O palenaço diante da TV e a impotência eleitoral dos “barões das imagens”

As imagens dos protestos da classe média paulista diante da TV durante o último pronunciamento de Dilma Rousseff http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2015-03-08/bairros-nobres-de-sao-paulo-tem-vaia-e-panelaco-durante-discurso-de-dilma.html me fizeram lembrar uma pequena história familiar.

Meu pai nasceu em Xiririca SP (atual Eldorado) e chegou a São Paulo em 1946. Em agosto de 1948 ele se tornou servidor da Prefeitura de São Paulo e pouco tempo depois filiou-se ao Partido Comunista. Em setembro de 1952 ele foi fichado pelo DOPS (prontuário nº 118.089). Como muitos da sua geração ele também foi seduzido pelo cinema e pela TV. Depois de casar e adquirir seu primeiro imóvel, ele comprou um televisor.

Quando o golpe de 1964 foi anunciado na TV ele estava fazendo uma refeição diante do aparelho. Tomado por um acesso de fúria ele jogou o prato e os talheres na tela do televisor destruindo-o. Isto ocorreu antes de eu nascer e me foi contado por meus familiares. Cresci imaginando a cena e refletindo sobre a mesma. A destruição do caríssimo eletrodoméstico foi incapaz de deter o golpe de estado e de impedir que, alguns anos depois, o mesmo entrasse em nossa casa a pontapés.

O ato de meu pai em 1964 simbolizou sua impotência diante do poder dos “barões das imagens”. Eles não só tramaram o golpe (os documentos liberados comprovam o ativo envolvimento de Roberto Marinho na construção da violenta deposição de João Goulart), como deram ao mesmo um enquadramento “democrático”. A esquerda brasileira, que não tinha condições de produzir e divulgar suas imagens e seu enquadramento do golpe de estado,  limitou-se a ver o que ocorria. Algum tempo depois, aqueles que reagiram à destruição do regime constitucional de 1946 seriam triturados nas ruas sendo chamados de “terroristas” pelos telejornalistas.

Desde que chegou ao Brasil, a TV se tornou o palco privilegiado das disputas políticas. O golpe de 1964 foi, de certa maneira, a consolidação do poder da TV sobre o respeitável público. Durante duas décadas a Rede Globo encenou e exerceu seu poder de maneira quase absoluta. O último grande espetáculo político/midiático do clã Marinho foi a eleição e subseqüente deposição de Fernando Collor. Entretanto, há quatro eleições os “barões das imagens” não conseguem eleger seu candidato a presidente. Eles não mudaram, quem mudou foi o Brasil e o povo brasileiro.

Em 1964 a esquerda brasileira não tinha espaço na Ágora Vidiada. Isto explica porque ela foi rapidamente expulsa das ruas, dos sindicatos, das associações de praças e soldados e do país. O trabalho sujo dos militares foi facilitado pela colaboração da TV. O poder das imagens era absoluto em 1964. Hoje ele apenas relativo. A produção e a difusão de conteúdos foram, gostemos ou não, democratizadas em razão da internet. O crescimento exponencial da rede de computadores reduziu a popularidade e, principalmente, a credibilidade da TV.

O panelaço da classe média paulista diante da TV é, portanto, anacrônico. Um símbolo da impotência eleitoral daqueles que acreditam que seus votos possuem mais valor que os votos dos brasileiros que conferiram o mandato presidencial a Dilma Rousseff. Assim como meu pai não conseguiu deter o golpe de 1964 destruindo o aparelho de TV com o prato, ninguém conseguirá expulsar a presidenta do Palácio do Planalto exorcizando sua imagem diante da TV. A própria televisão se tornou, de certa maneira, politicamente irrelevante neste momento em que a Ágora Internética substitui a Ágora Vidiada.

No início dos anos 1990, zapeando na TV, vi por acaso um programa evangélico interessante. O telepastor (cujo nome esqueci) pedia para os fiéis colocarem a mão no aparelho de TV para orar e receber as bênçãos da oração realizada em tempo real por milhares de pessoas que estariam fazendo a mesma coisa. Ao bater panelas diante da TV a classe média paulista parece ter aderido à tese da transmutação vidiática de suas próprias frustrações num movimento político capaz de derrubar uma Presidenta da República eleita e empossada na forma da CF/88. A união entre os evangélicos e os tucanos foi consumada, pois ambos os grupos parecem adorar o mesmo Deus luminoso que meu pai inutilmente tentou destruir no passado. 

Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário

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  1. Xiririca /Eldorado SP

    Olá Fabio, li seu texto onde diz que seu pai nasceu em Xirirca /Eldorado.

    Busco informaçoes sobre os antigos moradores de Xiririca , caso possa me ajudar, te agradeço.

    Preciso saber quem eram os antigos moradores, fotos, documentos da epoca.

     

    Obrigada

     

    Angelina

    (41) 30451884

    (41) 96453419

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