As fobias de uma sociedade em declínio, por Eduardo Blanco Cardoso

Sem lugar a dúvidas, o instrumento mais efetivo para cultivar o respeito à diversidade, inclusão e a tão ansiada paz é, a educação

As fobias de uma sociedade em declínio

por Eduardo Blanco Cardoso

Vivemos em um país onde respira-se um ar de extrema intolerância, hostilidade e discriminação que afeta todos os setores da sociedade. Sentimentos de pertença, grandeza e autorreconhecimento, nucleiam indivíduos na construção de uma identidade quase que messiânica, no mundo globalizado. Esse instinto identitário, levado ao seu extremo, exacerba sentimentos potencialmente prejudiciais para a convivência, respaldados em fobias direcionadas a pessoas e grupos específicos, com frequência minoritários, assim como ao auge do chamado “nacionalismo excludente”. Estamos vivenciando diariamente o rechaço ao diferente e ao diverso, conduta contraria ao espírito de tolerância que nutre a raiz da democracia. O rechaço do outro passou infelizmente, a ser legitimado, constituindo-se em um ponto chave, no universo das fobias grupais: a convicção da existência de uma relação assimétrica, de que a etnia, a orientação sexual, o conceito de família, a abolição das teorias de gênero, as crenças religiosas e a moral são fundamentos considerados “superiores” naquele que exercita o desprezo, quando comparado a seu congênere, objeto de indiferença ou exclusão.

Infelizmente existem muitos tipos de fobias. Algumas delas são: a misoginia, xenofobia, a homofobia, a aporofobia etc. A população brasileira vem padecendo esta doença social, que nos últimos anos se agravou e cronificou, inexoravelmente. Embora existam políticas públicas que contemplem a diversidade, em alguma de suas formas, elas são insuficientes, e muitas vezes desrespeitadas por governos autoritários e negacionistas, fechados a todo tipo de mudança e à sociedade global.   

As fobias, de modo geral, se apoiam no discurso do ódio, que tem basicamente cinco grandes caraterísticas: 1) vão dirigidas ao indivíduo por pertencer a um determinado coletivo; 2) estigmatiza-se ao coletivo atribuindo-lhe atos prejudiciais para sociedade, por exemplo a prática de abusos e delitos; 3) situa-se ao coletivo no alvo do discurso e das atuações políticas, como inimigo da cultura identitária da sociedade; 4) os que alimentam estas fobias estão convencidos de que existe uma desigualdade estrutural respeito dos grupos atacados e sentem um certo complexo de superioridade moral; e finalmente, 5) empregam na sua defesa  argumentos incondizentes, falsos e enganosos, usufruindo de um discurso moralista e reivindicador.

É bom lembrar que a violência, em tempos remotos, primitiva e selvagem, tinha uma lógica social, e em parte, estava regulada por códigos estritamente corolários: a honra e a vingança, resultantes da subordinação do interesse pessoal à vontade do grupo. Mais tarde, com o advento do “Estado” ela passou a ser um meio de conquista, de expansão e captura, conferindo a este, glória, fama e respeito. Desde então, a violência deixa de ter aquele “sentido social”, de ser o meio de afirmação e reconhecimento do indivíduo; onde a vida e a individualidade se convertem em valores supremos e o Estado passa a ser o encargado definitivo de velar pela sua seguridade. Mas esse aparente processo de civilização, legitima estruturas profundamente violentas e comportamentos individualistas, narcisistas e desprovidos de solidariedade, pouco sensíveis à dor alheia e às necessidades do próximo. Na sua expressão atual, alguns dos fundamentos essenciais dessa estrutura de violência exemplificam-se na mística da masculinidade e o peso do patriarcado, a busca incessante pela liderança e dominação, a incapacidade de resolver conflitos, o economicismo gerador da desintegração social e seu princípio de competitividade, o militarismo, a interpretação religiosa que justifica excessos humanos em nome do “Salvador”, as ideologias exclusivistas, o etnocentrismo e a ignorância cultural, a desumanização, a perpetuação da injustiça e a falta de oportunidades e de participação.

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Sem lugar a dúvidas, o instrumento mais efetivo para cultivar o respeito à diversidade, inclusão e a tão ansiada paz é, a educação, promovendo a construção de um tecido social responsável, capaz de mudar a atual situação, por meio da pluralidade heterogênea de projetos vitais, de comportamentos, linguagens, formas de vida, conceitos científicos, modelos sociais, e comunidades religiosas, pautas necessárias para um correto desempenho ético e moral. Este consenso não pode advir de uma norma estrita, ou de uma imposição política e/ou policial, mas de uma livre concordância, compartindo recursos e conhecimentos, preservando a riqueza natural e a diversidade das culturas, aceitando ao mesmo tempo, a identidade e diferença do outro para uma boa convivência, deslegitimando a violência e o uso da força, atuando na origem dos conflitos e não sobre suas manifestações, melhorando a governabilidade democrática e alentando a participação da cidadania, fomentando uma educação para a crítica e dissidência, formando alianças para aumentar a força disponível e conseguir em conjunto, se sobrepor às adversidades.

A violência tem-se tornado “um fenômeno cultural” na medida que é interiorizada e inclusive sacralizada por alguns setores da nossa sociedade, por meio da construção de mitos, simbolismos, políticas e comportamentos, embora tenham causado profunda dor, sofrimento e morte a milhares de brasileiros. É preciso eliminar todo estereotipo negativo, reformulando o ensino, de maneira que a mudança social “não violenta” cobre protagonismo sobre os penosos episódios vivenciados, resgatando especial atenção ao papel da mulher na sociedade. A educação é, portanto, o melhor antídoto contra a má política, as fobias e a ignorância, assim como, o melhor equalizador entre os seres humanos e as sociedades nas quais eles vivem.

Eduardo Blanco Cardoso – Pós-Doutorado em Medicina e Educação pela USP

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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