Tucker Carlson, Putin, Tolstoi e o julgamento da guerra na Ucrânia, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Desde a queda do Muro de Berlim, os governos ocidentais sabem que a Rússia não aceitaria a expansão da OTAN até suas fronteiras

Tucker Carlson, Putin, Tolstoi e o julgamento da guerra na Ucrânia

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Para entender a posição que Vladimir Putin expressou ao ser entrevistado por Tucker Carlson, é preciso relembrar a história “Um juiz justo”, de Leon Tolstoi.

Este conto é curto e ainda assim sugere questões muito profundas sobre a natureza da justiça e a atividade do juiz. O que é justo? A predominância do mais forte ou do mais fraco (comerciante vs. aleijado), a proteção do homem ignorante ou educado (estudioso vs. camponês), a vitória do melhor argumento (a disputa monetária entre dois vendedores de produtos diferentes)?

O que é justo não pode depender de preferências ideológicas, pois neste caso a decisão seria preconcebida, eventualmente possibilitando a vitória daqueles que agiram erradamente e não admitem a própria malícia perante o juiz. O conto de Tolstoi sugere que a solução de qualquer caso deve sempre basear-se em evidências factuais, sem qualquer consideração preconcebida sobre os envolvidos no conflito.

Juiz justo é aquele que observa as provas dos fatos, reflete com serenidade sobre o caso e não se deixa influenciar pelas condições pessoais das pessoas que serão julgadas. A chave para compreender e admirar as decisões tomadas pelo personagem de Tolstoi é dada no final do conto.

Ao descobrir que o comerciante que disputa o cavalo é na verdade o rei do país, o juiz se recusa a obter qualquer vantagem pessoal em decorrência de seu trabalho. Somente aqueles que julgam a si mesmos adequadamente estão em condições de julgar bem as disputas dos outros.

Infelizmente, a esmagadora maioria dos líderes americanos e europeus são muito ambiciosos e desonestos e colocam os interesses dos fabricantes de armas dos seus países acima da estabilidade mundial e da paz com a Rússia. Não é possível nem justo fomentar e financiar uma guerra e dizer que a outra parte está totalmente errada.

Tal como no conto de Tolstoi, a distribuição adequada da justiça na arena diplomática visa, tanto quanto possível, permitir a coexistência numa sociedade conflituosa sem que aqueles que agem mal tenham sempre uma vantagem devido à sua posição, educação, força ou riqueza. Cada disputa pessoal, política e militar precisa ser resolvida de forma justa.

Desde a queda do Muro de Berlim, os governos ocidentais sabem que a Rússia não aceitaria nem poderia aceitar a expansão da OTAN até suas fronteiras. E, no entanto, a OTAN expandiu-se até quase encostar na fronteira russa. Durante mais de uma década, o Kremlin disse que não aceitaria a Ucrânia na NATO e, no entanto, líderes norte-americanos e os europeus insistiram que aquele país deveria e poderia ser membro da OTAN (e a OTAN está a fornecer as armas agora utilizadas na guerra contra a Rússia).

Os russos não têm o direito de se defender contra o que consideram ser uma ameaça real ao seu país? Claro que sim, mas isto é simplesmente ignorado por juízes injustos que querem julgar a Rússia injustamente, embora não sejam capazes de julgar de forma justa as ações dos seus próprios governantes que sacrificam o povo ucraniano para manter as fábricas de armas ocidentais produzindo armamentos e a obtendo lucros.

Na verdade, a injustiça torna-se mais evidente quando levamos em conta a forma como estes mesmos juízes ocidentais que fomentam a guerra estão a julgar o jornalista Tucker Carlson. Apesar de fazer o que se espera que um jornalista faça ao entrevistar Putin, Carlson está sendo acusado de traição e corre o risco de ser silenciado e punido da mesma forma que Julian Assange. Isso é justo? Claro que não. Isto apenas prova que o ódio e o desejo de perpetuar uma guerra que já poderia ter terminado corrompeu completamente os corações e mentes dos líderes americanos e europeus. Eles estão bombardeando o Iêmen agora. Eles acreditam também que podem bombardear a Rússia? Isso é uma loucura.

Vamos lá pessoal… Se vocês realmente querem julgar a Rússia de forma justa, ouçam as palavras de Putin com calma, deixem o jornalista em paz, sejam um pouco mais rígidos com os líderes ocidentais e aprendam algo lendo o conto de Tolstoi.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Fábio de Oliveira Ribeiro

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador