2013-2023: a década que não acabou, por Túlio Muniz

A Direita percebeu, após as primeiras manifestações, que havia ali uma enorme massa de manobra sem liderança

Kiko Silva – Diário do Nordeste

2013-2023: a década que não acabou

por Túlio Muniz

Plenamente de acordo com Luís Nassif em seu artigo https://jornalggn.com.br/a-grande-crise/junho-de-2013-nao-foi-a-raiz-de-todos-os-males-por-luis-nassif/.

 É no mínimo frágil a tese de que os protestos de 2013 se deram exclusivamente por manipulação das redes. De fato, as grandes redes, impulsionadas e financiadas pela extrema-direita global se apropriaram das subjetividades que deflagraram as manifestações. Porém, apenas depois delas terem se iniciado, e não antes.

A Direita percebeu, após as primeiras manifestações, que havia ali uma enorme massa de manobra sem liderança, à esquerda ou direita, e galvanizou insatisfações dirigindo-as aos seus interesses.

Escrevi bastante na época, inclusive por ter participado de três das quatro grandes manifestações que aconteceram na capital cearense, dando conta da ferocidade policial militar autorizada por governos de esquerda e centro-esquerda, a quem as próprias PMs têm ojeriza (ver aqui https://www.viomundo.com.br/denuncias/tulio-muniz-em-fortaleza-quando-a-policia-e-o-bando.html).

Nós outros cá em Fortaleza, onde aconteceram as maiores manifestações depois de São Paulo, sentimos no lombo, nos olhos e narinas o porrete e os gases lacrimogénio e de pimenta da PM, brava defensora das cercanias de um estádio de futebol vazio. E o motivo aqui não foi o preço da passagem de ônibus, pelo menos não prioritariamente.

Sobretudo na primeira das manifestações, na qual, estima-se, talvez tenha reunido uma centena de milhares de pessoas, era só olhar para o lado para constatar que a insatisfação era geral.

Moradores de comunidades periféricas do entorno do estádio Castelão receberam e perfilaram-se, no bairro onde habitavam, com a classe média mais shoppingzeira que, em circunstancias ‘normais’, jamais poria lá os pés ou seus carros importados.

Há muito ainda a se compreender do Junho de 2013, que não teve a pomposidade do apelido ‘Jornadas de Junho’, mas tampouco foi um movimento completamente orquestrado pelas big techs.

É tanto persistir numa relação do tipo ‘Estado contra a Sociedade’ e considerar como  amorfa e incapaz de auto crítica e de revisão de posicionamentos conservadores a parcela da população que elegeu Bolsonaro ( vulgarizada como  ‘gado’) e que precisa ser reconquistada para apoio a políticas sociais de esquerda e centro esquerda, quanto menosprezar a potência espontânea que emerge de ‘nínguém’ (como bem definiu Peter Pel Pelbart em https://www.observatoriodaimprensa.com.br/jornal-de-debates/_ed756_anota_ai__eu_sou_ninguem/).

Seguir acreditando nisso é desconsiderar o potencial de revolta que a população brasileira tem desde o séc. XIX, pelo menos, contra tantas e tantas determinações e omissões que vêm de governos exercidos na base do ‘de cima para baixo’ (contra a escravidão, contra recenseamento, etc). Passada exatamente uma década do Junho de 2013, há muito ainda que se compreender e aprender com aqueles acontecimentos.

Túlio Muniz é professor na FACED-UFC,  historiador (graduação e mestrado pela UFC), Dr. na área de Sociologia (Un. de Coimbra), e Jornalista Profissional.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Redação

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