Notícias de Paris

Da Folha – 13/02/2012

Livro reúne cartas trocadas entre o escultor Victor Brecheret e o escritor Mário de Andrade, ícones do modernismo brasileiro

Acima, foto da obra “Porteuse de Parfum” enviada

por Victor Brecheret a Mário de Andrade;

abaixo, carta enviada pelo artista ao escritor em 1924

Lasar Segall e Victor Brecheret (à dir.) a bordo de navio em que voltaram ao Brasil

SILAS MARTÍDE SÃO PAULO

De Paris, Victor Brecheret escreveu a Mário de Andrade elogiando os versos da “Pauliceia Desvairada” que o amigo enviara por correio, reclamando da penúria em que vivia, contando como uma de suas obras rachou no frio do inverno e ainda extasiado com o “turbilhão” daquele “pandemônio de cidade”.

Era a década de 1920, os anos loucos da capital francesa, epicentro da produção artística global, e Brecheret era o bolsista do governo paulista que tentava modernizar seu traço convivendo com artistas como Brancusi e Léger e o arquiteto Le Corbusier.

Essa correspondência breve e ao mesmo tempo intensa entre duas figuras centrais do modernismo brasileiro está agora num livro editado no marco dos 90 anos da Semana de Arte Moderna de 1922.

Em “Victor Brecheret e a Escola de Paris”, Daisy Peccinini narra o triunfo que o escultor -nascido em Farnese, na Itália, e morto aos 61 em São Paulo, em 1955- atingiu na capital francesa.

Ali, Brecheret foi parar num ateliê perto do cemitério de Montparnasse, então uma zona pobre e periférica de Paris. Um crítico que visitou o jovem artista chamou de “tétrico” o endereço onde ele se trancava. “Sem repouso”, como frisou em carta a Mário de Andrade, para fazer suas esculturas.

VITÓRIA

Num português sofrível, Brecheret contava ao escritor que andava “sempre trabalhando”. “Estou classificado aqui em Paris em primeira linha, tendo tido visitas de muitas pessoas notáveis”, escreveu o artista em 1924.

Isso foi depois da carta eufórica que mandou um ano antes, começando com “vitória! vitória!”, ao narrar o prêmio que venceu no Salão de Outono de 1923 com a obra “O Sepultamento de Cristo”.

“Era um grupo de mulheres em pé e a Virgem sentada, segurando sobre as pernas a cabeça e parte do tronco de Jesus”, descreve Peccinini. “Ele instalou essa obra numa mureta da escadaria do Grand Palais, numa adequação da escultura à arquitetura, uma síntese das artes.”

Nesse ponto, por mais que a bolsa em Paris tivesse como foco um aprimoramento acadêmico do artista, era inevitável que os brasileiros que se aventuravam por Paris sofressem influência das vanguardas, como o “esprit nouveau”, propalado por Le Corbusier e que está por trás de vasta produção de Brecheret.

Foi em Paris que o escultor suavizou o traço, chegando às formas límpidas que aparecem no monumento às Bandeiras e outras de suas obras clássicas. No lugar da anatomia real e de uma organicidade às vezes grotesca, Brecheret preferiu formas depuradas, prontas para um embate plástico com a luz.

Brancusi, que o artista conheceu em Paris, é influência clara nessa simplicidade da forma. Mas Brecheret também teve como motor certa aversão ao corpo de verdade.

CADÁVERES

Em Roma, onde estudou ainda adolescente, ele se horrorizava com as práticas sanguinárias do mestre Arturo Dazzi, que chegou a matar e dissecar um cavalo puro-sangue, presente do rei da Itália, para estudar como desenhar veias, artérias e músculos.

Brecheret, que também ajudava o artista a encontrar cadáveres de indigentes para dissecar, parece ter se traumatizado com a experiência.

“Ele vai geometrizando cada vez mais suas esculturas, em círculos, espirais, parábolas”, analisa Peccinini. “Esse despojamento das formas, a limpidez do traço, vinha do grupo de Le Corbusier, que Brecheret frequentava.”

Fernand Léger, mentor de Tarsila do Amaral, que então também vivia na capital francesa, tinha um ateliê perto do de Brecheret e foi influência decisiva em sua obra.

Talvez depois de ver as mulheres-engrenagem do artista francês, Brecheret também enveredou por “nus mecanicistas”, nas palavras de Peccinini, peças como “Portadora de Perfume”, de 1924, que serviram de embrião para o monumento às Bandeiras, que ele construiu no Ibirapuera entre os anos 30 e 50.

VICTOR BRECHERET E A ESCOLA DE PARIS
AUTOR Daisy Peccinini
EDITORA FM Editorial
QUANTO R$ 180 (228 págs.)

 

Redação

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