O problemático déficit em contas externas

Do Valor

Preço de exportação torna déficit nas contas externas confortável

João Villaverde e Sergio Lamucci| De São Paulo
24/06/2011 

A relação altamente favorável entre os preços de exportação e de importação tem garantido um superávit comercial superior a US$ 20 bilhões no acumulado em 12 meses, ajudando a manter em níveis administráveis o déficit em conta corrente, hoje na casa de 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Se os termos de troca – a razão entre cotações de vendas e compras externas – estivessem hoje nos níveis de 2005, quando estavam próximos da média histórica, o Brasil teria nos 12 meses até abril um rombo na balança comercial de US$ 21,7 bilhões, em vez de um superávit de US$ 23,2 bilhões, segundo cálculos do J.P. Morgan. A piora de quase US$ 45 bilhões do saldo comercial faria o déficit em conta corrente pular dos atuais US$ 48,9 bilhões (2,25% do PIB) para US$ 93,8 bilhões (4,3% do PIB).

Constantin Jancso, economista do HSBC, chega em uma conta bastante semelhante, olhando para um período diferente. De acordo com estimativas do HSBC, caso os preços das commodities estivessem no mesmo patamar real vigente em 2000, apenas o incremento no volume embarcado não seria capaz de suprir as necessidades do balanço de pagamentos – o déficit em conta corrente estaria próximo a 5% do PIB. Ele destaca que o atual patamar do déficit em conta corrente só não é maior graças ao aumento de preços dos produtos básicos, que impulsionam o superávit na balança comercial.

AscoAs contas dos dois economistas mostram a importância, para as contas externas, dos preços de commodities, que têm grande peso na pauta de exportações do país. O Brasil não está livre das incertezas do cenário global, ainda que o volume expressivo de reservas internacionais seja uma proteção importante. Uma desaceleração mais forte da economia global tenderia a afetar as cotações dos produtos primários, reduzindo o saldo comercial. Já uma deterioração da crise europeia, com o aumento da aversão ao risco causado por um eventual calote da Grécia, pode ter impacto negativo sobre os fluxos de capital estrangeiro que têm ajudado a financiar o rombo na conta corrente (as transações de bens, serviços e rendas com o exterior).

Hoje, esses riscos são considerados relativamente pequenos, e um déficit inferior a 2,5% do PIB parece razoável. Além das reservas superiores a US$ 300 bilhões, os investimentos estrangeiros diretos têm superado com folga o buraco em conta corrente. Importante por cobrir integralmente o elevado rombo, esse fluxo crescente de investimento para atividades produtivas deve rondar US$ 60 bilhões neste ano, mas até mesmo esse financiamento pode ser reduzido caso haja uma desaceleração mais significativa da economia global ou um aumento mais forte da aversão ao risco.

Para o economista-chefe do J.P. Morgan, Fabio Akira, a dependência da balança comercial brasileira dos preços de commodities deixa claro que o Brasil está mais sujeito às oscilações do crescimento global, especialmente da China. “Do ponto de vista dos riscos externos, uma eventual desaceleração econômica da China teria mais impacto sobre o Brasil do que uma eventual piora da crise da Grécia, por exemplo”, diz ele.

Nos 12 meses até maio, os termos de troca subiram 15,1%, beneficiados pelo fato de o Brasil exportar muitas commodities, que estão caras, e importar muitos bens manufaturados, que continuam baratos. Os preços de exportações acumulam alta de quase 25% em 12 meses e os de importações subiram pouco mais de 8%.

A situação das contas externas não está livre de riscos, mas há vários analistas que não veem problemas na trajetória atual do déficit em conta corrente. Para Sílvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria, o rombo ainda está longe de se constituir um problema. “Crescemos forte nos últimos anos e continuamos num ritmo acelerado, ainda que inferior ao do ano passado. Como não temos poupança doméstica suficiente para bancar os investimentos necessários, precisamos nos financiar no exterior”, avalia Campos Neto, para quem o déficit em conta corrente é “inevitável” nesta estratégia de crescimento. “O cenário mudou muito em relação aos anos 1990, quando vivemos crises geradas por grandes déficits em transações correntes.”

Em 1998, quando o déficit corrente fechou em 3,9% do PIB, o Banco Central foi forçado a vender grande parte das reservas internacionais (então em US$ 74 bilhões, patamar recorde para o país) em seis meses para segurar a cotação do real em relação ao dólar, diante do temor de investidores estrangeiros com a capacidade do Estado arcar com o endividamento. “Desta vez, não só as reservas são cinco vezes superiores aos déficits, como não temos um câmbio fixo para defender”, diz Jancso.

Há quem relate, porém, que a situação brasileira já começa a causar algum desconforto entre os investidores estrangeiros. Segundo um economista que auxilia controladores de fundos internacionais e áreas de tesouraria de empresas estrangeiras na escolha de oportunidades de investimentos em países emergentes, há crescente preocupação com a trajetória do déficit. “Não há alarme para o curto prazo, dizem, porque o déficit é financiável, mas alguns já começam a ficar ressabiados quanto ao médio prazo”, diz o analista.

Para Bernardo Wjuniski, analista-sênior para América Latina da Medley Global Advisors, patamares inferiores a 3% de déficit na conta corrente são “administráveis”, especialmente devido ao nível das reservas internacionais acumuladas pelo BC desde 2004 – atualmente, em US$ 333 bilhões. No entanto, pondera Wjuniski, o enorme ingresso de recursos externos no país – para investimento direto, aplicações financeiras e compra de ações – é impulsionado pela liquidez mundial.

“O governo americano está, desde o ano passado, emitindo dólares a juro zero, o que elevou o ingresso de capitais nos países emergentes e até a especulação com preços de commodities, que são negociadas em bolsa nos EUA”, diz Wjuniski. “O cenário de liquidez vai mudar tão logo a situação econômica dos EUA e dos países ricos como um todo mudar, no médio prazo”, afirma.

Para Wjuniski, muitos economistas não têm se dado conta do quão extraordinário é o período que o país vive hoje. “Estamos contando que o déficit é financiável porque o capital estrangeiro está entrando e continuará a entrar nesse ritmo no futuro”.

As receitas a serem obtidas com a exploração do petróleo do pré-sal, porém, podem ajudar a amenizar os riscos relacionados à conta corrente, observa Akira. Embora seja difícil dimensionar hoje o ganho que haverá para a balança comercial e em que momento os recursos vão entrar no país, essa pode ser uma fonte de dinheiro importante, tornando mais sustentável a trajetória das contas externas no médio e no longo prazo.

Saída é ampliar poupança doméstica, diz economista

De São Paulo
24/06/2011 

Quando, por algum motivo, o entusiasmo do mercado financeiro mundial com a economia brasileira mudar de rumo, o movimento de fuga de capitais em manada será veloz. Nesse momento, cobrir o déficit em transações correntes do país passará a ser uma missão muito mais complexa do que é hoje. Essa é a avaliação do economista Nelson Marconi, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP). O déficit atual, em torno de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), “parece inofensivo, porque o capital estrangeiro está entrando, mas como ficará quando o humor externo mudar?”, diz.

Segundo Marconi, o déficit em transações correntes do país está “preso em uma trajetória altista”, uma vez que é impulsionado pela demanda interna aquecida e pelo câmbio valorizado, dois fatores que, combinados, ampliam a entrada de produtos importados no país. “O saldo comercial está de pé, ainda, devido à forte elevação dos preços das commodities”, afirma Marconi. Além disso, a entrada de recursos externos em forma de aplicações financeiras e investimento direto tem facilitado a cobertura do déficit.

“Já vivemos isso”, afirma o economista, em referência à última crise originada pelo elevado rombo nas transações correntes do país – entre o fim de 1998 e o início de 1999. “Tínhamos, à época, o mais elevado patamar de reservas internacionais acumulado pelo Banco Central na nossa história (US$ 74 bilhões) e todos os recursos foram queimados em poucos meses para equilibrar a saída repentina do capital estrangeiro, que até então era dado como garantido”, diz Marconi.

À época, o déficit nas transações correntes variava em torno de 4% do Produto Interno Bruto. As reservas internacionais, hoje, são de US$ 335 bilhões.

Para Marconi, a elevação das taxas de juros vai no sentido contrário da redução do déficit corrente. Segundo o economista, a saída seria a ampliação da poupança doméstica, para que seja capaz de financiar os investimentos no país, evitando o uso de recursos externos.

“Poupança surge quando há aumento da renda, e renda surge quando se embolsa os resultados dos investimentos realizados. Mas como impulsionar os investimentos com uma taxa de juros alta e em elevação?”, pergunta o economista, que avalia como “central” o papel do setor público. “A saída, no curto prazo, seria um ajuste fiscal potente, com a redução dos gastos públicos, que acabariam abrindo espaço para os investimentos privados.” (JV) 

Luis Nassif

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