comemorações em todo o país.

No suposto golpe, Joselito Ribeiro de Macedo, o “Astro da Sanfona”, e outros 13 integrantes de sua família informaram ao Ecad que haviam promovido bailes de carnaval em que só tinham sido executadas músicas de sua própria autoria. A manipulação das planilhas de execução – que teria contado com o apoio de fiscais do escritório – elevou a pontuação do repertório dos Macedo no cálculo de rateio dos direitos autorais recolhidos.

2008: golpe nos vales-refeição

No dia 8 de agosto de 2008, a 10ª Delegacia de Polícia, em Botafogo, abriu um inquérito para investigar o envolvimento de Alessandra das Mercês Borgi, funcionária do Departamento Pessoal do Ecad, num caso de estelionato. Dias antes, ela fora demitida por justa causa do Ecad, sob a acusação de aplicar um golpe de R$ 750 mil.

Alessandra, que até então era responsável pela solicitação e emissão de vales-refeição e alimentação para os funcionários do Ecad, teria pedido esses benefícios à instituição financeira que geria o serviço sem o conhecimento de diversos favorecidos, alguns deles, inclusive, trabalhadores já demitidos do escritório. Em vez de entregá-los aos trabalhadores, teria embolsado todo o valor.

O golpe de Alessandra, que teria agido durante um período de tempo ainda desconhecido, desfalcou em R$ 750 mil a receita operacional do escritório – para se manter, o Ecad retém 17,5% de todos os direitos autorais que arrecada. A verba recebe o nome de receita operacional, e o Ecad chegou a pedir ressarcimento à instituição financeira que acolheu os pedidos de Alessandra, mas o pleito foi negado, segundo o escritório.

O inquérito está em andamento, e Alessandra, segundo sua advogada, encontra-se incomunicável.

Em 2009, Ecad trocou auditores

Contratada por decisão da assembleia geral do Ecad realizada em 11 de agosto de 2009, a BDO Trevisan, auditoria com tradição no mercado, teve o trabalho interrompido após divergências com os gestores da entidade. Como faz normalmente em suas auditorias, ela solicitou uma lista de documentos ao escritório depois de conhecer as suas rotinas. Em vez de atender o pedido, que incluía contratos com empresas tercerizadas e o detalhamento dos sistemas de arrecadação e distribuição dos direitos autorais, a direção da entidade preferiu defender, na assembleia do colegiado, a substituição da Trevisan por outra auditoria.

Foi assim que, cerca de dois meses depois de tentar analisar e validar as contas do Ecad, a Trevisan foi substituída pela Martinelli, cujo trabalho teve um alcance restrito. Ela não recebeu os R$ 58 mil que ficaram registrados na ata 359 da assembleia do Ecad, mas uma indenização por rescisão de contrato.

Na ata 363, que registra a troca de auditores, não consta nenhuma explicação para a substituição no meio do processo.

Ouvido pelo GLOBO, Clóvis Ferreira Júnior, gerente comercial da Martinelli, disse que nada do que fora apurado pela Trevisan, antes da dispensa, foi aproveitado. A própria superintendente do Ecad, Glória Braga, admitiu que o trabalhou ficou restrito à análise dos números do balanço, sem entrar nos processos internos do escritório.

Em entrevista, Glória teve dificuldades para lembrar o nome da última empresa a auditar as contas do Ecad, uma entidade que, só no ano passado, arrecadou R$ 433 milhões em direitos autorais. A ajuda dos repórteres encerrou o constrangimento: foi a desconhecida Directa.

Ecad: Jards Macalé e Antonio Adolfo comentam as denúncias

Rio – Em meio às denúncias de descontrole administrativo que, há um mês, rondam o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), dois compositores de peso resolveram pedir a palavra. Em comum, Jards Macalé e Antonio Adolfo têm a visão de que a entidade que recolhe e paga os direitos autorais de todos os músicos do país e que, só em 2010, arrecadou R$ 433 milhões precisa ser saneada, mas não extinta. Apostam ainda que a fiscalização do órgão deve ser feita pelos próprios músicos e que o governo deve assistir a tudo isso bem de longe. Ontem, o GLOBO denunciou uma série de irregularidades no Ecad – de déficit que vira superávit a bailes de carnaval em que são tocadas apenas músicas de um compositor, passando por vales-refeição emitidos em nome de funcionários já demitidos e embolsados por terceiros.

Sentado na sala de sua casa, Jards Macalé sobe o tom quando comenta a situação. Deixa entrever uma mágoa com a falta de transparência que, segundo ele, vigora no sistema que ajudou a montar. Na década de 1970, Macalé foi um dos pilares da constituição da Sombrás, associação de músicos que hoje compõe a assembleia geral do Ecad ao lado de outras oito, agora com o nome de Amar Sombrás.

– O que falta nessa história é aquela velha pergunta do Noel Rosa: “Onde está a honestidade?” – diz o compositor, incomodado no sofá. – As pessoas estão roubando descaradamente, sujando até meu sobrenome.

Excesso de sociedades

Macalé, assim como a família mineira que está sendo auditada pelo Ecad por ter registrado como sendo suas mais de 600 músicas homônimas a grandes hits nacionais, também tem sobrenome Silva.

– Quer ver coisa pior do que você lutar para criar um negócio e ver esse negócio virar bagunça? Ver seu dinheiro sendo levado? – questiona. – Mas não quero o fim do Ecad. Quero só que ele seja limpo. E a limpeza não é uma questão do Ministério da Cultura (MinC), mas de Polícia Federal, Ministério Público…

Macalé critica também o que classifca como um excesso de sociedades arrecadadoras correndo atrás de um mesmo direito.

– Em países onde as questões autorais são levadas a sério, existem duas sociedades para as pessoas poderem escolher entre uma ou outra. No Brasil são nove! Um é pouco, dois é bom, mais que isso é demais – acredita.

Perguntado sobre o tamanho do problema gerado pelo Ecad em seu bolso, Macalé ri:

– Leio no jornal esses negócios de milhões para lá, bilhões para cá, com Microsoft, Google, Twitter, em transações que, na verdade, vendem conteúdo. Esse conteúdo somos nós – enfatizou. – Quem paga esse direito autoral?

Com sua crítica, Macalé não pretende pôr rédeas à internet – e ainda confessa que aprendeu a tocar “Corcovado” vendo João Gilberto no YouTube.

– Mas não estou achando saudável a forma como a discussão sobre direito autoral está se dando. Acho que só tem que disponibilizar sua obra na internet quem quiser – pondera.

Se estivesse ao lado de Macalé, Antonio Adolfo teria balançado a cabeça em concordância com ele inúmeras vezes.

Por telefone, de Miami, o compositor que se destacou na música nacional como um dos primeiros do país a lançar um disco independente dispara:

– Não se pode obrigar ninguém a se filiar a uma associação para receber seu dinheiro. Mas se nós, músicos, não nos associamos a uma das nove que compõem o Ecad, não recebemos pela execução pública de nossos trabalhos. Como fica isso? É um absurdo.

Adolfo, que divide seu tempo entre as escolas de música que fundou no Rio e em Miami, ainda aposta no sistema de arrecadação e distribuição brasileiro. Acha que ele ainda tem tudo para dar certo e confia na gestão coletiva.

– A falta de fiscalização, no entanto, deteriora tudo e facilita o trânsito dos que nos surrupiam o pouco que conseguimos. Podem mudar as leis, os personagens, tudo isso… Mas, se não houver fiscalização, continuará tudo igual.

Há semanas paira sobre o Ecad e músicos brasileiros o fantasma de uma possível fiscalização governamental. O MinC já se posicionou favorável a uma supervisão da entidade. O assunto aparece até no projeto de lei que o ministério enviará ao Congresso até a metade do ano. Nem Macalé nem Adolfo admiram a ideia. Na verdade, entortam o nariz.

– O problema é que as associações de músicos não mostram competência suficiente para fiscalizar o Ecad e dão espaço para essa conversa de que outros órgãos deveriam fazer esse serviço. Aí vem o governo – explica Adolfo. – Não descarto a intervenção pontual dos órgãos públicos, mas isso só deve acontecer quando for requerido pelos músicos.

Se Macalé estivesse ao seu lado, teria assentido com a cabeça em concordância na hora.

Do G1

Diretora do Ministério da Cultura defende ‘supervisão estatal’ ao Ecad

Para diretora de direitos intelectuais do Ministério da Cultura, seria ideal que um órgão vinculado ao governo monitorasse a atuação do órgão sem, no entanto, interferir na gestão.

A diretora de direitos intelectuais do Ministério da Cultura, Márcia Regina Barbosa, defendeu, em entrevista ao G1, “supervisão estatal” ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), órgão privado responsável pelo recolhimento e pagamento dos direitos autorais pela execução de músicas nacionais e estrangeiras.

Para Márcia Barbosa, seria ideal que um órgão vinculado ao governo monitorasse a atuação do órgão sem, no entanto, interferir na gestão.

O Ecad deve ser alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado. O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) protocolou na semana passada um pedido de CPI, que foi lido no plenário na última terça-feira (17).

A previsão do senador é que a comissão possa ser instalada na semana que vem. Os senadores querem investigar denúncias de que direitos autorais estão sendo pagos para outras pessoas, que não os autores ou descendentes.

Consultado pelo G1, o Ecad disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que uma maior supervisão ao órgão “só beneficia àqueles que não querem pagar direitos autorais e querem controlar as atividades do Ecad e das associações por meio do Ministério da Cultura”.

Márcia Regina Barbosa, do Ministério da Cultura, diz que, antes da década de 90, o Conselho Nacional de Direito Autoral monitorava a atuação do Ecad. O conselho foi criado em 1973 e extinto em 1998. Desde então, segundo ela, o Estado não se envolve na questão dos direitos autorais. Ela explica, porém, que a reforma na lei do direito autoral, em discussão atualmente, prevê que o governo seja um “mediador” na relação entre o Ecad e os artistas.

“O anteprojeto prevê a atuação do Estado como mediador, mas não prevê qual órgão faria isso”, diz a diretora.

Segundo a diretora do ministério, o ideal é que o Ecad tenha “certa fiscalização, atue com alguma forma de supervisão estatal”.

“Intervir a gente não pode, mas a gente pode e deve criar regras e sistemas. Hoje, o direito autoral está dentro da Organização Mundial do Comércio. E somos muito cobrados sobre como os direitos estão sendo administrados. A gente não tem essas informações.”

A diretora diz, no entanto, não ser contra o Ecad. “O sistema tem falhas que têm que ser sanadas. Está sujeito a fraude como qualquer cadastro público. Não se pode imputar que o sistema não é bom. (…) O Estado quer fortalecer a atuação dele (do Ecad), não diminuir. Esse trabalho pode ser em conjunto com o Estado, visando o benefício do autor. Ninguém está aqui para satanizar ou dizer que o que eles fazem está errado. O trabalho do Ecad é fundamental para o autor. Mas é preciso transparência”, declarou Márcia Barbosa.

O senador Randolfe Rodrigues, que protocolou a CPI no Senado, afirmou que é preciso monitorar o Ecad porque o órgão, embora seja privado, “tutela o bem público, que é o direito autoral”.

“Uma instituição que protege o bem público e que arrecadou R$ 430 milhões, mais do que foi gasto pelo Ministério da Cultura em 2010, precisa de fiscalização. (…) Nunca esteve tanto na berlinda a política de direito autoral no Brasil. Esse é o momento que a Cultura não pode desperdiçar. Não podemos ter uma entidade de direito autoral que monopolize a arrecadação e não preste contas a ninguém”, disse o senador

Randolfe Rodrigues afirmou que a CPI pretende, além de investigar denúncias contra o Ecad, “obter um diagnóstico do setor no Brasil e apresentar propostas de melhoria”.

O que diz o Ecad

Em nota, o Ecad informou que “está disponível para prestar quaisquer esclarecimentos sobre o sistema de gestão coletiva de direitos autorais. Vale ressaltar que o Ecad é uma empresa privada, comprovadamente idônea, cujo trabalho é auditado anualmente por empresas independentes de renome no mercado”.

A entidade afirma ainda que já atua com transparência e não há mais necessidade de supervisão estatal. “Toda a nossa atuação é baseada na transparência. Qualquer pessoa pode fiscalizar o Ecad, os artistas fiscalizam por intermédios de suas associações, e o próprio governo faz isso por meio da Receita Federal e do INSS.”

O órgão diz que “a supervisão só interessa aos grandes usuários de musica, como emissoras de rádio, de televisão, e os provedores de serviços de internet. Eles hoje são os maiores inadimplentes, causam grandes prejuízos aos artistas, e essa proposta do Ministério da Cultura só terá finalidade para eles”.

O Ecad também afirma que a Constituição proíbe interferência ou fiscalização do poder público nas atividades de associações.

Para a entidade, o governo poderia contribuir para o fortalecimento do direito autoral fazendo campanhas de conscientização sobre a necessidade do pagamento “para que a população entendesse que o direito autoral é a remuneração do criador pelo uso das suas criações”.

Lei de direitos autorais

Além da previsão de um órgão para supervisionar o Ecad, as mudanças na lei de direitos autorais também trazem, conforme o Ministério da Cultura, mecanismos para favorecer o autor nas negociações com intermediadores, como produtores e editores; previsão de controle da obra no meio digital, com previsão de punição aos provedores; e criar instância administrativa de conciliação, para reduzir o número de processos judiciais relacionados ao direito autoral.

Outra mudança prevista é a liberação da cópia para uso pessoal. Atualmente, é proibido reproduzir uma obra sem autorização, como copiar CDs de música, jogos ou fazer fotocópia de livros.

O tema ainda sem consenso é a isenção de direitos autorais para alguns grupos, como microempresas e entidades religiosas. Atualmente uma academia, por exemplo, paga direitos autorais pelas músicas executadas enquanto os alunos malham. A lei prevê que microempresas que não têm a música como atividade-fim não tenham que pagar direitos. No entanto, isso é contestado por diversos grupos de autores.

O cronograma do Ministério da Cultura prevê que o anteprojeto da lei de direitos autorais seja enviado pela presidente Dilma Rousseff ao Congresso até o segundo semestre deste ano.

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