Eliara Santana
Eliara Santana é doutora em Linguística e Língua Portuguesa, com foco em Análise do Discurso. Ela é pesquisadora associada CLE/UNICAMP, onde participa do projeto Pergunte a um/uma Cientista. É integrante do Observatório das Eleições. Desenvolve pesquisa sobre desinformação, desinfodemia e letramento midiático no Brasil.
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A questão é sobre o Brasil que a gente quer. E o momento é LULA JÁ!, por Eliara Santana

O momento do país é gravíssimo e nos obriga a abrir mão de sonhos de um país ideal e de um candidato ideal para buscar o possível

Ricardo Stuckert

A questão é sobre o Brasil que a gente quer. E o momento é LULA JÁ!

por Eliara Santana

Estamos diante de um cenário dos mais preocupantes dos últimos tempos – que se soma a cenários graves em relação à economia e ao desmonte das políticas públicas. Essa conjuntura me angustia, como certamente tem angustiado muitas e muitos de vocês, e exatamente por isso eu acho pertinente tecer algumas considerações sobre a recente fala da influencer Rita sobre o discurso de Lula no lançamento da candidatura à presidência, no último sábado, dia 7/05. Antes das considerações, já adianto: não pratico cancelamento de qualquer espécie, sou absoluta e totalmente favorável ao diálogo e ao debate de ideias, se discordo e discuto é porque o tema é pertinente no atual contexto; tenho feito um grande esforço para não pensar nem analisar com o fígado, porque isso atrapalha bastante. Portanto, as considerações que faço se referem às ponderações/críticas feitas pela influencer, jamais a ela individualmente.

Por fim, creio que o momento do país é gravíssimo e nos obriga a abrir mão de sonhos de um país ideal e de um candidato ideal para buscar o possível capaz de derrotar as trevas capitaneadas por Jair, o incomível.

Feito o preâmbulo, enumerei cinco tópicos gerais que acho importantes para refletirmos sobre este momento e as críticas recentes. Vamos lá:

1 “REVOLUÇÃO” CONTRA OS GOLPISTAS
Muitos que estão mobilizados, desde o final da eleição de 2014, contra o golpe, estão certamente com aquele desejo de “revolução para acabar com os golpistas”. Desde aquele momento, as pancadas que levamos foram bem fortes, e o golpe causou profunda destruição no país e para muitos de nós. Mas, vivemos num sistema de democracia representativa, e não há clima ou espaço para revoluções. Precisamos, então, atuar para que haja mudanças sensíveis, importantes nesse espectro da democracia representativa – e nesse sentido, é preciso diálogo com os diferentes, é preciso estabelecer pontos em comum com os que, de algum modo, se arrependeram do golpe (por mais que odiemos essa história), é preciso comer lula com chuchu e achar o prato bom (eu, particularmente, gosto).

2 GOLPE JAIR-MILICOS

Estamos no cenário de um golpe antecipadamente anunciado nas eleições deste ano. Jair Bolsonaro não está de brincadeira e está conseguindo arregimentar parte das Forças Armadas para a sua proposta enlouquecida; ele deu indulto a Daniel Silveira e está encurralando o TSE e o STF, e a aposta dele é no caos; não tenho dúvida de que fará uma enorme confusão para tumultuar o processo até o final e além – se Lula for eleito, a posse não está garantida. O golpe é bem desenhado, já discursivamente trabalhado pelo gabinete do ódio e politicamente costurado com parte dos militares. E os supersalários dos generais são ótimos incentivos ao golpismo, não nos esqueçamos.

3 A DESTRUIÇÃO DO BRASIL É REAL

A inflação no mês de abril bateu novo recorde, e a perspetiva é de que continue muito alta até o final do ano. A inflação alta corrói ainda mais a renda média do trabalhador, já totalmente corroída pela falta de política econômica do governo federal. O desemprego é muito alto, e as pessoas fazem qualquer bico para garantir o arroz e o feijão no prato, cada dia mais caros. Hoje, há 19 milhões de brasileiros que passam fome, e outros 100 milhões tentando sobreviver com 400 reais por mês; o número de famílias vivendo nas ruas das cidades brasileiras é desalentador, é uma tragédia social. No setor da educação, os cortes impactam pesquisas e bolsas e salários; na saúde, não há investimentos, e as campanhas do governo se preocupam mais com a desinformação – o Brasil, que já foi referência em vacinação, hoje vê sua população fugir da vacina, a queda na cobertura vacinal é um dado muito preocupante; nas políticas públicas, a queda no investimento em política para mulheres, apenas para citar um exemplo, agrava um problema de gênero, de violência contra o público feminino que já é bastante grave. A lista nesses quesitos é enorme, e faltam dados para dimensionar, porque o país também sofre um apagão (intencional) de dados.

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4 O BRASILEIRO UBERIZADO ESTÁ EXAUSTO

Pensar as questões de um país tão gigante e tão complexo quanto o Brasil a partir unicamente de nossa vivência, de nossa perspectiva de classe média que tem determinado padrão e determinada possibilidade de vida – mesmo enfrentando muitas dificuldades, ainda temos alguma garantia de renda, ainda comemos proteína, viajamos (de ônibus) e tomamos cerveja, e por isso almejamos grandes discussões – é um equívoco, porque o brasileiro médio, que perdeu emprego e renda, que correu para o Uber como única fonte de sobrevivência, que não come carne mais, que teve de vender o carro pra pagar as contas, que encontra na igreja evangélica algum alívio para as suas muitas angústias, que está com vários boletos atrasados, que não sabe mais o que é uma cervejinha no fim de semana, esse brasileiro não tem energia e disposição para falar sobre temas que empolgam a esquerda – luta de classes, fim do capitalismo, revolução, novos modos de vida, proteção ao meio ambiente e outros temas gerais… ele quer saber se vai voltar a comer melhor, se terá condições de sair do vermelho minimamente, se vai conseguir fazer churrasquinho nem que seja de carne de segunda, se vai conseguir colocar a cabeça no travesseiro e dormir sem ser assaltado pela angústia de não saber como vai pagar o aluguel no fim do mês. É claro que todos esses outros temas são importantes, muito importantes, mas há uma premência por soluções rápidas e efetivas num país esgarçado e destruído – quem precisa pagar boleto e não sabe de onde tirar o dinheiro não tem tempo para questões gerais filosóficas.

5 NÃO ESTAMOS NA NOVA ZELÂNDIA DA FADINHA

Se eu estivesse num país minimamente normal, ia adorar ouvir Lula, no lançamento da campanha, gritar contra o agronegócio, bradar contra a reforma da previdência, insultar os golpistas de 2016, falar que a solução é a reforma agrária e a agricultura familiar, gritar contra as instituições que, covardemente, apoiaram o golpe de 2016, o STF incluído. Mas não estamos na Nova Zelândia da Fadinha, estamos no Brasil em que Jair Bolsonaro é o presidente eleito da República, que disputa a reeleição e tem cerca de 30% dos votos, um presidente racista, machista, homofóbico, que destruiu a economia, os direitos sociais, as políticas públicas, que flerta com o golpe abertamente, flerta com o autoritarismo, colocou em pé e mantém um sistema de desinformação muito eficiente e o gabinete do ódio, e mesmo assim tem cerca de 30% dos votos. Neste país, me parece ingenuidade política, certo infantilismo esquerdista cobrar de um candidato que está costurando com a Grifinória e a Sonserina, com gregos e baianos, com veganos e comedores de carne, com o agro é pop e o MST, que ele fale, no lançamento da campanha, certas coisas que vão encantar os ouvidos da esquerda e arrepiar a nuca de outros setores.

Diante de tudo isso, eu penso que não há pautas ou grandes temas específicos – reforma da previdência, agronegócio e meio ambiente, teto de gastos – que devam ser trazidos por Lula neste momento específico de um discurso de campanha sem prejudicar o esforço de um diálogo amplo. O que se deve debater é como tirar o Brasil desse retrocesso civilizatório, como garantir que os brasileiros façam três refeições por dia e tenham um teto para se abrigar; em resumo, a discussão é qual Brasil a gente quer e como fazer para tirar Bolsonaro do poder. O que não significa que as questões cobradas pela influencer não devam ser discutidas e não façam parte do escopo das propostas do candidato; claro que fazem, e já foram citadas e mencionadas e debatidas.

Mas, para garantir uma efetiva costura, para de fato ampliar o diálogo capaz de garantir a vitória de Lula – axé no primeiro turno –, precisamos conter nossos ímpetos e desejos radicais de esquerda, penso eu. Agora, a urgência é impedir a reeleição de Bolsonaro. É impedir que o Brasil sucumba totalmente. E a melhor forma de fazer isso é eleger Lula no primeiro turno. Da minha parte, creio que não aguento mais quatro anos de Jair. Portanto, meu desejo radical neste momento é que o brasileiro volte a ter a dignidade de comer três vezes ao dia. Os outros desejos radicais eu postergo, por ora.

Eliara Santana é uma jornalista brasileira e Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), com especialização em Análise do Discurso. Ela atualmente desenvolve pesquisa sobre a desinfodemia no Brasil em interlocução com diferentes grupos de pesquisa.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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Eliara Santana é doutora em Linguística e Língua Portuguesa, com foco em Análise do Discurso. Ela é pesquisadora associada CLE/UNICAMP, onde participa do projeto Pergunte a um/uma Cientista. É integrante do Observatório das Eleições. Desenvolve pesquisa sobre desinformação, desinfodemia e letramento midiático no Brasil.

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